Críticas a Terra Queimada, de Thomas Arslan

EquipaSetembro 6, 2024

Thomas Arslan regressa à personagem do ladrão profissional Trojan que havia apresentado em 2010 com In the Shadows, regressando igualmente a Berlim neste Terra Queimada (Scorched Earth) e ao submundo do crime, ausente de adornos e parco em emoções à flor da pele. O filme conquistou a crítica de portuguesa quase por unanimidade. Rita Cadima de Oliveira e David Bernardino também foram ver e escrevem as suas críticas:

Sinopse: Trojan, criminoso profissional, regressa a Berlim em busca de um novo trabalho, após um golpe falhado. Apesar das desconfianças, ele não pode recusar a lucrativa proposta de um roubo de quadros de um museu. Mas a acção, meticulosamente planeada, depressa corre mal e tudo se torna uma questão de sobrevivência.

 

A noite, sempre a noite, e o seu lado escuro, pesado e sombrio, trazem de volta Trojan, o profissional do crime predilecto de Thomas Arslan. Terra Queimada é um slowburn mais maduro e apurado do que o seu antecessor, Nas Sombras. O regresso a Berlim é a continuidade da inquietante rede criminosa, num “emprego” agora mais artístico e meticuloso: o roubo de um quadro valioso. A tensão e a ansiedade resultantes da narrativa, conduzida por becos e pelo breu da noite, numa versão sombria alemã, concedem-nos um filme mais sóbrio e sem embelezamentos, tão silencioso quanto mortal, naquele que é um cinema anti estilo que homenageia uma cidade áspera, crua e sem floreados. Sem excessos e saturações, mas com mais detalhes narrativos, é também um filme fórmula, com uma estrutura mais evidente e logicamente previsível. A filosofia estética do herói é redutora, dando mais espaço a Trojan como representante dos homens convencionais e desprovidos de senso digital, neste mundo moderno e apinhado de fetiches tecnológicos. Desta equação não faz parte a tecnologia mas sim a afirmação da humanidade apesar da identidade criminosa de Trojan. Uma vez mais, o incessante planeamento torna-se incontrolável e o relógio tem pouco espaço para os ponteiros da sobrevivência. Golpes falhados e um roubo que motiva uma oferta lucrativa andam de mãos dadas com a ética e a honra, neste filme mais longo e sedutor do que o seu predecessor. Muito mais thriller e ambicioso do que o primeiro.

Rita Cadima de Oliveira

 

Em 2010 Thomas Arslan já tinha dado nota das suas intenções estilísticas com In the Shadows, o primeiro filme do qual este Terra Queimada é sequela, e que observa o ladrão profissional Trojan à medida que este por sua vez observa a cidade de Berlim. In the Shadows era um filme particularmente asséptico, voyeurista, com um interessante subtexto thriller que nunca realmente dava o salto para algo mais que um arquétipo do thriller ausente de emoção. Trojan conduzia, olhava, conduzia mais, o seu inimigo conduzia também, e olhava mais, e assim se compunha a imagética de In the Shadows. Com este Scorched Earth o salto é evidente, com mais acção e variedade. Trojan, mais velho e ainda menos dado a conversas fiadas, aceita participar num golpe com vários interessados e consequências colaterais imprevisíveis. As influências de Michael Mann são notórias, lembrando particularmente um Heat, que filmava a cidade de Los Angeles com uma certa rugosidade e ausência de sonhos, tal como Arslan filma Berlim. Uma cidade que, segundo o filme, tem duas vidas, dois ritmos, focando-se neste submundo do crime clínico parco em palavras e emoções. Existe também um pouco de Soderbergh, vindo à cabeça Haywire, e o seu elogio ao movimento e à emboscada, e ainda Killing Them Softly, de Andrew Dominik. Tudo em Terra Queimada é feito sem adorno, sem espalhafato, cabendo ao espectador observar esta equipa de ladrões e preencher o subtexto emocional que, diga-se de passagem, agarra e de que maneira, como se de uma Missão Impossível sem trapalhadas se tratasse. Esse thriller silencioso, ao qual se vão acrescentando mais e mais camadas de complexidade profissional e emocional, e faça-se um elogio a Alexander Fehling no papel papel do impiedoso e assustador vilão Victor, é um deleite para quem aprecia o thriller objectivo e anseia por um regresso de uma certa linguagem cinematográfica nostálgica dos anos 90. As idiossincrasias e motivações de cada personagem, desde a condutora de fuga à advogada, tudo parece demonstrar que de facto não é possível traçar grandes planos, e, de forma sarcástica, o crime o não compensa.

David Bernardino