O antigo assistente de realização de Clint Eastwood, Robert Lorenz, regressa com o seu novo filme In the Land of Saints and Sinners (Na Terra de Santos e Pecadores), um filme sobre o crime num pequeno meio rural na Irlanda, protagonizado por Liam Neeson, Kerry Condon, Jack Gleeson, entre outros actores provenientes daquele país. Bruno Victorino, David Bernardino e Rita Cadima de Oliveira foram ver e trazem as suas críticas.
Sinopse: Irlanda, década de 1970. Ansioso por deixar seu passado sombrio para trás, Finbar Murphy leva uma vida tranquila na aldeia costeira de Glen Colm Cille, longe da violência política que assola o resto do país. Quando um ameaçador grupo de terroristas chega, liderado por uma mulher chamada Doireann, Finbar descobre que um deles tem andado a assediar uma rapariga local. Envolvido num jogo cada vez mais cruel, Finbar tem de escolher entre expor a sua identidade ou defender os seus amigos e vizinhos.
Contemplando o cenário tão verde quanto azul da Irlanda do Norte, anexando-se o dialecto e pronúncia regionais e uma situação bélica extremamente tensa dos anos 70, no auge da guerra sangrenta, poderão aqui reunir-se factores de autenticidade e criatividade que se apresentam como uma proposta e desafio para o realizador Robert Lorenz elaborar uma obra já tantas vezes vista. Ainda mais, por se tratar de um filme de época, cujo período obriga a uma captação irrepreensível no que concerne ao seu aspecto visual, à moda e à estética da época. Robert Lorenz, apesar de norte-americano, consegue garantir precisão e rigor em diversos elementos, sobretudo na escolha implacável do elenco, na linguagem e nos diálogos. Apesar deste filme dramático e de vingança ser lento e ter uma narrativa assumidamente ponderada, a acção é mínima mas plenamente eficaz. Um thriller sem rodeios, cujos desempenhos revelam muita substância e consistência. Liam Neeson que tendencialmente aparece em thrillers de acção exagerada, aqui altera a mudança de ritmo numa reforma física mas não menos interessante. Kerry Condon é megalómana e muito boa a fazer de muito má. No seu todo, The Land of Saints and Sinners é um filme genérico mas bem executado, preenchendo todos os requisitos para se lhe obter satisfação. Um filme que podia ter arriscado muito mais mas preteriu contemplar a paisagem irlandesa, enquanto faz o bem numa redenção depois de uma vida inteira de pecados. Mesmo que os pecados sejam caros e muitos não estejam dispostos a pagar o seu preço, há algo que não pode ser enterrado. Seja a Pátria, a honra ou o orgulho.
Rita Cadima de Oliveira
Robert Lorenz faz uma fusão a três: o cenário da criminalidade rural de Martin McDonagh (Três Cartazes à Beira da Estrada, The Banshees of Inisherin), a rugosidade de Clint Eastwood (Cry Macho, The Mule) e a tacanhez dos irmãos Coen (Fargo, Burn After Reading), mas é a influência do primeiro que é claramente mais visível, particularmente devido à acção se passar numa pequena comunidade irlandesa. Nos últimos 16 anos a carreira de Liam Neeson tem estado tão intimamente ligada a filmes de acção de pequena ou média qualidade, que já é difícil de olhar para o actor fora desse estereótipo de vingador sempre que segura uma arma. É novamente o caso de In the Land of Saints and Sinners. O filme de Lorenz, outrora assistente de realização de Eastwood, é um filme habilidoso de baixa consequência, um thriller slow burn que brilha no que diz respeito a argumento e desenvolvimento de personagem. Com um ritmo adequado e cativante do início ao fim, o filme oferece uma abordagem mais dramática e menos trapalhona ao subgénero do crime rural. Os cenários irlandeses não naturalmente belíssimos, e definitivamente contribuem para que In the Land of Saints and Sinners construa a sua própria identidade. De qualquer forma aquilo que de melhor se destaca terá que ser Kerry Condon e a sua performance fria e brutal, num conflito emocional que existe da forma mais rude e egoísta possível, mais uma vez confirmando as suas capacidades e amplitude como actriz. Jack Gleeson, conhecido como o detestável Joffrey de Game of Thrones, também é uma bela surpresa. Já de Liam Neeson, a segurança de veludo do costume. Na Terra de Santos e Pecadores é provavelmente um filme genérico, mas um grande filme genérico.
David Bernardino
In the Land of Saints and Sinners é um singelo western que decorre numa pacata localidade da Irlanda durante os anos 70. Robert Lorenz, o realizador, foi produtor da grande maioria dos filmes de Clint Eastwood do século XXI. Para além disso, foi assistente de realização de Mystic River, Million Dollar Baby, Midnight in the Garden of Good and Evil, entre outros títulos do lendário cineasta norte-americano. E um dos pontos de interesse fundamentais do filme reside efetivamente nas pontes que se podem estabelecer entre Lorenz e Eastwood. Alicerçado nos códigos do género (western), de onde se destaca, por exemplo, o enfoque dado às paisagens, Liam Neeson surge como o “cowboy” solitário, um hitman em crise existencial que decide terminar a carreira. Mas a situação muda de figura quando uma procurada célula do IRA vem perturbar a relativa paz daquele lugar. Lorenz capta habilmente as idiossincrasias da povoação, socorrendo-se de renomados character actors irlandeses, como Ciarán Hinds, que interpreta o “sheriff” da vila. Tal como nos filmes protagonizados por Clint Eastwood, a própria persona de Neeson adiciona uma camada de complexidade ao personagem, visivelmente agastado pela panóplia de filmes de ação que tem vindo a protagonizar nos últimos anos. In the Land of Saints and Sinners não é um filme revolucionário ou subversivo, mas cumpre eficazmente o papel a que se propõe, um western/thriller competente e que faz uso exemplar das paisagens irlandesas e das expressões faciais de Liam Neeson.
Bruno Victorino