Dossier Denis Villeneuve Vol. VII – Dune: Cumprir a Profecia

Francisco SousaMaio 22, 2024

Dune foi escrito em 1965 por Frank Herbert e rapidamente se tornou um bestseller mundial. No entanto, e como não raramente acontece, fenómenos literários nem sempre são facilmente adaptáveis ao grande ecrã e o livro de ficção científica não foi excepção. Alejandro Jodorowsky tentou, na década de 70, adaptar o livro, mas um orçamento cada vez mais inflacionado, derivado de escolhas extravagantes (documentadas no fantástico documentário Jodorowsky’s Dune) como Orson Welles a interpretar o barão Harkonnen ou Salvador Dalí como o Imperador, levaram a que a produção acabasse por ser cancelada.

Na década seguinte, em 1984, e catapultado pelo sucesso de The Elephant Man, David Lynch adaptou pela primeira vez para as salas de cinema a obra de Frank Herbert. Um falhanço não só de bilheteira como também junto da crítica, a visão do realizador norte-americano não se materializou. Ao tentar juntar dois livros num único filme, com muitos relatos de interferências do estúdio, o resultado foram mais de duas horas de implacável e impercetível exposição intercalada por alguns momentos de espetáculo visual.

Os dois falhanços anteriores levaram a que esta saga, que aos olhos de muitos produtores em Hollywood tinha potencial ao nível da Guerra das Estrelas, fosse considerada inadaptável. Mais de trinta anos depois, com a mudança no panorama do cinema norte americano do século XXI, onde a propriedade intelectual e os franchises prevalecem, Denis Villeneuve foi contratado para realizar a nova adaptação de Dune e tentar, de uma vez por todas, transportar a visão de Frank Herbert para a tela.

O realizador canadiano, que tinha como sonho de infância adaptar o livro (desenhou alguns storyboards com apenas 13 anos) parecia, à primeira vista, ter condições para transmitir a escala e o tom épico que a história do filme pede. Villeneuve mostrou, ao longo da carreira, que é um dos realizadores contemporâneos (a par de Christopher Nolan) com um entendimento nato de escala, que entende a capacidade que o cinema, e em particular o formato IMAX, tem de fazer algo parecer gigante ou minúsculo (fê-lo com as naves alienígenas de Arrival ou nos hologramas de Blade Runner 2049, por exemplo).

A história de Dune segue Paul Atreides (Timothée Chalamet), herdeiro da Casa Atreides, filho do Duque Leto (Oscar Isaac) e da concubina Lady Jessica (Rebecca Fergunson). Quando o Imperador atribui o controlo de Arrakis aos Atreides, Paul e a sua família têm de sair das florestas de Caladan para o deserto de Arrakis onde especiarias que permitem viajar no espaço são cultivadas e garantem poder àqueles que controlam o seu cultivo e distribuição. A casa é ainda composta por personagens secundárias nas quais atores como Josh Brolin e Jason Momoa emprestam ao filme doses generosas de carisma e breves momentos cómicos.

Disputas pelo planeta da Especiaria com a família rival Harkonnen (Stellan Skarsgaard, Dave Bautista) levam Paul a refugiar-se juntos dos nativos Fremen (Zendaya, Javier Bardem) no deserto. Dune é contado maioritariamente da perspetiva de Paul o que permite ao espetador acompanhar a viagem deste e admirar e experienciar a magnitude das areias de Arrakis.

O filme, que tem um pouco mais de duas horas e meia, peca um pouco pelo excesso de exposição, ainda que por vezes esta até seja transmitida de forma original, como por exemplo a sequência em que Paul aprende a movimentar-se na areia. No entanto, é no aspecto visual que Dune é um triunfo cinemático. Utilizando uma estética brutalista, com tons propositadamente monocromáticos, Villeneuve e o diretor de fotografia Greig Fraser, são capazes de transmitir habilmente a inospitalidade e vastidão do deserto. Todos os departamentos da produção, com particular destaque para o guarda-roupa e para a direção de arte, tornam o planeta de Arrakis num mundo único, onde é possível distinguir as diversas facções e alianças.

Nos últimos anos, onde se tem acentuado a preponderância dos efeitos especiais computorizados, muitas vezes de baixa qualidade devido à sobrecarga dos artistas, Dune destaca-se, por larga margem, dos outros blockbusters. Uma mistura quase perfeita entre efeitos especiais com efeitos práticos, entre os quais se destacam as gravações no deserto, conferiu uma componente táctil e real, indispensável para este filme e poucas vezes presente em obras desta dimensão.

O filme, que estreou em 2021 numa altura em que a pandemia ainda impedia muitos espetadores de voltar às salas de cinema, foi um sucesso de bilheteira, com mais de 400 milhões de dólares na bilheteira mundial. Adicionalmente, ganhou 6 Óscares da Academia e ainda uma nomeação para melhor filme. O sucesso da primeira parte de Dune permitiu garantir desde logo a segunda parte (que estreou em Março de 2024) de uma eventual trilogia e cimentar não só Dune no patamar das grandes adaptações da ficção científica como também consagrar Villeneuve como profeta de Dune e do cinema do século XXI.

 

Francisco Sousa