Sequelas, remakes e reboots. Hollywood parece não conseguir parar a reciclagem interminável do seu legado, mais ou menos próximo. Wolf Man, de Leigh Whannell (o realizador do auspicioso The Invisible Man, de 2020), relança a série de filmes da Universal com o mesmo nome, iniciada nos anos 40. Neste caso, Blake Lovell (Christopher Abbott, num papel inicialmente destinado a Ryan Gosling) tenta proteger a sua mulher e a sua filha de um lobisomem, acabando por ficar infectado e, lentamente, se transformar na criatura. Rita Cadima de Oliveira e David Bernardino foram ver o filme e não ficaram convencidos.
Haja variedade e subversão na busca tão infrutífera quanto infinita de tentar renascer os monstros do cinema clássico na contemporaneidade, mas é muito curioso não haver uma única referência lunar num filme que tem como título o termo “lobisomem”. Parece-me que podemos começar por aqui. Wolf Man só impressiona pelo seu conceito subdesenvolvido. É um filme de tal forma rabiscado, no qual se nota uma ausência intensa de revisão conceptual, não tendo um argumento minimamente coerente para que os seus elos temáticos consigam criar ligações, tornando-se desencaixado desde o início. Para além do ritmo fraco, a fotografia nocturna foi trabalhada para esconder o design inestético e feroz das criaturas monstruosas, elevando os momentos vazios a situações de desconforto e descrédito. Das cenas mais contemplativas, que forçam uma reflexão espiritual e uma apaziguação com as emoções, às cenas de temor e desassossego, tudo vai parecendo cada vez mais descredibilizado e artificial. Julia Garner e Christopher Abbott, dois actores subestimados da actualidade, não parecem conectar-se neste parque temático, desperdiçando aqui o seu talento, mas também alguma da sua dignidade. Leigh Whannell acaba por não explorar nenhum tema, mesmo que todos estejam servidos numa bandeira de prata, mesmo à frente dos nossos olhos. O realizador australiano prefere ser previsível a enveredar por fórmulas que traduzam diversas características fulcrais das personagens da linguagem deste subgénero, tais como o existencialismo clássico, a pulsão mortífera e a figura paterna com cólera ou traumas geracionais, mas o desleixo é tal que todas estas luzes são completamente ignoradas.
Rita Cadima de Oliveira
Leigh Whannell está em estado de graça. Depois do original sci-fi série B Upgrade e da sua versão de Invisible Man, considerado por muitos um dos grandes filmes do terror moderno, sabemos que estamos perante um realizador consciente das suas capacidades, dir-se-ia quase um autor no cinema de género. Em Wolf Man parece que algo está a falhar. O início promissor, singular, com mão de artesão, dá lugar a um enredo que, embora incrivelmente previsível, se desenvolve com agradável fluidez graças não só aos elementos autorais do realizador, mas também à habitual performance de Christopher Abbott no cinema género (um peixe na água). Visualmente, a busca por efeitos especiais práticos merece elogio. Desde o acidente de carro até à maquilhagem da criatura que aterroriza a família perdida na infinita floresta do Oregon, há uma certa inocência que pode ser apreciada, especialmente ao testemunharmos a transformação de uma das personagens, sequencial e ao longo da única noite na qual decorre a acção, do seu próprio ponto de vista e de terceiros (as referências a clássicos do horror são inúmeras, de The Fly a Jurassic Park, passando por The Shining). Essa metamorfose, especialmente cuidada, será o ponto de maior interesse de Wolf Man. Tudo parece bem encaminhado, mas o filme acaba por ser vítima das suas próprias circunstâncias: num mundo de criaturas, vampiros e zombies, e um cinema de terror com mais consumidores do que nunca, um lobisomem possivelmente já não é tão interessante nos dias de hoje, se é que alguma vez o foi. A ausência de ilusão voyeurista, ou intriga, por parte da recepção do espectador compromete completamente a intenção de Whannell de reavivar no cinema esta personagem mítica, depois de ter feito o mesmo com o Homem Invisível. O desenlance derivativo ocupa a tela e o resultado é, quase inevitavelmente, trágico, lembrando-nos que o inspirado e engenhoso realizador de The Invisible Man e Upgrade também fez um filme terrível chamado Insidious 3 em 2015. As interpretações sofríveis de Julia Garner e Matilda Firth, em completa assincronia com Christopher Abbot, também não ajudam. Wolf Man não consegue manter o seu ímpeto de originalidade no terceiro ato, e o facto de não decidir se quer ser um drama familiar ou um filme de terror série B também não ajuda. Dito isto, é ainda assim muito melhor do que a maioria dos filmes de terror recentes.
David Bernardino