Após uma apresentação no encerramento do IndieLisboa 2025, estreia o fulgurante “Marés Vivas” (caricato nome em português de “Caught by the Tides” / 风流一代), de Jia Zhangke. Fresco romântico e impressionista de vinte e dois anos de uma China em forte mudança, a partir de material de arquivo, imagens documentais e dramatizadas, conduzidas pela presença solar de Zhao Tao. Três críticos foram ver o filme, recordamos aqui as suas críticas.
Perde, infelizmente, algum fulgor no seu terceiro acto (o contemporâneo), quando corrige a sua “insolência” estética por algo de muito mais digesto. Mas nos seus momentos mais fortes, um filme que arde de facto, de forma apaixonada. Da demolição e reconstrução (as vagas) – “my advantage is that I have no sadness” – o retrato expansivo de um país em revolução social e económica, a partir dos desencontros de dois amantes. Melancólico e punk, vibra mais intensamente quanto menos interessado na narrativa romântica que enquadra.
Miguel Allen
Jia Zhangke faz uma reinterpretação funcional da sua própria obra em simultâneo com uma reflexão sobre a evolução da China moderna. “Caught By The Tides” está provavelmente mais próximo do trabalho documental mais recente de Jia do que da ficção de outrora mas não deixa de ser bastante mais do que uma simples colecção e remistura de imagens, porventura muito por contribuição de Zhao Tao. A transformação do Ganges como elemento central da identidade chinesa sempre motivou uma parte importante do cinema de Jia, e mais uma vez aqui surge como foco de reunião para a colagem narrativa.
Hugo Dinis
A mais recente proposta de Jia Zhang-ke certamente dividirá opiniões. Exercício algures entre o documentário, a ficção histórica e o filme de arquivo (boa parte das imagens são reaproveitadas da filmografia anterior do cineasta) Caught by the Tides traça de forma vaga o relacionamento de um casal no meio das convulsões sócio-económicas da China no primeiro quartil do novo século. Quando resulta, Zhang-ke encontra aqui um certo onirismo, a impressão de um momento na história de um país retratado através de rasgões de imagem, sons, montagem e música. No entanto, o arrojo formal dirá pouco a quem não conhecer intimamente a filmografia do cineasta (caso de quem escreve estas linhas). Parece também algo indeciso entre dois registos, nem abraçando por completo a obliquidade da sua cápsula temporal, nem explorando inteiramente o romance das personagens e a tensão dramática no seu centro. Terá o seu interesse, mas não será para todos os gostos.
André Filipe Antunes