Dossier Hayao Miyazaki, Vol. XI – The Wind Rises: O Canto do Cisne

“O Vento levanta-se, temos de tentar viver.”

Assim começa The Wind Rises, penúltima obra do mestre de animação Hayao Miyazaki. O verso, retirado de um poema do francês Paul Valéry, serve de mote para o filme menos fantástico (ou mais realista) do realizador japonês. O filme conta a história de Jiro Horikoshi, engenheiro aeronáutico cujo sonho de criança é desenhar o avião mais elegante e simples possível. No entanto, este sonho vai sendo gradualmente corrompido à medida que este começa a usar as suas capacidades para desenhar aviões militares, nomeadamente o mítico avião japonês Zero.

O filme alterna entre a realidade e o mundo onírico onde Jiro conhece o excêntrico engenheiro Giovanni Caproni, figura que irá guiar a carreira do jovem prodígio e partilhar algumas das suas dúvidas referentes à utilização destes aviões. Numa das cenas mais marcantes de The Wind Rises, Caproni diz a Jiro que prefere viver num mundo com pirâmides, apesar de todo o sofrimento que a sua construção causou. Se os sonhos são um lugar de criação, mas também de angústia (Jiro sonha com a destruição trazida pelos objetos que mais admira), a realidade não é muito diferente. A história de amor vivida entre o protagonista e Naoko, que sofre de tuberculose, intratável à época, dá lugar a tragédia quando a obsessão com o trabalho o leva a não conseguir acompanhar e dedicar-se totalmente à esposa na fase final da doença.

Apesar de não ter elementos de fantasia como tantas das suas outras obras primas (A Viagem de Chihiro, A Princesa Mononoke) não é por isso que o filme é menos espetacular. Acompanhado por uma das melhores bandas sonoras de Joe Hisaishi, a animação é, como sempre, imaculada. Ficam na memória, por exemplo, os designs exuberantes dos aviões e a forma como decide animar o terramoto que assolou Tóquio em 1923.

Tal como é dito no filme, o sonho de construir aviões é um sonho amaldiçoado, destinado a cair nas mãos erradas e usado pelos motivos mais horrendos. Apesar de não ser o último filme de Miyazaki, The Wind Rises é o seu filme mais pessoal, uma tentativa vã de conciliar o processo criativo, que muitas vezes leva à alienação e ao distanciamento daqueles que nos são mais queridos, com o facto de que os frutos deste mesmo processo podem vir a ser deturpados e mal interpretados. Tendo em conta que, quase uma década depois, Hayao Miyazaki regressa com um novo filme resta-nos concluir que, para o génio japonês, criar é uma obrigação, e só podemos tentar viver.

Francisco Sousa