Críticas a Companion, de Drew Hancock

EquipaFevereiro 11, 2025

Companion, primeiro filme de Drew Hancock, é um thriller que junta elementos de terror, ficção científica e comédia negra ao clássico setup de um casal (Sophie Thatcher e Jack Quaid) em passeio de fim de semana, com amigos, numa cabana no bosque. Naturalmente, nem tudo é o que parece, e o  melhor será mesmo partir para este filme sabendo o mínimo possível (tarefa hercúlea nos dias que correm, à qual nem a própria promoção do filme ajuda). Três tribunos deixam as suas críticas e uma opinião unânime…

 

Companion é bem representativo daquele tipo de filme descartável que costuma ser despejado nos cinemas no início do ano. Um filme que anda em bicos de pés à volta das suas próprias ideias, hesitante em comprometer-se. O pior? Traz um twist que o próprio cartaz e trailer já entregaram de bandeja, mas ainda assim gasta tempo a fingir que tem um grande segredo para proteger.

Quando deixa de o fazer e anuncia realmente ao que vem, percebe-se que Companion tem muito pouco a dizer. Há uma tentativa meio desinspirada de desconstruir o arquétipo do Gajo Porreiro™ através do namorado de Iris (Sophie Thatcher), Josh (Jack Quaid), cuja simpatia superficial esconde o núcleo amargo de um homem que vê as mulheres como algo a ser programado. Mas se o filme quer ser uma crítica mordaz às dinâmicas de género na era das namoradas de IA e dos machos da terapia do TikTok, nunca chega a afiar os dentes. E isso é um problema maior do que parece. Para um filme sobre um robô cuja inteligência, personalidade e agressividade podem ser ajustadas como uma playlist, tem uma relutância irritante em deixar essa premissa explodir. Parece que o filme está sempre retraído. O que poderia ter sido um espetáculo caótico e desvairado, contenta-se com um ritmo macilento, em que Iris fica presa num estado algures entre “ligeiramente ameaçadora” e “provavelmente seria derrotada por um Roomba”. Sim, percebe-se a intenção. Querem que a ameaça que paira sobre Iris pareça realista para que possamos torcer por ela. Mas onde está o caos desenfreado? Onde está a insanidade total de um robô a virar o jogo contra o seu captor? Em vez disso, o filme convence-se de que está a ser inteligente ao conter-se, quando na verdade se está a sabotar.

E se não quer ir até ao limite, tudo bem. Mas ao menos que seja divertido. O filme bem tenta ser cómico, mas raramente acerta, apoiando-se em piadas e gags mal cozinhadas, que não são tão espertas quanto o filme pensa que são. Nunca é engraçado o suficiente para ser uma comédia, nunca é tenso o suficiente para ser um thriller, nunca é inteligente o suficiente para ser sátira ou um conto de advertência a sério. Então, o que é, exatamente? Há vislumbres de algo melhor aqui — pequenos momentos em que o filme sugere uma versão mais afiada, mais louca, mais autoconsciente de si próprio. Mas, no fim, é um filme sobre tecnologia que se recusa a inovar, sobre inteligência artificial que não é assim tão inteligente. Não é propriamente mau ou aborrecido, mas também não justifica a sua existência, e isso sim é imperdoável. Um desperdício.

Carla Rodrigues

 

Drew Hancock não deixa passar tempo suficiente para que comecemos a sentir nostalgia de filmes com marcas narrativas de ficção científica e terror, ficando em dívida para com estes. O jovem realizador coloca excessivos ingredientes robóticos na sua primeira longa-metragem, tentando retratar uma expectável factualidade contemporânea que nem por isso está assim tão afecta ao século XXI. É certo que vivemos num mundo de robots, nós mesmos parecemos cada vez mais robots, mas neste filme é-lhes novamente dada carga emocional, e explorada a sua programação para fins sexuais, ao invés de se olhar para a relação actual que estabelecem com o ser humano. Passando ao lado das suas funções técnicas de auxílio humano, Drew Hancock não é pioneiro ao tentar atribuir alma à máquina. Começa a ser saturante voltar a um terreno tantas vezes apalpado. Num estilo Ex-Machina e M3gan (mas da Shein), quase tudo o que neste filme é um sucesso se  configura como o seu fracasso: do guião ao ritmo, das personagens à lógica, tudo nos faz desistir pela previsibilidade. Quando estes filmes (ditos) independentes colocam todo o seu peso na premissa e no enredo, o espectador desconecta-se prontamente. Particularmente quando as reviravoltas não fazem sentido e as escolhas preguiçosas estão mais patentes na superficialidade dos diálogos. Para um filme que faz escolhas tão seguras, tudo em Companion parece desigual. Tanto em Heretic como aqui, Sophie Thatcher tem uma postura demasiado rígida, parecendo presa a uma obrigação da qual não se consegue largar, actuando de forma pouco natural. Provavelmente por estar a ser mantida em cativeiro num género que não é o seu. Em suma, Companion é um filme de terror medíocre, composto por um grupo de actores favoritos do público-alvo da actualidade, que se limita a reciclar tendências. Um retalho de ideias recentemente bem-sucedidas, que nunca se chega a consumar no meio de uma oportuna, mas pobre, crítica tecnológica.

Rita Cadima de Oliveira

 

Em Companion, Rupert Friend representa a personagem de um russo obscenamente rico cuja palavra passe de todos os seus sistemas de segurança é o aniversário de Estaline. Se isto não nos diz já alguma coisa sobre um guião que parece ter sido feito numa tarde, pelo menos chega perto. Companion pega em todos os tópicos em voga na grande discussão colectiva social e coloca-os em fila à espera da sua vez de aparecer no ecrã. Dito isto, Companion acaba por ser também um dos poucos filmes a lidar com alguma componente de contemporaneidade. Sophie Thatcher é um robô forçado a lidar com a consciência da sua condição. Sophie Thatcher é um robô adulterado para cometer um crime muito humano. Sophie Thatcher é um robô mas tem sensações e sentimentos reais; e não fará isso dela um ser humano (ou, pelo menos, algo equivalente)? Todos estes dilemas de consciência são usados por Drew Hancock para servir de palco a um thriller de ocasião que tenta espremer algo de um conjunto de personagens formadas com base nos mesmos arquétipos da de Rupert Friend. Ao centralizar a personagem de Thatcher, Hancock não se ajuda a si próprio, seguindo no curso de uma acrescida dimensão sensorial que não toca quem está a assistir. Ainda assim, são os momentos com ela no ecrã que tornam Companion assistível, na forma como mimetiza a mimetização de um ser humano.

Hugo Dinis