Como em todas as grandes sagas do cinema, o novo capítulo do universo Alien era aguardado com grande expectativa. Situado entre os acontecimentos dos primeiros filmes (de Ridley Scott e James Cameron), cabe a Alien: Romulus (e ao seu realizador, Fede Álvarez) a tarefa-chave da Hollywood contemporânea: reavivar a chama de um franchise de várias décadas, referenciando devidamente os predecessores, e, ao mesmo tempo, apresentar algo de novo e apelativo para uma enorme legião de fãs. Estará à altura? Três tribunos respondem.
Nos anos do cinema IP, um inevitável regresso “às origens” de Alien, após duas prequelas absolutamente desastrosas (ambas realizadas por Ridley Scott). Álvarez consegue aqui a proeza de evocar, num mesmo filme, os quatro primeiros volumes da saga, apesar das suas evidentes discordâncias estéticas e/ou narrativas. E será aparentemente nesse seu exercício de assumida reverência (ou oportunismo contemporâneo, claro), que o realizador encontrará a ténue marca pessoal a acrescentar à saga. Deixemos de fora Alien³ (um filme menos “autoral”, apesar do jovem Fincher), Romulus tem como cerne uma evidente homenagem aos dois primeiros filmes, à qual se injecta toda a extravagância aberrante de Alien Resurrection (Jean-Pierre Jeunet, 1997). O resultado é então um filme cujo “quadro” relembra sistematicamente Alien (Ridley Scott, 1979) e Aliens (James Cameron, 1986) – nomeadamente no desenho vintage dos cenários e adereços – mas cujos propósitos narrativos e suas repercussões estéticas, se aproximam do gosto duvidoso pelo abominável que conduzia o quarto filme da saga. Romulus é, nesse aspecto, um objecto laborioso – tanto narrativa como formalmente, como também, enfim, para o próprio espectador. