Críticas a In a Violent Nature, de Chris Nash

EquipaOutubro 9, 2024

Depois de uma passagem muito divisiva pelo Motelx, onde algumas dezenas de pessoas abandonaram a sala ao longo da exibição, In a Violent Nature, de Chris Nash, chega aos cinemas portugueses dia 10 de outubro. Cinco tribunos foram ver este “ambient slasher”, como é habitualmente descrito, e deixam-nos aqui a sua crítica.

Sinopse : Quando um grupo de adolescentes remove um medalhão dos escombros de uma torre de incêndio no meio de uma floresta, o corpo de um espírito vingativo, instigado por um crime horrível que aconteceu há 60 anos, é ressuscitado.

 

In a Violent Nature (2024) de Chris Nash

Este slasher norte-americano assemelha-se ao heterónimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro. É um filme de e para a natureza, que despreza e repreende qualquer tipo de ponderação filosófica. Dado que o pensar causa obstrução à forma como se depreende o mundo, entramos então aqui num mundo complexo e extremamente problemático onde tudo se apresenta incerto e obscuro. Principalmente porque é um filme filmado na terceira pessoa, a partir da visão do assassino. Assistimos à ressurreição de um enigmático e silencioso monstro, à sua fúria, impiedade, crueldade e brutalidade. É um filme visceral e sanguinário, à superfície, e complexo do ponto de vista da objectividade visual, pela sua linguagem cinematográfica bastante simples e sem embelezamentos. O realizador opta sempre pela completa simplicidade e realismo natural, numa completa afirmação da fauna e flora, como elementos que considera serem a única sensação de realidade. Este monstro, com a aparência de um morto-vivo, vagueia numa remota zona florestal selvagem, sempre acompanhado pelo impressionante som das suas botas a pisar a densa floresta, desencadeando-se como o icónico assassino de um grupo de adolescentes que acampa naquela região. O cenário de matança é impiedoso e impressionante, sendo apenas assolado pelo ritmo lento da acção, que poderá levar ao aborrecimento de uns mas ao interesse de outros, pela interligação de temáticas tão dispersas ou até mesmo desconexas. Apesar da sua forte premissa, as personagens são fracas e os diálogos são desinteressantes, representando este factor o motivo da sua maior nulidade, retirando-lhe o carisma que poderia e deveria ter.

Rita Cadima de Oliveira

 

Como Friday the 13th (Cunnigham, 1980), mas informado por Béla Tarr. In a Violent Nature, ainda que elevated horror, não retrai a herança popular do género. Este não é mais um exercício “sobre trauma”, e a sua narrativa trivial é pontuada pelas mesmas personagens teen and horny, descartáveis, que preenchem historicamente tantos outros slashers. Ainda assim, o filme não esconde também as suas ambições cinematográficas maiores. Seguindo obstinadamente sobre as costas de (mais um) antagonista sobrenatural, perdemo-nos, literal e demoradamente pela paisagem envolvente de uma floresta, anónima e misteriosa. Ao horror do género funde-se aqui o nosso necessário desconhecimento daquele mundo vegetal e animal – duas identidades mudas, e ambos elementos fortes da sua expressividade obscura. Ora, se a ideia de slow cinema, a partir da qual se descreve convenientemente In a Violent Nature, é uma noção tão vaga quanto vazia, será também indiscutível a evidente precipitação que conduz a montagem do filme. A momentos trapalhão nas suas composições, existe aqui um gosto demasiadamente apressado nos passeios do nosso monstro, uma exploração demasiadamente elíptica do conceito formal do filme. Entretanto, às interações daquela figura grunge com os seus vizinhos – divertidas por serem tão espalhafatosas – parece faltar também uma leitura mais clara da expressividade de cada gesto, do ritmo de cada golpe (…pensando em Bresson). O filme acaba, enfim, por se orientar a dois públicos “distintos”, que Nash terá imaginado antagónicos, mas aos quais quer agradar em simultâneo.

