Dead of Night (1974), de Bob Clark: Terror e Guerra

Laura MendesMarço 18, 2025

O legado dos zombies, vampiros, serial killers e tantos outros vultos do cinema de terror é de tão vasta influência e de tão repetido emprego que, muitas das vezes, a originalidade esperada de novos enredos e configurações visuais e conceptuais deixa muito a desejar. Bob Clark, em Dead of Night (ou Deathdream, título alternativo), envolve-nos, tal como prenuncia o título, nessa teia de morte e noite presente em inúmeros trabalhos deste género cinematográfico conjugando-a, contudo, não só com a criação de uma personagem que encerra em si todas as figuras tenebrosas acima enumeradas – Andy, o protagonista, uma espécie de meta-Frankenstein –, mas também com uma conceção de tragédia, que prima pela sua especificidade e seriedade, alicerçada na guerra e nas suas repercussões.

Inicia com a conglomeração de todos os signos para provocar em nós a sensação de temor adequada ao tema que está a ser tratado – a escuridão, os tiros e bombardeamentos, o cair de corpos, os recorrentes sussurros sepulcrais que vamos escutando – até se estabelecer a predominância do espectral, cujo representante por excelência é Andy. O lar, local primordial neste filme, é desenhado para refutar a propensão para a tranquilidade e para o calor reconfortante. É neste espaço que têm lugar constantes imposições e alívios de tensão vinculados aos diálogos e interações da família, permitindo que adivinhemos, a partir deste retrato íntimo e desolador, que o pior virá.

O regresso de Andy à sua própria casa, enigmaticamente, como se de um intruso se tratasse, é uma aparição contraditória – o medo funde-se com a credulidade otimista – e nunca deixa de sugerir que esta presença não é sinónimo de um retorno restabelecedor. De igual modo, o primeiro jantar da família há pouco reunida não é um quadro de ternura e saudade, mas um de completo desassossego – o momento em que os risos de toda a gente presente à mesa são transformados numa entidade coletiva malévola (através, claro, de um crítico trabalho de câmara) esconde atrás de si pavores imensos, sendo o primeiro reflexo do desmoronar desta família.

Outras figuras vão emergindo – o carteiro, o grupo de crianças vizinhas – representando uma sociedade que não sabe de que forma agir perante um soldado retornado, recebê-lo, nem sequer promover a sua reintegração. Este apontamento é também direcionado ao problema geracional – a diferença de perspetivas entre faixas etárias que viveram o trauma da Segunda Guerra Mundial, mas que tendem a compactuar ou mesmo aceitar estas formas de violência, e aquelas que o viveram na Guerra do Vietname, e que começam a questionar a obsolescência e a desumanidade destas práticas.

As figuras da mãe e do pai são relevantes na medida em que funcionam – ainda que estereotipicamente – como contraponto de abordagens perante um filho cujo colapso é explícito. A mãe, pietà consternada, permanece ao seu lado a todo o custo, age conforme a emoção e o amor que por ele nutre. O pai, por outro lado, personifica a razão, a distância e a frieza necessárias para a resolução dos conflitos e, por isso, afirma-se como superior – ainda que tudo isto seja abalado no momento em que aponta uma arma ao filho moribundo e, logo depois, a deixa cair, sem forças. A violência perpetuada nos lares – indissociável da capacidade que a guerra tem de invadir, também, o espaço doméstico – é exercida por e sobre todos, especialmente sobre aqueles que, alienados, são compelidos a atuar perfeitamente, tanto privada como publicamente.

A entrada do médico em cena e a sua relação com Andy permitem que se dê a derradeira libertação deste último: “I died for you, Doc. Why shouldn’t you return the favor?” – um grito poderoso que coloca em causa a divinização e glorificação dos soldados, assim como o estatuto que detêm no meio social. O tom carnavalesco desta cena é atestado com a troca de papéis entre o médico, figura de autoridade, inatingível, irrepudiável, que agora se vê ameaçado, e Andy, aqui tido como criminoso em fuga, cujo poder se torna total e fatal.

Os momentos finais do filme compõem o expoente máximo do desespero. O corpo progressivamente mais pútrido de Andy – o body horror utilizado está harmonizado com o sentido do filme, ainda que seja explorado tardia e esporadicamente – é conduzido (ou ele próprio se conduz) até ao caminho do destino incontrariável. O tom de pesadelo relaciona-se com a circularidade desta história: um homem que, antes de morrer definitivamente – sendo que a morte tem significado em vários estratos – e ser esquecido, tem ainda de ter uma outra oportunidade de pseudo-vida para efetivar as consequências da guerra.

Laura Mendes