Dahomey teve estreia mundial no 74º Festival de Cinema de Berlim, onde ganhou o Urso de Ouro. O novo filme de Mati Diop (Atlantique) será exibido no DocLisboa, secção “Da Terra à Lua”, no próximo dia 27 de Outubro às 19h. Dois tribunos deixam-nos aqui a sua crítica.
Novembro de 2021. Vinte e seis tesouros reais do Reino do Daomé estão prestes a deixar Paris para regressar ao seu país de origem, a actual República do Benim. Juntamente com milhares de outros, estes artefactos foram pilhados pelas tropas coloniais francesas em 1892. Mas que atitude tomar perante o regresso a casa deste antepassados num país que teve de seguir em frente na sua ausência? A discussão aquece entre estudantes na Universidade de Abomey-Calavi. (DocLisboa)
Um fascinante documentário sobre a devolução de 26 tesouros pertencentes ao Reino do Daomé. Há dois anos, no filme The Woman King, de Gina Prince-Bythewood, pudemos ver a versão ficcionalizada desta potência de outrora. Curioso que o novo filme da franco-senegalesa Mati Diop, ainda que indiscutivelmente se trate de um documentário, inclui também elementos de fantasia, resultando num híbrido muito interessante. Ouvimos a estátua do Rei Ghézo a relatar o seu tempo em cativeiro. Paralelamente, Diop filma o processo físico de transportar estes artefactos de Paris para o Benim, a curadoria da exposição, os visitantes admirados com a imponência dos objetos retornados. Num curto espaço de tempo, Mati Diop desconstrói a falácia comum de que estes países, oprimidos em tempos, não possuem os meios para cuidar devidamente das suas próprias obras de arte. Tudo isto enquanto levanta questões urgentes sobre o impacto do colonialismo na África dos dias de hoje, a importância da restituição, e a necessidade de garantir que todos tenham acesso à cultura.
Pedro Barriga
L’aventure ambiguë do património africano pilhado pelas potências europeias. Diop funde um registo documental com o retrato espiritual das estátuas em questão. Como em Chris Marker (para citar um exemplo fácil), um documentário enquanto obra de ficção, mas também uma ficção poética que documenta rostos e objectos reais de um tempo concreto. Dahomey é talvez um filme mais rico quando propõe imaginar a importante voz daquelas estátuas – o comentário sobre a sua “escravatura” e a sua visão sobre um lugar que lhes fora roubado e para onde voltaram por estranha viagem. Hoje coisas “de museu”, esse conceito puramente ocidental, cativas de paredes de vidro, sem poder tocar a terra castanha e as ondas daquele vasto mar, de novo objectos, afinal, de serviço prestado a um país colonizador.
A importância do debate de fundo moral e político, filmado entre estudantes, que preenche a parte central do filme, arrisca-se, contudo, a desviar demasiadamente a atenção do espectador em relação ao filme (enquanto filme) em si. Porque Dahomey é, nisto, provavelmente mais interessante do que uma obra verdadeiramente empolgante – algo que se deve, sobretudo, à breve duração do filme, que torna o seu exercício mais modesto dadas as diferentes temáticas e perspectivas que vão sendo (por vezes somente) sugeridas. A título de exemplo, o curto discurso da estudante em relação à língua francesa que lhe fora “imposta à nascença” talvez merecesse, por si só, um outro filme. Mas Dahomey arrisca afinal muitas outras – quiçá demasiadas – paragens.
Miguel Allen