Críticas a Tudo o que Imaginamos como Luz, de Payal Kapadia

EquipaDezembro 19, 2024

Apresentado no Festival de Cannes deste ano, onde foi o primeiro filme indiano a ser seleccionado para a Competição Principal desde 1994 (ano em que Swaham, de Shaji N. Karun, “perdeu” para Pulp Fiction), Tudo o que Imaginamos como Luz (All We Imagine As Light) é a primeira longa-metragem de ficção de Payal Kapadia. Grand Prix (segundo prémio) em Cannes, eleito “filme do ano” pela Sight & Sound, o filme foi recebido com entusiasmo pela Tribuna. Bruno Victorino, Pedro Barriga e Miguel Allen assinam as críticas.

 

All We Imagine as Light é um belíssimo filme noturno, uma sinfonia da cidade de Mumbai em forma de retrato de três mulheres indianas em diferentes estágios da vida. Kapadia filma a refracção das luzes da cidade através dos vidros que vão compondo os quadros (transportes públicos, hospital, janelas de casa) e onde os personagens subsistem confinados, imagens lindíssimas onde abundam os tons azulados. Acusada de algum academicismo, ou mesmo aproximação ao cinema do realizador tailandês Apichatpong Weerasethakul, a verdade é que é difícil ficar indiferente à forma como Payal Kapadia filma o amor reprimido, como na desarmante cena dos baloiços entre a enfermeira Prabha e o médico. Ainda que com abordagens formalmente distintas, uma aproximação ao cinema de Pedro Costa também nos parece relevante. O marido de Prabha emigrou para a Alemanha em busca de melhores condições de vida, deixando-a sozinha, com a vida em suspenso. É difícil não nos lembrarmos das mulheres do cinema de Costa, que permaneceram em Cabo Verde e cujos maridos vieram para Portugal, para o Bairro das Fontaínhas ou Casal da Boba. Concomitantemente, também Kapadia filma as suas personagens com palpável nobreza e desmesurada empatia, independentemente da precariedade do seu quotidiano e sem recorrer a tiques miserabilistas. Depois da constante escuridão e chuva citadinas o filme vai terminar com luz, sol, campo e mar, uma mudança arrojada mas que acompanha o desenrolar dos acontecimentos narrativos. O final do filme, com o momento Copie Conforme, que deixa em aberto a sua condição mágica/realista, é um culminar perfeito, paradoxalmente amargurado mas esperançoso de um futuro mais digno e feliz para Prahba, Anu e Parvaty.

Bruno Victorino

 

O tão aguardado regresso da Índia ao Festival de Cannes, ocorrido em Maio deste ano. All We Imagine as Light é a estreia de Payal Kapadia na ficção, um filme delicado, claramente influenciado pelas suas origens no género documental. Segue a vida quotidiana de três mulheres que trabalham como enfermeiras num hospital de Mumbai. Anu, uma mulher hindu que namora em segredo com um homem muçulmano. Prabha, uma mulher casada cujo marido trabalha no estrangeiro há vários anos. E Parvathy, uma viúva na iminência de ser despejada de casa. Mumbai é como que a quarta personagem do filme, uma cidade caótica através da qual estas mulheres se deslocam – seja de comboio, metro, autocarro ou a pé. Um lugar em constante movimento que funciona como representante da atual sociedade indiana, que insiste em colocar obstáculos nos caminhos destas três mulheres. Desempenhos meigos e subtis e imagens belíssimas aliam-se para formar um filme verdadeiramente tocante.

Pedro Barriga

 

A Grande Cidade, amor e anseio por Mumbai. Seguindo as notas errantes de Emahoy Tsegué-Maryam Guèbrou, um filme de grande afecto pelas suas três mulheres (três tempos da mulher indiana), contado através dos olhos tristes de Prabha (Kani Kusruti). Três histórias de ausência, e o retrato sentimental de uma cidade e das suas gentes. Tudo no filme nos parece intrinsecamente ligado aos espaços urbanos daquela ampla megalópole, chuvosos, densos e sobrecarregados, de cerne fragmentário. Mas é com inteligência e sensibilidade que Kapadia adapta, no terceiro acto, o discurso do filme a uma nova paisagem. O desenlace anuncia-se mais esparso, mais vagaroso, desenhado a partir das ondas de um mar insondável. E uma redenção será afinal possível pelo “regresso” daquele corpo estranho, masculino, que nos chega, perdido, de outros lugares, de outros dias. Se o filme segue talvez uma estrutura algo ancorada na sua narrativa, o valor das suas histórias, o encanto das suas imagens, ou o gosto dos seus sons, não deixam de nos comover.

Miguel Allen