O duelo é um clichê cinematográfico. A música tema de O Bom, o Mau e o Vilão (1966), composta pelo maestro Ennio Morricone, já se estabeleceu como “música de duelo”, perdendo a conexão com o filme, e mesmo com o próprio cinema, se instaurou como parte da cultura. O que é sintoma do quanto a estrutura do duelo filmado, e como se filmou, foi repetido à exaustão. Mas afinal, como se filma um duelo? E principalmente, porque a descoberta de um filme de 1896 foi tão especial?
Como se filma um duelo?
Claro que esse curto texto, escrito às pressas, não é uma tentativa de sintetizar o que poderia ser uma tese de doutoramento. O que pretendo fazer aqui é apresentar as formas mais comuns de como se filmou um duelo, sem pretender ser definitivo ou abordar o tema em sua integralidade. Uma forma comum de se filmar duelos foi vista recentemente, no repercutido John Wick 4. A câmera filma de longe, colocando os inimigos em lados opostos do quadro, de frente um para o outro. Isso polariza os lados do quadro, gera certa noção de equilíbrio formal, e permite que o espectador veja tudo como uma testemunha do acontecimento.
Porém, a forma mais comum é se filmar um duelo, a que se subscreve como parte do clichê, é justamente quando se divide a cena em vários planos fechados, e geralmente ritmada pela música, a montagem protagoniza as ações.
Esse modelo se tornou tão esquemático, que começaram a surgir sátiras. A sátira me parece uma saída possível na tentativa do resgate de um gênero esgotado. Uma homenagem, que tende ao exagero hiperbólico dos códigos já estabelecidos: antes se filmava através das pernas, agora se filma através do buraco de bala da cabeça do personagem; um pistoleiro é tão imbatível que ele usa um espelho e a arma de cabeça para baixo para concluir seus duelos.
A descoberta: Duel au Pistolet (1896)
Gabriel Veryne é um diretor que parece ser mais conhecido por seus trabalhos filmando na Indochina antes da virada do século, em filmes quase que etnográficos. Especialmente Enfants annamites ramassant des sapèques devant la Pagode des Dames (1899) e Le village de Namo – Panorama pris d’une chaise à porteurs (1900) são marcantes nesse sentido. Porém, antes de partir para a Indochina, Veryne esteve no México. Tendo feito mais de 35 filmes entre 1896 e 1897, vários deles registrando as tarefas diárias do presidente à época, Porfirio Díaz, ele se torna o primeiro grande cineasta do país, mesmo nascido na França.
Entre os filmes feitos nesse período, está Duel au Pistolet, uma reconstrução de duelo armado. O que me chamou atenção assim que bati o olho na tela foi a escolha da organização dos corpos dos personagens. Estamos falando de 1896, quando a maioria dos diretores ainda optava por organizar os corpos como roupas em um varal. Provavelmente por ter sido filmado em externa, se conseguiu estabelecer os corpos de tal maneira:
Os duelistas estão frente a frente, mas há um senhor de cartola que cria um “blocking” (um eixo criado a partir dos corpos dos atores) de triângulo. A câmera assume uma posição afastada, mas por conta da iluminação do sol, é possível ver em profundidade de campo as carruagens que trouxeram os inimigos até aquele lugar. Algumas testemunhas do duelo habitam o limite do quadro, dando vida, expandindo o quadro para o mundo.
O vencedor é o personagem que víamos de frente, o mais próximo à câmera é atingido. O que triunfou vai até o perdedor, conferir seu estado – me parece uma tentativa, mesmo que ainda preambular, de estabelecer certa empatia com o que venceu o duelo.
Depois, em um uso de encenação em profundidade de vanguarda, o que venceu é levado até o fundo, enquanto vemos, em primeiro plano, o perdedor sendo acudido. E assim termina o filme.
Não se trata de dizer que Veyre foi um gênio, ou que estava a frente de seu tempo, nem nenhuma baboseira nesse sentido. Os próprios Lumière nunca foram esses amadores ingênuos que, mesmo depois de tanta pesquisa, muita gente ainda crê – é só ver Les Escaliers du Pont de l’Alma (1900) ou Laveuses sur la rivière (1897). Esse texto se justifica na minha vontade de compartilhar esse grande cineasta que descobri recentemente, e de certa maneira, repercutir um pouco mais seu cinema. Ou seja, um texto do que deveria e poderia ser a crítica.