Memory, o novo filme do mexicano Michel Franco, teve a sua estreia absoluta em Portugal no LEFFEST em Novembro de 2024. O filme protagonizado por Peter Sarsgaard e Jessica Chastain procura retratar o amor na doença psiquiátrica e as camadas psicológicas dos indivíduos nessa condição. Chega agora às salas portuguesas. Rita Cadima de Oliveira e David Bernardino escrevem as críticas.
Jessica Chastain é Sylvia, uma mulher fragilizada pelos traumas de infância que se fizeram traduzir num passado alcoólico. Fazendo do apoio ao próximo uma revitalização e rejuvenescimento pessoais, Sylvia, enquanto assistente social, leva uma vida simples e extremamente organizada com a sua filha Hanna, mantendo-se afastada de altercações e turbulências sociais. Esta passividade e inércia são postas à prova quando Saul Shapiro (Peter Sarsgaard) a persegue até casa, após um encontro de ex-alunos do liceu. Fechando-se constantemente em copas, sendo escrava do alarme de segurança de sua casa, este encontro tem um profundo impacto em ambos pois é aberta uma fresta para o passado que a memória ainda permite recordar, despertando-se um monstro adormecido. Aqui se inicia então a história de uma mulher que vive no e do passado e que se apaixona por um homem sem qualquer recordação de si e dos outros. Mas é este mesmo passado impercetível, dúbio e mal explorado que nos traz uma obra falhada no seu storytelling, onde continua a perdurar alguma romantização e até banalização de temas como o alcoolismo e o abuso físico, sexual e psicológico na adolescência. As temáticas mais complexas são retratadas de uma forma rasa e superficial, apesar das performances excelsas de Jessica Chastain e Peter Sarsgaard que reclamam o filme para si. Apesar de esmerado e cada vez mais maduro como cineasta, Michel Franco preocupou-se mais com o estilo e menos com a forma, numa narrativa algo desalinhada que deveria ser mais expressionista do que realista, falhando na execução de filme redigido em memória da memória. No seu todo, Memory resume-se a uma relação caótica num drama bastante desconfortável e devastador, centrado em traumas e na doença mental. Nesta tentativa de abordagem aos problemas reais e familiares de Sylvia (incesto, demência, depressão, a estigmatização das pessoas com doença mental, a luta contra o vício do álcool, a solidão, os conflitos geracionais), Franco acaba por explorar muito pouco cada um deles, retratando-os de um modo diluído, não conseguindo realmente comover-nos ou proporcionar consideráveis reflexões críticas sobre esta realidade.
Rita Cadima de Oliveira
O novo filme de Michel Franco procura reflectir sobre a forma como determinadas pessoas são marginalizadas pela sociedade (doentes psiquiátricos, pessoas depressivas ou alcoólicas, etc), humanizando-as e mostrando que também elas têm espaço para amar. O problema é a forma como o filme demonstra tudo isso, com um argumento carregado de plot holes e um desenvolvimento de personagem que, quanto a Peter Sarsgaard (que sofre de demência) é inexistente, e quanto a Jessica Chastain (depressiva e com traumas de infância) é existente, mas carregado de contradições. Apesar das suas intenções, Memory acaba por reduzir os seus dois protagonistas a estereótipos unidimensionais que pouco fazem senão romantizar uma questão que existe e é importante ser falada. O filme apresenta-se ainda algo confuso a nível de realização, muitas vezes perdido no espaço, e repetindo cenas semelhantes umas atrás das outras, como se o processo criativo estivesse totalmente esgotado e Memory não fosse mais que uma declaração de interesses. Ainda assim existem duas belas interpretações que oferecem momentos melodramáticos interessantes, mas é insuficiente para descurar tudo o resto.
David Bernardino