Miguel Allen

 

Uma proposta de partida tão interessante quanto arriscada: juntar talvez o subgénero mais concreto que existe a uma forma contemplativa, talvez etérea. Infelizmente, o receio maior de que este exercício não fosse além de uma pequena curiosidade confirma-se. Mais do que etéreo, este filme parece ter cheirado éter. Inebriamo-nos, sem dúvida, nas composições bucólicas, no minimalista setup de assombração florestal e nos (quase) constantes planos subjetivos do assassino. Contudo, rapidamente nos sentimos esmorecer na fatal repetição, na falta de nervo em que os momentos de matança – alguns dos quais bastante originais, há que dizê-lo – molemente se disspam e  nos clichés – quer dos slashers, quer dos indie arthouse movies feitos à medida de festival europeu – aos quais o filme não foge. Ainda que formalmente esteja uns furos acima do que se tem feito nesta franja do terror, In a Violent Nature acaba por ser a versão mastigada do conceito (já de si duvidoso) de slow cinema. Poderia ser admirável – até escabrosa – a execução de cenas de violência a um ritmo deliberadamente lento, fosse a imaginação de Chris Nash (realizador) dotada de outros requintes de malvadez, ou de ideias que se estendessem para além do que é mostrado. Mas a natureza deste projecto parece ser mais cínica do que violenta, e a ânsia de tornar tudo digerível para um público alargado, numa era que não prima pela tolerância à lentidão, acaba por trair muitas vezes o próprio gimmick que deveria diferenciá-lo. Vale por uma fotografia e direção de arte cuidadas e pelos momentos em que o vento captado a soprar nas árvores, indiferente a cada investida do mostrengo, nos leva a crer que seremos lançados para outras paragens.

Gil Gonçalves

 

In a Violent Nature não foi exatamente o que estava à espera. Gostei do conceito do filme e de um ou outro toque de câmara ao estilo de Gus van Sant/Aronofsky, quando seguimos de perto o nosso token serial killer imortal. Contudo, à parte alguns planos visualmente interessantes e uma ou outra morte mais criativa, o filme teve, no geral, pouco de verdadeiramente memorável. O problema de o se focar no assassino em vez de no grupo de adolescentes prestes a serem eliminados é que não conseguimos criar qualquer ligação com as personagens. No fim, acabamos por não torcer por ninguém. E, sinceramente, com a pouca exposição que temos a estas personagens, todas elas parecem tão irritantemente tontas que talvez seja melhor assim. As mortes são bastante brutais – uma delas é algo que nunca tinha visto antes – mas sinto que o filme se apoia demasiado nisso para construir a sua identidade. É o típico “terror indie artístico com mortes brutais”. E não tem muito mais camadas além disso. O que me surpreendeu foi que, para um filme tão investido em mostrar mortes gráficas e violência ridícula – embora esporádica – foi bastante fraco na caracterização do assassino. Com a máscara, ele até conseguia ser intimidante e enigmático, mas sem ela… a maquilhagem deixou muito a desejar. Mesmo quando só vemos a parte de trás da cabeça, a aparência borrachosa e artificial estraga o efeito. Recomendo este filme mais como uma curiosidade para quem gosta de explorar filmes de terror fora do convencional. Quer ser um slasher intelectual mas com violência ao estilo de Terrifier, e para mim, essa combinação não resultou muito bem.

Carla Rodrigues

 

O que se diz é verdade: quase não acontece nada. Chris Nash procura fazer um filme-conceito de terror elevado, servindo-se de ângulos pouco ortodoxos, necessariamente mais paisagísticos (dir-se-ia, em linguagem leiga, artísticos), naquilo que pretende ser um teen slasher filmado do ponto de vista do assassino. Tudo parece muito bem no papel, mas apenas no papel. O filme de Nash filma muitas vezes as costas do assassino a andar pela floresta, lentamente, é verdade, mas pausa convenientemente essa lógica com as anunciadas mortes, que serão inevitavelmente os (únicos) momentos de interesse do filme. A forma verdadeiramente grotesca como são filmadas, aparentemente tudo com efeitos especiais práticos, é um deleite para os fãs de um cinema de terror mais sangrento. A ironia é que mesmo todos estes litros de sangue não são suficientes. Um argumento verdadeiramente vazio, com um final longo e completamente inconsequente, que ademais viola a premissa de “slasher do ponto de vista do assassino” (nunca o é verdadeiramente), fazem de In a Violent Nature um teste de paciência a uma certa sobranceria para a qual o público alvo é difícil de definir.

David Bernardino