Dois meses após Presence, estreia um novo filme de Steven Soderbergh. Outro exercício de género cinematográfico, desta feita um thriller de espionagem, Black Bag apresenta-se como uma produção consideravelmente mais ambiciosa e marca uma nova colaboração de Soderbergh com David Koepp, que assina o argumento. Michael Fassbender e Cate Blanchett protagonizam o casal de agentes secretos ao centro da narrativa. Ela é suspeita de traição e… Quanto menos dissermos melhor! Rita Cadima de Oliveira e David Bernardino assinam as críticas.
Black Bag é o título que Steven Soderbergh utiliza para justificar o nível de ambição e sensualidade que a premissa deste filme promete, e que apesar do elenco sólido e carismático, parece estar escrito de uma forma algo rudimentar. O argumento de David Koepp vai falhando aqui e ali, desvendando ocasionalmente a história ao espectador, mas sempre de uma forma banal e elementar, embora não deixe nunca de servir o seu propósito. Os truques de espionagem e de vigilância são os verdadeiros dadores de tensão e de uma atmosfera perigosa, sendo inegável a cadência emocional sentida até aos momentos finais. É esta ansiedade irrepreensível que faz de Black Bag um puzzle de suspeitas e traições, resultando numa dissertação sobre o conflito entre a lealdade e o amor sobre o sigilo e a ética. Privilegiando o diálogo em detrimento da acção, as voltas e reviravoltas são previsíveis mas arrojadas, a química entre as personagens é ousada, mas é a atmosfera sombria e misteriosa que é executada com sucesso, acrescentando um ambiente ardiloso a momentos que são arrastados na acção. A duração é exacta e precisa, no entanto, urge realçar o infeliz e por vezes agressivo uso da iluminação, num filme algo ambíguo e insípido, mas no qual ainda se nota o crescente amor de Soderbergh pelo cinema.
Rita Cadima de Oliveira
Para falar de Black Bag é preciso olhar para Haywire, curioso título na filmografia de Soderbergh. Nesse ano de 2011 o realizador trouxe uma nova perspectiva ao cinema de acção. Um filme minimalista, focado no movimento dos protagonistas, na emboscada, na perseguição, na coreografia, sem pulsões de adrenalina, sempre em lume semi brando. Black Bag recorda essa fórmula, agora aplicada à espionagem britânica. Não se trata de um filme de acção, muito menos de um novo Mr. & Mrs. Smith (quem se ficar pelo trailer passará ao lado) ou de uma Missão Impossível. Soderbergh prefere focar-se nas nuances da ética dos serviços secretos, construindo uma narrativa repleta de reviravoltas, novamente de forma minimalista, organizada, dir-se-ia até laboratorial. Utilizando planos de filmagem pouco ortodoxos – a pesca conjunta entre Fassbender e Regé-Jean Page em plano aberto semi subaquático – ou opções de imagem igualmente desconcertantes, como o constante flare luminoso que desnorteia os espaços fechados, Black Bag vai-se construindo como um thriller de diálogo silencioso, mas repleto de intensidade, e bem exigente para com a atenção do espectador. Por outro lado o charme e carisma característicos do cinema do realizador desfilam de forma deliciosa, com um Michael Fassbender em belíssima forma como (quase) sempre e uma Cate Blanchett camaleónica que mais uma vez demonstra porque é talvez a actriz mais magnética do cinema comercial actual. Black Bag é uma lufada de ar fresco nas regras do thriller, e o desejo é que Soderbergh continue a fazer filmes frescos assim, não enjoativos, e sem parar. O espectador agradece.
David Bernardino