Dossier Hayao Miyazaki, Vol. VI – Porco Rosso: Melhor Porco Que Fascista

Por algum motivo difícil de discernir Porco Rosso, a sexta longa-metragem do realizador japonês Hayao Miyazaki, é considerado um filme menor na totalidade da obra do cineasta. Talvez pela narrativa menos fechada e redonda que difere de outros filmes do autor. Ou por nunca ser resolvido o feitiço que transformou em porco a cabeça do protagonista, nem explicado detalhadamente o motivo do mesmo ter sucedido. Talvez pela tensão sexual inferida entre Porco e Fia (17 anos) poder ferir suscetibilidades, e Deus nos livre de ter filmes que coloquem em causa a inquebrantável moralidade vigente, ainda para mais tratando-se de um filme de animação.

Mas a verdade é que Porco é um dos protagonistas mais interessantes do realizador japonês. Retirado diretamente de um western de Howard Hawks, Porco é um caçador de recompensas, um verdadeiro outlaw que vive à margem da lei e em isolamento auto-infligido, carregando nos ombros o peso de um passado ligado à aviação militar e que lhe valeu a perda de um amigo próximo, que testemunhou durante uma batalha aérea na I Guerra Mundial.

Alheando-se do meio militar, motivo pelo qual é procurado em Itália, Porco posiciona-se categoricamente contra a guerra e nacionalismos radicais. Apesar da narrativa não corresponder plenamente  à realidade histórica, encontramo-nos em 1929, em pleno período fascista italiano. É neste contexto que Porco se encontra clandestinamente com um militar italiano, antigo camarada de armas, e profere a icónica e paradigmática expressão: “melhor um porco que um fascista”.

Em termos meramente formais Porco Rosso apresenta algumas das sequências mais sublimes da obra de Miyazaki. O que dizer dos carregados tons de azul do mar e do céu, pontuados pelas nuvens e cruzados pelo berrante vermelho do avião de Porco. Ou os combates aéreos filmados/desenhados com uma precisão imaculada, conjugando magistralmente a beleza poética e a violência de cada corte e disparo de metralhadora.

E tudo isto com um tom leve e goofy quanto baste que camufla a profundidade e complexidade do que está em causa, perfeitamente adequado, como toda a obra de Miyazaki, ao público de todas as idades. A riqueza de Porco Rosso nasce da conjugação de todos estes elementos, da ambiguidade moral do protagonista, dos desenlaces narrativos irresolvidos e, fundamentalmente, da profunda crença de Miyazaki na fantasia e na imaginação que lhe permitem criar imagens absolutamente inolvidáveis.

Bruno Victorino