Críticas a The Brutalist, de Brady Corbet

EquipaFevereiro 4, 2025

The Brutalist, um dos “filmes-evento” do ano. Um épico, monumental e megalómano, pelas mãos de Brady Corbet (Vox Lux, The Childhood of a Leader). Filmado num glorioso VistaVision (por Lol Crawley) e ostensivamente distribuído em película de 70mm, o filme recebeu o Leão de Prata (Melhor Realização) na Mostra de Veneza (após uma primeira projeção triunfal com direito a uma ovação de 13 minutos), ganhou o prémio de Melhor Filme – Drama nos Globos de Ouro, e está nomeado para 10 Óscares. Após a crítica negativa de Hugo Dinis, três outros tribunos expressam a sua opinião sobre o filme.

László Tóth, judeu nascido na Hungria, separado da sua mulher e sobrinha órfã durante a 2ª Guerra Mundial, emigra para os Estados Unidos. Arquiteto formado na Bauhaus, László fica em Filadélfia com o seu primo Attila, e Audrey, sua esposa católica, que o empregam na sua loja de móveis.

 

A presença do passado. The Brutalist é um filme tão grandioso e focado em tantos temas interessantes. Desde as dificuldades que os imigrantes enfrentam, os efeitos perenes da guerra, os perigos latentes na generosidade dos ricos, a forma como os artistas se imprimem nas suas próprias obras… Visualmente, o filme é deslumbrante, da fotografia aos décors – e há que ter em conta que o orçamento foi de 10 milhões de dólares, mas parece que estamos a assistir a uma mega-produção de 200 milhões. The Brutalist relembra o recente Tár, de Todd Field, na medida em que ambos são retratos de um personagem de tal forma detalhados que nos fazem questionar “será esta pessoa real?” Adrien Brody é excelente na sua interpretação deste homem feito e desfeito. É curioso notar que dois dos favoritos ao Óscar de Melhor Filme (The Brutalist e Anora) são ambos filmes sobre o sonho americano e a sua derradeira inviabilidade.

Pedro Barriga

 

Brady Corbet arrisca algum pretensiosismo na forma como transforma um filme numa obra de design e estética, num canvas repleto de layers, de tonalidades emotivas e de uma variada, mas coesa, gama cromática. A linha narrativa, apesar de cronológica, vai sendo progressivamente injectada de harmoniosos desvios que fundem arte e indústria. Corbet ensaia uma nova versão do filme O Pianista, desta vez com um Adrien Body mais refinado no papel de arquitecto vanguardista da geração Bauhaus, László Tóth. Tóth representa o intuito de grande parte da diáspora judaica do pós-guerra: fugir do trauma europeu para a promessa de liberdade da América, onde seria possível reconstruir a vida, os sonhos, o trabalho e os casamentos saqueados durante uma guerra sem paralelo. The Brutalist, tal como a linha de arquitectura característica do modernismo alemão, é um filme sóbrio, racional, funcional e radicalmente simplificado. László é a personificação do fim do expressionismo emocional e a transição para a prática da objectividade, principalmente quando conhece e se sujeita aos devaneios do rico e proeminente mecenas industrial Harrison Lee Van Buren. Numa Pensilvânia de oportunidades e derrotas, de remédios e de drogas, sozinho num país tão novo quanto estranho, Tóth é reconhecido pelo seu talento e legado mas também pelo seu poder de autodestruição. Apesar de ser exímio no trabalho que arquitecta, László vive despojado de dignidade, sendo o resultado físico da guerra, materializado pela indisciplina e pelas lesões psicológicas. A construção da identidade pessoal de Tóth faz-se representar activamente na arte que cria, na forma delicada, mas cruel, como a sua obra é vítima das suas maleitas, mas também o resultado da superação dos muitos desafios que enfrentou. É numa complexa jornada de dor e perseverança que este épico sobre a profundidade do trauma e da subserviência nos incita a reflectir sobre o ressurgimento de uma atmosfera beligerante e de desconfiança na contemporaneidade, reflectido no despertar de novas guerras à escala internacional.

Rita Cadima de Oliveira

 

O nome Brutalist assenta bem ao que é o novo filme de Brady Corbet: um portento titânico de narrativa e imagem, um épico ao estilo de There Will Be Blood com a candura d’O Pianista, de Polanski, curiosamente protagonizado também por Adrien Brody. A velha história do emigrante europeu, neste caso pós 2ª guerra mundial, carregado de trauma, em busca do sonho americano. Ao longo dos anos, a humildade dará lugar ao risco e à (nunca unidimensional) ambição. László Tóth, o arquitecto protagonista, judeu húngaro, não é nenhum magnata ambicioso que triunfa na vida, como tantas vezes vemos representados nas epopeias do american dream, mas antes um homem que se move a três velocidades: a sua visão artística, a esperança de melhores dias para a sua família, e as rasteiras e pecados da sua própria mundaneidade. Além desse estudo de personagem, nos ombros do protagonista existe o outro lado do binómio, o seu némesis, Guy Pearce, esse sim o magnata americano que revolve a vida de Tóth, a seu bel prazer, explorando as fragilidades do arquitecto. A luta perante a visão do artista e a do seu cliente/patrão será a grande problemática central de The Brutalist, à medida que o imponente projecto desenhado por Toth se vai “construindo”. É demonstrada através das dinâmicas de poder, dinâmicas sociais e económicas, dinâmicas sexuais. Enfim, todos os ingredientes necessários para um drama épico de 3h35, com direito a intermission de 15 minutos e tudo (os famosos intervalos de filmes épicos longos, tais como 2001: Odisseia no Espaço e Lawrence da Arábia, que muito francamente deveriam mesmo regressar de uma vez)! The Brutalist faz tudo bem, sem dúvida, oferecendo imagens poderosas e cenas de catarse, como se quer, mas parece que existe algo de excessivamente pensado na forma como Brady Corbet constrói o seu épico, minuciosamente trabalhado cena após cena, seguindo a sua lógica hermética do ponto A ao ponto B. Talvez isso impeça o filme de brilhar em todo o seu esplendor, pedindo-se algum sentido de improviso, de mudança de tom, que dê uma identidade verdadeiramente única a The Brutalist. A interpretação de Felicity Jones, e outros, também não ajuda: dolorosamente teatral e com vícios de um certo “cinema histórico/biográfico” aborrecido que lhe retira autenticidade. Talvez o filme de Corbet seja o novo There Will be Blood, 17 anos depois, mas provavelmente nunca será mais que isso: a sombra de uma obra maior.

David Bernardino