Críticas a Babygirl, de Halina Reijn

EquipaJaneiro 2, 2025

O regresso de Halina Reijn após a comédia de horror Bodies Bodies Bodies, Babygirl é um thriller erótico protagonizado por Nicole Kidman e Harris Dickinson, que aborda as diferenças de idade e estatuto social entre as suas duas personagens principais. Estreado no passado dia 26 de dezembro (uma semana antes de Nosferatu, nos cartazes portugueses, e não cumprindo, assim, o prometido efeito “Babyratu”…), o filme foi visto por três críticos da Tribuna, que nos deixam aqui as suas opiniões.

 

Apesar de estar repleto de clichés e estereótipos, muito devido à obsessão cinematográfica americana de se fazer representar por ideias pré-concebidas sobre pessoas poderosas, com altos cargos e de status associados a uma acção sem sentimento, Babygirl não é só um filme erótico, é também um filme inteiramente obsessivo e psicológico. Aqui, o clássico cargo de director pérfido é representado por Nicole Kidman, uma CEO cuja carreira já atingiu um topo intransponível, mas a estabilidade familiar e profissional é posta em risco num aceso affair com Samuel (Harris Dickinson), um estagiário mais novo.  A compreensão das inclinações sexuais de Romy é vagamente associada a uma educação marginal numa espécie de culto e os limites do conhecimento da sua essência obrigam o espectador a juntar todas as peças para perceber quem é Romy, mas também tudo aquilo que deseja. O acto revolucionário e radical está implicitamente expresso na mulher mais velha que cede ao prazer, mas a necessidade de tornar patológicos estes excessos e faltas de zelo, torna Babygirl num filme pouco sedutor, minimamente arisco, q.b. suave e pouco ameaçador. A maior ironia é que Babygirl domina claramente a sua dinâmica, sabendo ampliar a sua excentricidade e a temática do adultério como algo estimulante, porém, também permite que essa tensão e excitação se dissipem nos últimos actos. A fantasia e a ansiedade andam de mãos dadas, numa crescente escalada de fantasia de alto risco, esperando-se sempre pelo precipício e pela armadilha. No seu todo, tudo faz sentido, na sua intelectualidade, a irracionalidade é limitada e aniquila as doses de violência e paixão que se pretendiam mais genuínas. É por isto que toda a luxúria e prazer são dados adquiridos ao invés de se tornarem num produto subversivo. No final, fica uma bonita estética cor-de-rosa bebé, mas esbatida num fundo algo estéril e oco.

Rita Cadima de Oliveira

 

Babygirl parece, logo à partida, uma proposta difícil de comprar. Fundado numa relação com base numa diferença substancial na dinâmica de poder, Halina Reijn pede-nos uma certa credulidade na consideração de um jovem estagiário que estabelece uma relação com a CEO de uma empresa tech. Acontece que nem o estagiário é particularmente carismático ou ousado, nem a química que mantém com a executiva é declaradamente sexual ou afectiva. Harris Dickinson, o estagiário, surge na empresa de Nicole Kidman depois de um bizarro episódio em que impede um ataque canino na via pública perante o olhar embasbacado da CEO. A sua entrada em cena parece corresponder a um desejo sexual adormecido de Kidman após anos de um casamento em piloto automático com Antonio Banderas.

A força do elenco surge como principal ponto apelativo de Babygirl, e Kidman em particular demonstra uma verdadeira devoção ao conceito conforme o entendemos à partida. As cenas com Dickinson conseguem transmitir com sucesso a sua necessidade de sentir algo mais com um certo descompromisso do estagiário. Mas ao passo que o desenlace do encontro amoroso entre os dois colocaria à partida um triângulo de forças entre Dickinson, Banderas e Kidman, Reijn opta antes por introduzir outras personagens como muletas para o empoderamento de Kidman e a desresponsabilização moral de Dickinson, simultaneamente salvando casamentos, empresas e carreiras. Para a personagem de Kidman, “something needs to be at stake” nas suas relações. Essa realização faz com que Dickinson se permita colocar numa posição de poder, ainda que periclitante, face a Kidman. Mas Reijn nunca chega realmente perto de assumir esse ponto de quebra entre todos, pelo que Dickinson, ainda que intrometendo-se na vida familiar de Kidman por diversas vezes, não chega nunca a ser um elemento realmente ameaçador da sua vida confortável enquanto CEO. Daí que a realização da traição por parte de Banderas fique sobretudo, aos olhos do espectador, como falsa. Do ponto de vista formal, este descomprometimento de Reijn encontra uma estética familiar sob a forma de um abuso consistente do handheld, até em cenas de limitada dinâmica e tensão, e uma banda sonora pródiga nos chamados “needle drops” provocatórios (INXS e George Michael à cabeça).

Na sua intenção de explorar as dinâmicas de poder no mundo empresarial face a figuras de liderança femininas, Babygirl remete também para uma reflexão sobre a transgressão: Kidman é responsabilizada por muito mais que um homem o seria na mesma posição, e isso não é apenas claro nas reacções dos homens à descoberta do affaire mas também na exploração das personagens femininas (a filha e a secretária de Kidman). Mas ao não saber definir ao certo a natureza da relação entre Kidman e Dickinson, Babygirl cai depois no desejo de querer fazer a quadratura do círculo na desresponsabilização das suas personagens. Kidman é ilibada, os seus inferiores são promovidos, e Banderas é redimido da sua condição de traído. Um terceiro acto confuso e indeciso.

Hugo Dinis

 

À superfície Babygirl é um 50 Sombras de Grey evelado (o estúdio A24 gosta muito de fazer filmes elevados, parece), explorando as dinâmicas de poder entre a CEO de uma grande empresa de Nova Iorque e um estagiário muito mais novo. O estagiário interpretado por Harris Dickinson é com efeito misterioso, servindo mais como um símbolo para o desejo sexual do que como uma personagem devidamente trabalhada. A certa altura Dickinson pede a Nicole Kidman para lhe fazer terapia, o que felizmente nunca acontece, desumanizando a sua personagem a favor de uma “causa superior”.

Babygirl não é um filme particularmente prazeroso, muito menos um thriller eroticamente interessante. Olhando para Instinto Fatal ou Eyes Wide Shut, o campeonato é deliberadamente distinto. O mais interessante em Babygirl é a forma como a realizadora Halina Reijn subverte o seu conjunto de personagens moralmente superiores, escapando apenas Banderas, a vítima no meio da questão. Todas as personagens parecem estar muitíssimo preocupadas em empoderar mulheres no seio das empresas, em criar um ambiente “seguro” dentro da hierarquia de poder, e até em assegurar que a filha encontra a namorada adequada. Estes valores das ultimamente chamadas “elites esclarecidas” das cidades democratas, como é Nova Iorque, rapidamente são aniquilados pelas personagens (e pela realizadora) quando os seus próprios interesses pessoais estão em jogo, o que faz de Babygirl um filme moralmente ambíguo ao mesmo tempo que passivamente critica a hipocrisia destas comunidades ditas esclarecidas. Já em Bodies Bodies Bodies a realizadora Halina Reijn ridicularizou as idiossincrasias e contrassensos da Gen Z, o que apenas confirma que podemos estar perante uma cineasta rebelde dentro do seio de Hollywood. Curiosamente (ou não), trata-se afinal da lente de uma realizadora neerlandesa.

David Bernardino