Zoë Kravitz estreia-se na realização com um thriller de terror com comentário social. Duas amigas trabalhadoras (Naomi Ackie e Alia Shawkat) infiltram-se no grupo pessoal do bilionário da tecnologia interpretado por Channing Tatum para uns dias de retiro numa ilha privada paradisíaca onde tudo parece perfeito. O forte cast completa-se com Adria Arjona, Simon Rex, Christian Slater, Geena Davis e Haley Joel Osment. Rita Cadima de Oliveira e David Bernardino foram ver e escrevem as suas críticas a Blink Twice na Tribuna do Cinema.
The Menu. Get Out. Don’t Worry Darling. Saltburn. Zoë Kravitz mergulha desenfreadamente na obra contemporânea dos seus pares, em busca de uma inspiração suprema para a realização da sua primeira obra que apesar de inconsistente e óbvia, proporciona momentos imagéticos de relevante profundidade e criatividade. Não fazendo questão de amenizar o vínculo aos filmes nos quais se influencia, Kravitz aborda temas como a diferença de classes, as sociedades corporativas ligadas ao mercado tech, o abuso de poder e a subversão. Talvez aqui se encontrem momentos enfadonhos de alguma moralidade no que concerne ao apregoar de temas como a desigualdade e o abuso de poder, no entanto, na utilização de exploração sexual, nada soa demasiado exploitative. Blink Twice indicia a potencialidade de Kravitz vir a entregar trabalhos de uma narrativa elegante por meio de dramas inquietantes e sinuosos. Este já é um thriller perturbador, apetrechado de suspense e com uma última parte sangrenta. Não se trata de vulgaridade, mas sim da capacidade e poder de desenvolvimento de temas que são provocadores, actuais e desencadeadores de fortes emoções para a audiência. Por meio da ironia, do sarcasmo e da ousadia, Zoe oferece-nos um espectáculo de cor e charme, que de aborrecido nada tem. A sua maior falha é o argumento com pouca solidez e falhas severas. A sua aparência pouco sombria, engana. As tonalidades multicolor e refrescantes tornam-se crueis e devassas, fortemente marcadas por um lado psicológico macabro e perturbador. No fim ganha a cinematografia sedutora e manipuladora, um óptimo trabalho sonoro mas também o desempenho quase exemplar da maioria do elenco.
Rita Cadima de Oliveira
Definitivamente excitante, mas altamente inconsistente, seria a melhor forma de descrever a estreia na realização de Zoe Kravitz, ainda que fique bem patente uma certa habilidade na construção da linguagem do cinema de género. O filme capitaliza (é obcecado com) a estranheza do seu palco: uma ilha paradisíaca repleta de milionários onde tudo parece ser perfeito. A grande inspiração é evidentemente Get Out e o seu terror com comentário social, indo beber não só a essa fonte como a outros dos seus clones como Antebellum. Desde o primeiro momento que Kravitz está empenhada em dizer ao espectador que algo de estranho e sinistro se passa, mesmo sem dar propriamente pistas que alguma vez o justifiquem além da montagem do filme, arrastando esse registo de forma repetitiva durante demasiado tempo, perdendo o seu potencial de crescimento após um início forte. Rapidamente vários buracos no argumento começam a sugerir a sua inconsistência até ao momento em que finalmente o mistério é revelado, fazendo com que Blink Twice evolua para um thriller de vingança feminista que é mordaz e excitante. É aí que o filme de Kravitz funciona melhor, mascarando de forma bem sucedida a magreza do seu argumento que por vezes parece querer mudar o Mundo. Blink Twice é sobretudo sim um filme de actores, por muito que a realizadora se esforce pelo contrário, e todo o cast faz um excelente trabalho ao tornar o filme melhor do que aquilo que provavelmente é. Infelizmente, pelo final, Kravitz deixa bem claro que está mais interessada em ensinar lições sociais ao espectador do que em oferecer uma conclusão adequada ao seu thriller.
David Bernardino