Críticas a Volveréis, de Jonás Trueba

EquipaFevereiro 14, 2025

Um cinema que se foca “no íntimo e nas pequenas coisas do quotidiano”, que tanto nos relembra Rohmer, como as velhas comédias românticas, de Cukor ou Lubitsch. No seguimento da retrospectiva da obra de Jonás Trueba no último Leffest – onde também fez parte do júri – estreia enfim Volveréis (“Voltareis”), a sua mais recente longa-metragem. Dois tribunos foram vê-la e recomendam.

 

Um casal madrileno de classe média e média idade – Ale e Alex – decide colocar termo à relação de 14 anos assinalando a efeméride através de uma festa. O realizador Jonás Trueba faz-se valer das potencialidades narrativas deste ponto de partida para experimentar uma série de variações dramáticas proporcionadas pelas diferentes reações dos familiares e amigos à intrigante notícia, sendo que a densidade dos personagens é construída pelo acumular de repetições que as circunstâncias vão propiciando (Hong Sang-soo é inspiração clara). Ale encontra-se a montar um filme realizado por si durante o desenrolar da história de Volveréis e a fronteira entre a ficção dentro da ficção e o próprio filme vai-se progressivamente esbatendo. Esta dimensão meta da narrativa garante alguns dos momentos mais marcantes de Volveréis, ainda que resvale por vezes em algum excesso de auto-reflexão. Através de uma abordagem rohmeriana, Trueba explora as nuances e tensões do casal, fazendo um uso prodigioso da encenação do dia-a-dia no apartamento onde ainda vivem e onde decorre grande parte da ação. Volveréis é um filme leve e divertido, atento aos pequenos detalhes do quotidiano, que traça um sensível retrato das capacidades de reinvenção do amor por intermédio da repetição.

Bruno Victorino

 

Nos vamos a separar. Pero estamos bien.

É o que nos repetem Ale e Alex vezes sem conta. Não sabemos bem porquê, mas é essa a decisão do casal. E nesta separação, que tantas vezes vemos anunciada pelo filme (mas eles estão bem), é com uma grande festa de “desboda”, entre amigos, que pretendem despedir-se. A ideia teria vindo do pai de Ale (protagonizado pelo pai de Trueba, origem “real” desta brincadeira), mas o próprio estranha a decisão – “pero creo que volveréis” –, como a estranham, mais ou menos, quase todos os amigos do casal. Por isso ambos se repetem, mais uma vez, e lá tentamos encontrar uma nova maneira de desenhar aquele quadro. Talvez invertendo a imagem para poder, enfim, apreciá-la fora do seu contexto sentimental? Volveréis é um filme feito de cinema “entre cinéfilos”. Aqui curam-se desamores com a ajuda dos clássicos. Seja pela mão de Kierkegaard, que nos lembra que “o amor repetição é, na verdade, o único feliz, por não sofrer, como a memória, da ansiedade da esperança, nem do fascínio angustiante da descoberta, nem da melancolia da recordação“. Seja então pela necessária comédia romântica clássica, de Hollywood, com leitura de Stanley Cavell. Um filme em círculos, sempre a voltar ao mesmo ponto… ou em linha recta? É o que nos perguntamos, também, quanto àquele filme de Ale, que repete, “en abyme“, o próprio filme de Trueba. Mas Volveréis é, mais provavelmente, um pouco dos dois – um movimento circular que descreve, afinal, uma necessária linha recta. Para a frente, mas ao contrário, aprender a repetir – um modelo, um gesto, um sentimento. Porque o amor, como o cinema, só pode (saber) avançar pela repetição. E enfim, num filme que nunca se leva demasiado a sério, também um sensível e divertido retrato de Madrid em Setembro, mês de chuvas fortes em dias quentes e soalheiros, dias em que se celebram desbodas, no jardim, de pijama de seda.

¿Por qué no me besas?

Miguel Allen