Críticas a Locked, de David Yarovesky

EquipaMarço 27, 2025

Noventa minutos claustrofóbicos: “Eddie (Bill Skarsgård) assalta um carro de luxo e fica preso no seu interior. O seu enigmático proprietário tem o controlo total da viatura, estando prestes a vingar-se de uma forma diabólica.” Locked (“Sem Saída”), um thriller intenso e “à antiga”, coloca face a face o loverboy da família sueca com o veterano Anthony Hopkins. E, apesar do propósito aparentemente simples da trama, o realizador David Yarovesky encontrou uma maneira de tirar a t-shirt ao ídolo teen (como nos alertam as imagens divulgadas pela produtora). Rita Cadima de Oliveira e David Bernardino explicam-nos como é que isso acontece.

 

Cenário barato. Localização única. Criticar o sistema económico, político e social através de uma relação de subjugação e poder. Arranjar um bode expiatório. Inserir actor veterano, acrescentar actor mais jovem mas em fase de proclamação. Um deles é delinquente, o outro é um vigilante também conhecido como Velho do Restelo. Um deles invade propriedade alheia e o outro aplica a sua própria marca de justiça mas de uma forma distorcida. Locked é um filme previsível, visualmente banal e desinspirado. Seria aceitável num cenário de curta-metragem, no qual não teria hipótese de se alongar ou tornar demasiado arrastado. Mas opta por se tornar num filme massacrante, sobre pessoas com caprichos e sobre as vítimas desses caprichos, não tendo ambas fuga possível, apenas rezar por alguma clemência e misericórdia de ambas as partes. David Yarovesky tenta fazer deste filme uma viagem em que a fuga é uma ilusão, a sobrevivência é um pesadelo e a justiça é feita a alta velocidade. Mas o guião é negligenciado, a montagem é indisciplinada e a cinematografia pouco inspirada faz com que nada faça sentido. Os detalhes que Locked tenta sublinhar para se elevar, são os seus principais motivos de autodestruição. Vejamos: Skarsgård é um delinquente que procura furtos rápidos em carros estacionados caso se encontrem abertos (?) e ao achar um nestas condições, acaba preso dentro do mesmo (?). Na sua clausura, uma voz diz-lhe que o sinal de telemóvel, WiFi e Bluetooth estão bloqueados – no entanto, de alguma forma, Anthony Hopkins consegue comunicar com ele através de um telefone para esse mesmo carro? Apesar de Skarsgård e Hopkins demonstrarem empenho e dedicação neste infortúnio, salva-se o desempenho de ambos mas é aqui que começa e acaba qualquer aspecto positivo de Locked.

Rita Cadima de Oliveira

 

O filme de David Yarovesky é um daqueles produtos necessários para encher o corpo da produção cinematográfica comercial mais comum, destinado a maiores sucessos no pequeno ecrã do que propriamente em sala. Ainda assim não se trata de um filme absolutamente oco, antes pelo contrário. No seu tecido existe um retrato realista de duas visões opostas sobre as sociedades ocidentais. Por um lado Bill Skarsgard, o jovem, delinquente, desfavorecido, que vive de biscate em biscate, de furto em furto, de forma a conseguir pagar a pensão de alimentos da sua filha e ser um bom pai. Preso dentro de um carro de luxo que tenta assaltar ouve do outro lado Anthony Hopkins, num papel quase limitado à sua voz no altifalante do automóvel, num papel fisicamente pouco exigente perante os seus 87 anos. Hopkins é o velho, trabalhador, rico, privilegiado, crítica da pobreza moral e decadência do mundo ocidental, vítima de um sistema que protege os criminosos e penaliza os honestos que têm medo de andar na rua à noite. A análise de Locked é bastante interessante por não tomar partidos em relação a ambas as visões, ainda que exista claramente uma vítima e um psicopata. O interesse de Locked fica-se por aí, no seu contexto. Já o thriller de localização única é pobre e derivativo, indo beber a Buried mas principalmente a Phone Booth. A realização é fraca, a montagem confusa, e a imagem estranhamente digitalizada e ofuscada. A trama pessoal do protagonista Skarsgard, com a sua filha, roça o ridículo, tornando tudo de certa forma aborrecido. Nota-se dedo de Sam Raimi na produção, com momentos de violência gratuita que roça o cinema série B, mas tudo é demasiado superficial e inconsequente para ter real efeito.

David Bernardino