Dossier Denis Villeneuve, Vol. I – Polytechnique

 “Everyone sees what you appear to be, few experience what you really are.”
― Niccolo Machiavelli, The Prince

Em Polytechnique, Denis Villeneuve retrata a dramatização do Massacre na Escola Politécnica de Montreal (Quebec), a 6 de Dezembro de 1989, onde 14 estudantes do curso de engenharia mecânica foram assassinadas por um colega cujo nome nunca é pronunciado. Na verdade, sabemos que este homem se chamava Marc Lépine e que representa, nesta obra, a instabilidade, a misoginia e o sexismo.

De facto o realizador nunca mostra a morte, apenas os seus preparativos. A violência extrema, a crueldade dos actos, a indiferença, o sangue e o medo contrastam com o modo poético com que são retratados os eventos. Através de uma contemplação calma e passiva dos acontecimentos, Villeneuve filma o campus horror de Polytechnique de uma forma curta mas afiada, causando enorme impacto e distúrbio na audiência. Não sendo classificado como um filme de género, Polytechnique é o terror e horror em filme.

   

Tratando-se de uma não ficção, e dado o peso da tragédia na vida real dos envolvidos, dos sobreviventes e dos seus familiares, Polytechnique pretende repensar o trauma, recorrendo a elementos melodramáticos, mas também à catarse. Por outro lado, a narrativa, à medida que se desenrola, vai-se revestindo de repugnância, ódio e repulsa mas, sobretudo, da imposição da morte sobre a inocência. A inevitabilidade de prosseguir na vida depois de se ser vítima num evento de escala psicológica desta dimensão, é outro dos focos do realizador. Por isto, é impossível analisar esta obra somente do prisma documental. O extremismo e o realismo das cenas é tão árduo e fiel a uma realidade que não queremos imaginar, mas que certamente terá feito muito espectadores questionar se filmes como este não incitarão mais gente a cometer estes actos megalómanos ou se terão o poder de amenizar movimentos deste calibre.

Simultaneamente, a perspectiva a preto e branco dos eventos só os intensifica, apesar da forma lenta e compassada com que Villeneuve filma. Aqui, o sofrimento feminino e as micro-agressões diárias de ser mulher são analisados segundo a perspectiva de dois homens, a do assassino e a do realizador. De facto, é difícil revisitar este filme pela forma cruel e insignificante com que a mulher é vista e tida pelo atirador. Em Polytechnique foram assassinadas 14 mulheres devido à ameaça que estas representavam para o futuro laboral do criminoso, acreditamos nós, o que tem deveras implicações nas problemáticas da masculinidade tóxica, da intolerância e da discriminação, questões prementes da contemporaneidade. Quer isto dizer que a justificação banal e oca do crime passa por estas mesmas mulheres virem um dia a ser Engenheiras, uma profissão que, segundo Marc Lépine, não deveria ser exercida por mulheres.

Ainda assim, em Polytechnique está sempre patente um equilíbrio e um balanço de cenas que parecem ser equitativamente distribuídas entre atirador e vítimas. A tensão e a expectativa criam-se mais pelas indefinidas motivações do assassino e da sua linguagem corporal, do que pela plena consciência relativamente àquilo que ele arquitecta. Aqui as emoções não precisam de legendas. A cinematografia de Villeneuve tanto expõe como explora as personagens e as suas emoções, sendo as performances hiper-realistas. Com efeito, a intensidade e profundidade do tema tornam esta obra num estilo cinematográfico muito próprio, no qual a utilização de close-ups e de uma luz dramática imperam, sem ser necessário recorrer ao detalhe mais cruel, o de matar. Vê-se o pré e pós-morte mas nunca o morrer em si.

Por outro lado, Polytechnique é um filme bastante geométrico e matemático. Filmado a preto e branco, este pretende honrar as vítimas sem negar ou querer olvidar as atrocidades a que foram submetidas. Se tivesse sido filmado a cores, poderia cair no sensacionalismo, mas o preto e branco oferece algum distanciamento e respeito pelos eventos que tornaram esta obra inegavelmente controversa e com cunho exploitation. Efectivamente, os impulsos do atirador são parcamente mencionados, nunca merecendo destaque no filme, o que cria uma situação de inexistência de contexto. Não sendo nunca o atirador a personagem principal, aliás, o seu nome nunca chega a ser mencionado. Muito menos as motivações extremas e pouco claras que o levaram a cometer este acto. De outra forma, é possível afirmar que este filme não é o retrato de um assassino, é o reportar das consequências das suas acções e das implicações sociais e psicológicas nas vítimas, mas também na sociedade.

Finalizando, Polytechnique não é um filme de heróis. É um filme sobre a culpa mas é também um pedido de desculpa ao vários adolescentes que foram vítimas deste massacre e a todos aqueles que foram culpados de não ter sabido actuar ou amenizar a tragédia. O estilo de realização mais contemplativo é a forma de Denis Villeneuve nos fazer reflectir sobre a indefinição da vida e o desconhecimento e incerteza relativamente a um futuro que tendencialmente se dá como adquirido.

Rita Cadima de Oliveira