Ai, prometi-te uma outra Grécia
e em vez disso mando-te um canto fúnebre.
O céu pode esperar.
Um filme desencantado com o mundo, mas apaixonado pelo seu movimento. De olhos postos no abismo, Samuel (Dinis Neto Jorge) adia a morte para ir ver a “mais bela coninha do mundo”. Uns copitos no bucho e um mergulho numa Lisboa nocturna, viva e suja, cidade de pescadores e marinheiros, mestiça e popular, cidade de sexo, cidade de amor.
Cervejas a fado no York Burger, jantar ao som das dores da velha, e o reencontro com a Esperança por entre as princesas de Alfama. Carmen Miranda ou Rosa Bianca, bailar ao “Ritmo de la Noche”. Elói (Canto e Castro), qual Herodes, senhor sobre a miséria da cidade, abre a mão da sua “filha”, e por entre danças e sorrisos, Samuel orienta afinal o seu destino em torno de um grande astro silencioso (a delicada Fabienne Babe). Champagne na boate seguido de chouriço assado na tasca. Zumba na caneca e um slow de Veloso, o Santo António é noite de cantigas da rua, de namoro e alegria. Lisboa é “de toda a gente” e, livre e colorida, “não é de ninguém”. A rêverie conduzir-nos-à a S. Paulo, onde a Pensão 25 de Abril será o palco da noite de sexo mais inocente e terna da história do cinema.
Um entitulado “esboço de filme”, O Último Mergulho, obra em bruto e (quase) “artesanal”, um objecto descosido e experimental, sensível e sonhador. Uma obra onde “la vie elle-même, la nature divine elle-même, qui ne peut être inscrite en aucun livre, trouvera place dans le coeur de la communauté” (palavras de Hölderlin lidas miraculosamente, em off e em francês, por Babe). O mercado da Ribeira ainda lavado do turismo em massa, fachadas sujas e comércio popular, e uma rua (a)moralmente rosa que segue animada o curso do Tejo (num travelling de decadência tirado a Straub). Um cinema directo, pós-vérité, que confronta o real com o espiritual. Um filme de amor a rostos e pessoas, a uma cidade nua, que hoje não existe mais. E o mais frontal retrato das apaixonantes contradições, do espírito e amargura de César Monteiro. Com urgência, mas sempre em distração, uma obra que escolhe a vida com os olhos postos corajosamente no sol.
Num longo e sonhado interlúdio à divagação central do filme, Esperança será Salomé duplicada, muda e sem música. E, pela sua enigmática e sedutora dança, lembrará fatalmente Samuel do seu intento último da véspera. Um manjerico de despedida, um esforçado “amo-te” em sussurro. O inaugural mergulho será enfim, longe do Tejo, num insondável mar de flores, num esplendoroso mar de luz. Hyperion e a sua Diotima, farão face ao mais luminoso sol, pelos inesquecíveis girassóis de Monteiro. Um filme grande e generoso. Sonhos desfeitos e desesperança, ou uma vontade maior de viver.
– Se eu me atirasse, vinha-me buscar ?
– Com todo o respeito, não. Seguia-te.