Revi o Blade Runner 2049 para este texto, portanto, a primeira vez desde que o vi em cinema em Portugal – seria por volta de Outubro de 2017, há seis anos. Na altura tinha ficado impressionado em particular com duas sequências, a cena de amor a “quatro mãos”, com o holograma e a rapariga real e o episódio de luta entre Gosling e Ford no meio dos hologramas avariados de Elvis e das dançarinas num casino abandonado. A primeira não me voltou a impressionar, sendo muito mais diminuta, rígida e ineficaz do que recordava, pouco distinguível das restantes cenas de argumento muito directo no filme, e atribuo o meu elogio original talvez à minha idade. A segunda mostrou-me mais uma vez um desenho de som e de “ambiente” acima da maioria, concretizando-se como um dos momentos mais interessantes de BR2049 (o grande feito da cena não é só os hologramas musicais mas a adição destes ao silêncio que se impõe assim que eles perdem energia. Sem mais nenhum ruído, ficamos o ouvir o click, click, click de aparelhos de luz a tentarem reiniciar, enquanto os dois protagonistas estão à escuta um do outro no auditório – para serem depois interrompidos por alguns segundos de Presley ou de Monroe) mas que infelizmente também não se demora por aqui, num apetite voraz por mais “guião” que é uma autêntica bola-e-corrente no tornozelo do filme.
É nesse aspecto elogioso que Blade Runner 2049 é notável, na minha opinião a sua única verdadeira qualidade, e não é de somenos: é um moodboard forte, apetecível ao olhar e ao ouvido e que prende a atenção, sem dúvida, com uma direcção de arte irrepreensível e trabalho CGI muito elegante, com uma direcção de som igualmente muito forte e uma banda sonora competente. Infelizmente, não sustém um argumento que é fantasmagórico no melhor dos sentidos, em corrida para a sua próxima “cena significante” (um qualquer personagem irá mexer num cavalinho de madeira, objecto Importante na história, perto de dez vezes) e derradeiramente um pouco simplista de mais: houve um milagre, há uma criança, a criança é um milagre, onde está a criança, e patinamos por aqui, com poucas intromissões (talvez Gosling seja essa criança, mas afinal não, Gosling sente-se sozinho, a sua assistente digital não é real, mas é real para ele, mas em última análise não é… o filme anda por estas voltas repetidamente, e a emoção que causa no espectador, fruto do pacote de talento técnico, é rasa e de pouca dura).
O filme tem relativamente poucos diálogos, o que não é um defeito, pelo contrário. Mas naqueles que lá estão, e para um filme tão desejoso de aura, acabamos por encontrar muito menos (seja no Jared Leto de duas cenas, no seu killbot assassino, num Lennie James incaracterístico) do que nos momentos do original de Ridley Scott que 2049 insiste em citar directamente, como a cena da coruja, imediatamente mais rica e sensível do que qualquer momento no filme de Villeneuve. 2049 foi assim um primeiro “olho negro” na filmografia do realizador canadiano (não vi Dune), pois após um Prisoners perfeitamente competente, um Sicario interessante, com vários elementos de visão de autor vagamente memoráveis e um Arrival aproveitável, este filme, um negócio e pêras (e bem, para Denis), sente-se em esforço por encontrar uma razão de ser para si mesmo. Gosling é soturno, calmo e calado, um conjunto de características que nesta altura da sua carreira o definiam perto da paródia, sem por isso incorrer em qualquer desprimor, Harrison Ford tem uma filha e é convocado a suster a trama inteira de uma sequela tirada a ferros. Mas porque estamos aqui? Para ver a fotografia, o trabalho sonoro, e os óptimos cenários, adereços e figurinos, mas não para muito mais.