Sétimo tomo da franquia Jurassic Park, e quarto Jurassic World, Jurassic World Rebirth é realizado por Gareth Edwards, responsável pelo melhor de Star Wars nos tempos da Disney (falamos de Rogue One: A Star Wars Story), e por The Creator. O filme tem argumento de David Koepp, colaborador frequente de Spielberg e co-autor do argumento do primeiro Jurassic Park, e conta com dinossauros mutantes (sim!) e Scarlett Johansson para insuflar vida nova a uma série que parece ir perdendo relevância (mas jamais retorno financeiro) a cada sequela. Hugo Dinis e David Bernardino assinam as críticas.

Quando Jurassic Park surgiu em 1993, em muitos aspectos foi um filme de contracultura. A questão das alterações climáticas haveria de assumir maior protagonismo nos anos vindouros e, após adaptações como a de Westworld em 1973, a literatura de Michael Crichton viria a ser reaproveitada para colocar no cinema popular a noção de homem versus natureza. Ao vermos Jurassic World Rebirth, não conseguimos deixar de pensar qual o nexo do franchise nos dias que correm. A todos os títulos, o incentivo financeiro para os estúdios parece ainda lá estar, e este não deverá fugir à regra, olhando aos números de bilheteira recentes. Ao trazer Gareth Edwards para este novo reavivar de motores, a franquia jurássica parece querer recentrar a sua mensagem enquanto ponderação do papel humano na sua interferência junto da natureza. Com efeito, uma das personagens de Rebirth tem aqui um monólogo no qual recontextualiza a espécie humana e a sua relativa insignificância na longa história do planeta. Mas ao passo que Jurassic Park, sem dúvida um filme profundamente populista e uma peça de entretenimento a larga escala, retinha este sentimento de desafio ao sistema, Jurassic World Rebirth não podia aparecer mais estafado e irrelevante desse ponto de vista.
Senão vejamos a sua construção narrativa: Jurassic World Rebirth coloca um conjunto improvável de indivíduos em busca de “material genético” de três dinossauros (um terrestre, um aquático, e um voador) ao serviço de um enorme cheque de uma empresa farmacêutica na procura de obtenção de um medicamento imensamente valioso. Não obstante as diferenças nos contextos das suas personagens, Edwards vê como sua missão aqui essencialmente aquela que J.J. Abrams viu ao realizar The Force Awakens em 2015 para outro franchise de grande dimensão, especialmente no que diz respeito à alusão dos seus temas e construção de personagens. Rebirth oferece este revivalismo em formato ChatGPT do que foram os monstros nostálgicos do original de 1993, sem a destreza na condução da acção de Spielberg nem tão pouco a ambição narrativa de Crichton e David Koepp, que aqui se mantém com outros resultados. Muito embora a evocação de um vilão muito ligado à preocupação contemporânea, em especial nos Estados Unidos, em torno do domínio da lógica capitalista na saúde reflicta uma vontade de ligar o filme ao caldo cultural actual, Jurassic World Rebirth parece sempre muito mais um espectro evocativo que uma peça cultural genuína.
Nas suas personagens encontramos maioritariamente intenções, mas nunca sequer semblantes de seres humanos verdadeiros de carne e osso. Scarlett Johansson é uma mercenária que vemos a debater-se, mas pouco, com as consequências das suas provações, aludindo simultaneamente a um longo passado de ‘empreendimentos’ anónimos falhados e a um futuro de conforto financeiro. A ela juntam-se Jonathan Bailey, uma espécie de paleontólogo confrontado com a impopularidade dos dinossauros, evaporado o factor surpresa em torno deles, e Mahershala Ali como alguém mais ligado ao lado operacional da missão jurássica. Este trio, com a bizarra adição de uma família de náufragos locais, enfrenta a premissa dos perigos de alteração genética da natureza de Spielberg com uma espécie de encolher de ombros. Estão lá porque sim, são motivados por muito pouco, e não parecem encontrar felicidade ou familiaridade em nada. A palavra de ordem é esquecível. Quando Rebirth procura ser um filme de aventura, é enfadonho. Quando tenta puxar os cordelinhos da emotividade que a trilogia anterior de Colin Trevorrow tanto valorizava, Rebirth é vazio. E quando ambiciona a momentos de humor, é apenas referencial e derivativo. E quando nos lembrarmos deste franchise daqui por 20 anos, alguém se vai lembrar deste filme?
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Hugo Dinis

32 anos depois do original de Spielberg, num mundo em que o cinema de grande bilheteira é feito de sequelas, reboots e franchises, Jurassic Park inicia, alegadamente, uma nova trilogia. As duas últimas entradas não foram bem recebidas, o que coloca este Jurassic World Rebirth numa encruzilhada. Será sequer possível regressar à mística do original de 1993? Gareth Edwards, um realizador capaz do bom (Godzilla) e do mau (The Creator), parece ter chegado a uma conclusão: não. Mais vale assumir o cinema pipoca sem pretensões, agarrar o touro — ou o T-Rex — pelos dentes (?), e em vez de ir buscar inspiração a Spielberg, talvez olhar antes para Jurassic Park III, com William H. Macy e Téa Leoni, filme infamemente conhecido como aquele em que “eles correm e fogem dos dinossauros”. Bem, talvez seja mesmo o melhor.
Jurassic Park Rebirth apresenta um enredo orgulhosamente formulaico: é preciso ir à “ilha dos dinossauros”, reunir uma equipa para a missão, algo vai correr mal, personagens secundárias podem ser sacrificadas, etc. A ironia é que, dentro deste “trash”, Rebirth consegue genuinamente arrancar sorrisos e oferecer momentos de adrenalina cinematográfica, seguindo a linha de outros filmes “deste tipo”, como Meg 2, de Ben Wheatley. Mais do que isso, Rebirth quase (falta o quase) deita por terra a moral contra a engenharia genética presente em todos os filmes anteriores, ao dar protagonismo a um grupo de mercenários que genuinamente só querem saber do dinheiro. A começar por Scarlett Johansson, todas as personagens dominam o seu espaço físico, mandam piadas, são espertalhonas — incluindo Jonathan Bailey, o nerd de serviço, que a certa altura se transforma num herói viciado em adrenalina, algo francamente ousado perante os modelos actuais.
A par dos mercenários coexistem na história, quase por acidente, quatro outros protagonistas: um pai a passar o fim de semana a velejar com as filhas, e o namorado mandrião da mais velha. O desenvolvimento das personagens é claramente inexistente, tal como a construção narrativa, o que parece intencional, dada a falta de gravidade que os perigos do filme — os dinossauros — realmente têm. Em vez disso, Gareth Edwards vai pontuando o filme com pequenos momentos de homenagem ao legado da saga (ver os dinossauros pela primeira vez ou a icónica cena dos velociraptores na cozinha), enquanto as suas personagens percorrem heroicamente esta ilha inóspita. Não será coincidência que o dinossauro final, o mais terrível de todos, seja um híbrido entre o xenomorfo humanóide de Alien Resurrection, um tiranossauro e algo que se assemelha a Donald Trump. Fazer bom “trash” não é fácil. Jurassic Park Rebirth quase lá chega.
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David Bernardino



