Críticas a Materialists, de Celine Song

EquipaJunho 18, 2025

Depois de um muito bem sucedido Past Lives, nomeado a óscar de melhor filme e melhor argumento original, que chamou a atenção para a realizadora Celine Song, chega rapidamente a sua segunda longa metragem. Materialists mantém o cenário nova-iorquino para uma nova história de amor, desta vez protagonizada por três super-estrelas do cinema norte-americano: Dakota Johnson, Chris Evans e Pedro Pascal. David Bernardino e Hugo Dinis foram ver esta comédia romântica dramática que se propõe fazer algo diferente. Terá convencido?

Sinopse: Uma jovem e ambiciosa “matchmaker” de Nova Iorque vê-se dividida entre o par perfeito e o seu ex imperfeito.

Rotular Materialists como uma comédia romântica, ainda que “elevada”, é certamente redutor. A segunda longa de Celine Song mantém-se centrada no tema do romance, apresentando-se à superfície como uma espécie de análise crítica ao mundo moderno dos encontros, em que aparentemente todos procuramos o match perfeito através de critérios especificamente determinados. A realizadora vai, no entanto, bem além disso. Ao centro, Dakota Johnson, perita em juntar casais. Uma materialista que só aceita casar-se com um homem rico. De cada lado, o ex-namorado, Chris Evans, e um potencial novo namorado, Pedro Pascal. À medida que a protagonista se vai apercebendo das suas imperfeições, e de que o amor poderá, no limite, ser suficiente para uma relação funcionar, o filme vai-nos deixando pistas agridoces de que isso poderá não ser bem assim. O importante flashback da discussão com o ex-namorado sobre 25$, o observar de casamentos que se irão deteriorar com o tempo, as exigências e merecimentos egocêntricos… Materialists é um filme aparentemente superficial, mas estranhamente real. No meio dos seus silêncios em pleno diálogo, vai construindo com agradável poesia esta caracterização das suas personagens, de forma simultaneamente crua e melodramática, numa rara dualidade que funciona surpreendentemente bem. Algumas decisões narrativas, apesar de necessárias, são estranhamente gratuitas, enfraquecendo esse realismo objectivo, mas nem por isso o filme de Celine Song sai particularmente ferido. É na ambiguidade das suas ideias, na sua ausência de moral, na sua neutralidade ao longo de quase duas horas, na sua protagonista vilã e heroína, que o seu desenlace, aparentemente feliz numa primeira leitura, ganha dimensão de tragédia quanto mais pensamos em todas as suas camadas.

David Bernardino

 

A um certo nível, é interessante constatar o impacto de um romance como Normal People, de Sally Rooney, na ficção romântica ocidental dos últimos cinco anos. O seu foco nas condições materiais para a compatibilidade romântica lança uma ideia de realpolitik nas relações da atualidade. Podemos, agora, juntar Materialists a esse rol de obras de ficção que contextualizam a impossibilidade das expectativas de compatibilidade no amor de agora. De ordenado anual a altura, de grau de atractividade a background familiar, Celine Song, tal como Rooney, fotografam um mundo em que as pessoas tomam decisões contabilísticas na sua vida romântica. Dakota Johnson é uma casamenteira que procura juntar pares românticos com base em listas de qualidades e defeitos. Conforme seria de esperar, a sua visão mercantilista é testada por um triângulo amoroso oriundo do paraíso da conveniência. Os seus pretendentes representam uma condição idealizada da estafada dicotomia entre segurança financeira e o conceito de “amor e uma cabana”. Pedro Pascal é “perfeito”, segundo a avaliação algorítmica de Johnson, mas Chris Evans não deixa de lhe pedir meças em tudo menos na dimensão da conta bancária.

Ao invés de Rooney, Song não consegue evitar o olhar crítico a este pragmatismo económico. As suas personagens espelham uma infantilização simplista da sua mundividência ao ponto de acabarem reduzidas apenas a símbolos e espectros de algo que pensamos reconhecer da vida real, mas nunca algo de complexo e verdadeiramente humano. Há uma certa visão de brunch nova-iorquino e de podcasts relacionais subjacente ao mundo de Song. Nunca sabemos os interesses, os amores, os desamores, os passados, as aspirações, os falhanços, ou até as idiossincrasias, sejam de Johnson, Evans, ou Pascal. Todos os espaços existem para serem preenchidos pelo espectador. O que se torna um convite à projecção, também facilmente se transforma em realização de superficialidade. Esta noção é intensificada aqui pelo uso de um choque facilitista que convoca o tema da violência de género de forma gratuita para desenrascar enredo.

Ainda que Materialists esteja a ser globalmente recebido de forma mais fria pela crítica, é importante sublinhar que a sua concepção idealizada da relação amorosa não está muito divorciada da de Past Lives. Tudo em Materialists é demasiado vago, demasiado rápido e demasiado referencial. Tal como em Past Lives, há uma ideia geral de que é suposto o espectador reconhecer estas personagens porque já as viu antes no cinema (os amantes separados pela distância; a escolha entre dinheiro e amor). Mas se a força do cinema não passa também pela convocação emocional de algo que se mostra (para lá daquilo a que simplesmente se alude), então de que serve tudo isto?

Hugo Dinis