Críticas a Conclave, de Edward Berger

EquipaNovembro 20, 2024

Depois de All Quiet on the Western Front, Edward Berger regressa com Conclave. Baseado no romance homónimo de Robert Harris,  este thriller psicológico sobre uma conspiração no Vaticano conta com um elenco de luxo, liderado por Ralph Fiennes, e é um forte candidato à nomeação para o Óscar de Melhor Filme deste ano. Já nas salas portuguesas, foi visto por David Bernardino e Hugo Dinis, que nos deixam as suas críticas.

Sinopse: A escolha de um novo Papa. O Cardeal Lawrence é encarregue de dirigir esse processo secreto após a inesperada morte de um Papa muito estimado. Com os líderes mais poderosos da Igreja Católica de todo o mundo reunidos e encerrados entre as paredes do Vaticano, Lawrence encontra-se no centro de uma conspiração e descobre um segredo que poderá abalar os alicerces da Igreja.

 

Conclave é um daqueles thrillers mainstream muito competentes e sólidos, que capturam a atenção do público através do diálogo e da intriga. Naturalmente, o cenário — o processo secreto de eleição de um novo papa pelos cardeais — desperta um interesse elevado. No entanto, quando não se apoia nos seus diálogos inteligentes, o filme tem dificuldade em sustentar-se no silêncio. Claro que, ao assistir a este filme tão próximo das eleições de 2024 nos EUA, é inevitável encontrar paralelos com o que é retratado: um grupo de indivíduos dividido entre as suas fações conservadoras e liberais, a tentar eleger o seu novo líder. Apesar de os liberais serem representados como os “bons da fita”, o filme nunca cai no erro de fazer sermões político-morais. Em vez disso, concentra-se nas batalhas internas de cada homem, com uma forte dose de intriga política. Tudo decorre de forma consistentemente boa até à reviravolta final, que destrói completamente a ambiguidade construída até então. Edward Berger (o realizador só apresenta aqui um punhado de imagens interessantes) parece ignorar a capacidade de reflexão do público, oferecendo uma reviravolta moral “na cara” que é verdadeiramente imperdoável, especialmente quando a mensagem moral do filme já tinha sido perfeitamente transmitida cinco minutos antes.

David Bernardino

 

Para Edward Berger, e embora não pareça à primeira vista, Conclave é a continuidade natural da exploração netflixiana da condição militar de All Quiet on the Western Front. Conclave representa uma nova adaptação literária para Berger, desta feita sobre a intriga em torno da eleição de um novo papa. A continuidade de identidade visual é, desde logo, evidente: Berger opta por cenarização esparsa, parcamente iluminada, muito centrada no cumprimento ritualístico do protocolo. A intriga coloca o espectador no ponto de vista de Ralph Fiennes, o decano e responsável pela condução do conclave, no contexto de uma luta política de facções, simplificada por Berger em torno do binómio liberalismo-conservadorismo. A hermetização netflixiana de Berger acaba por casar eficazmente com boa parte da problematização inicial da trama, com a introdução de personagens a beneficiar de um abrandamento narrativo ao serviço da criação de mistério. Contudo, a introdução de elementos progressivamente menos plausíveis acaba por deitar abaixo esta sobriedade, de tal forma que boa parte da segunda metade de Conclave não ficaria fora de sítio numa produção de Michael Bay. Berger parece ter imaginado um thriller em banho-maria que aposta numa progressividade que o material de origem simplesmente não tem. A consequência é que muito do que aqui está na segunda metade acaba por vir em ruptura declarada do que se vai construindo antes. Muito embora o ponto de vista de Fiennes convoque uma neutralidade investida sobre o espectador, a escolha de lados por parte da narrativa é feita à custa da visão equilibrista de Berger.

Hugo Dinis