Após o ranking definitivo de Francisco Sousa, regressamos ao oitavo e (presumivelmente) último capítulo de Mission: Impossible. Como todas as obras de fecho, The Final Reckoning tem a difícil tarefa de embrulhar com um laço tudo o que veio para trás, sem que a sua própria identidade e valor intrínseco se percam pelo caminho. Será esta a verdadeira missão impossível? David Bernardino e Hugo Dinis foram ver o filme, e dizer-nos se é um final digno para a série que concentrou os esforços de Tom Cruise nos últimos anos.
Como com qualquer franchise, uma das grandes dificuldades é manter o refresco, filme após filme, justificando a ida ao cinema do espectador uma e outra vez. Apesar de em Missão Impossível “maior” ser muitas vezes sinónimo de “melhor”, também é verdade que Tom Cruise (o inegável autor da saga a partir do quarto filme) se tem esforçado para trazer mais do que melhor acção às várias sequelas do original de Brian De Palma. Em Dead Reckoning, o capítulo anterior, a inteligência artificial como inimigo foi uma manobra inteligente, tratando a temática de forma hábil, criando rastilho para a exploração deste novo antagonista no cinema blockbuster (Live Free or Die Hard, 2007, foi um dos pioneiros). Final Reckoning mantém o cinema espectáculo de forma hábil, mas existe aqui algo que parece estar a falhar, mesmo quando o comparamos com o seu antecessor. A identidade de Missão Impossível a partir de Ghost Protocol, nas mãos de Cruise autor, tem vindo a evoluir na mesma linha (com até alguma mastigação a mais), mas esta é a primeira vez que temos uma sequela directa de uma sequela, ainda que Final Reckoning tente, quase a qualquer custo, ser uma conclusão para toda a história de Ethan Hunt, escavando ligações com praticamente todos os antecessores. Isto tem, inevitavelmente, consequências, como a excessiva exposição, a montagem martelada à la Inception (como na verdade já acontecia em Dead Reckoning) e um excesso de porreirice que tem muita dificuldade em encontrar um equilíbrio convincente entre humor e seriedade: afinal de contas o Mundo está à beira da catástrofe nuclear. Nada disso, ainda assim, impede o filme de fazer aquilo que faz melhor: acção espectáculo. Final Reckoning tem duas sequências particularmente bem desenhadas, com Tom Cruise a dar o corpo às balas, como gosta, agarrando-se a coisas que voam ou andam muito depressa, e é certeiro a manter a cadência e interesse do espectador ao longo das suas quase 3 horas. Não há como ficar indiferente a isso. A negação do CGI, a pureza dos efeitos especiais práticos, e o risco do actor, funcionam e são cinema. Lamenta-se apenas a sensação de este ser um filme mais tarefeiro e menos aventureiro, um produto criado com o propósito de encerrar o franchise e que, por isso, está preso ao seu destino. No final a evidência parece ser que talvez não se fique por aqui, e sinceramente uma nova aventura, sem tanta seriedade, e menos “global”, seria algo paradoxalmente refrescante.
David Bernardino
O que têm os peitorais de Tom Cruise, os dutch angles de De Palma, e os reflexos de lente de J.J. Abrams em comum? O último Mission: Impossible está aqui para colocar um ponto final na série, mas sobretudo para arrumar os devaneios narrativos do seu anterior capítulo num embrulho conclusivo e coerente. O legado deixado por Dead Reckoning (Part I) foi essencialmente construído em base instável, conferindo a este Final Reckoning a tarefa de fazer sentido de um vilão nebuloso e uma rede de personagens com pouco ou nenhum efeito na construção da trama. O que, desde logo, salta à vista em Final Reckoning é a sua obsessão pela própria mitologia do franchise, algo a que já estamos habituados na chancela Marvel, mas que McQuarrie sentiu a necessidade de introduzir para emprestar significado, com S maiúsculo, à trilha de filmes entre ele e Cruise. Esta obsessão salta à vista primordialmente na sua hora inicial, de exposição e revisitação, com inúmeras imagens de filmes anteriores a serem utilizadas, que não só retiram impacto a um franchise que tem construído reputação mais como franquia de acção do que outra coisa, como também convocam um guião demasiado focado na explicação de motivações das personagens em si (o maior exemplo sendo a mensagem inicial de Angela Bassett, presidenta dos Estados Unidos, a Tom Cruise, na qual a primeira expõe ao espectador as próprias razões e objectivos do segundo).
Por outro lado, a opção definitiva pelo uso de uma Entidade nebulosa, com vontade própria, como principal vilão não só assume este M:I como um dos blockbusters de maior ligação à noção moderna de nocividade da propaganda em redes sociais, como também acaba por relegar a pouco conseguida personagem de Esai Morales para um relativo segundo plano. Este é, sem dúvida, o filme de M:I mais preocupado com a memorialização destas personagens, parecendo, desde logo, saber identificar aquelas que mais impacto tiveram nestes dez anos de Cruise e McQuarrie. Este conceito de equipa, que os registos de McQuarrie vieram conferir ao franchise, tem vindo a lembrar cada vez mais os balidos de Dom Toretto sobre “family” nos Fast and Furious, mas, colocado ao serviço de set pieces de acção que realmente a envolvem de forma significativa na trama, permite a McQuarrie fazer dele peça chave da intriga. Assim sendo, e como em todos os fascículos de Mission: Impossible de Cruise e McQ, as forças propulsoras do filme acabam por ser estas sequências de acção cuidadosamente orquestradas que, apesar de tudo, melhor se enquadram no enredo. Cruise submerge-se numa imensa negridão subaquática para resgatar algo do maximalismo perfeccionista de James Cameron em The Abyss, da mesma forma que se atira de cabeça para o avião de Esai Morales. Uma forma de verdade cinematográfica em desafio à inverdade dos demais.
Hugo Dinis