Foi com Prisoners que Denis Villeneuve se começou a aventurar nos Estados Unidos, mas foi com Sicario que o realizador fez carta de amor a esse Mundo, ao thriller de fronteira México/Estados Unidos, e ao cinema de acção de uma forma geral. Não são abundantes os thrillers de acção que se pautam pela calma, sobriedade e incisão das cenas que pretendem mostrar. “Sicario”, aperfeiçoado como um relógio suíço, é um daqueles raros filmes que conseguem extrair tensão de situações tradicionalmente apresentadas em cinema como “normais” para um filme de acção, mas aqui o realismo e o respeito pela personagem e o movimento é tanto que quase parece que estamos a ser alvo de uma purificação espiritual em contraposição ao que habitualmente nos servem nos filmes do género (com pipocas ao lado).
A realização de Villeneuve, clínica e formalmente adequada, consegue capturar imagens notáveis que transformam o thriller de acção em algo visualmente apelativo, já com alguns “shots” que viriam a ser imagem de marca do realizador e que voltaríamos a ver em Dune (curioso o encontro desértico entre os dois filmes). Já o som, forte e imponente, majestoso, carrega em Sicario um adorno fatalista e negro, que absorve a imagem.
Bastam algumas cenas para o realizador conseguir extrair actuações de mão cheia entregues ao espectador enquanto observador da narrativa e de tudo o que ela implica. Assim está também a personagem de Emily Blunt, metáfora para o espectador dentro do próprio filme, mas que nem por estar dentro dele chegará a perceber afinal “como é que as coisas funcionam na realidade”. Será talvez esse, além da forma visual e sonora, o ponto mais forte do filme, essa lógica de “Mundo dos adultos”, das teias e hierarquias de poder, do conhecimento do sistema por dentro. Blunt conhece a superfície e pensa que sabe o que se passa. Foi essa a ideia que lhe passaram. Já Benicio Del Toro e Josh Brolin são os “adultos”, os manda chuvas que lidam com “a estagiária” utilizando uma linguagem simples mas aparentemente inclusiva, ao mesmo tempo que a deixam às escuras em relação à coluna vertebral dos acontecimentos.
Sobrevoando tudo isto temos essa comunicação Estados Unidos/México, reciclando e modernizando essa temática tão filmada que é o combate ao narcotráfico. O filme mostra-nos claro a perspectiva americana, mas é no silêncio de Sicario que Villeneuve demonstra os meandros desse tipo de operações. A cena final, que dá holofote a Del Toro, como se de um epílogo pós personagem principal se tratasse, encerra o filme com chave de ouro: um frente a frente de armas desiguais, impiedoso, objectivo.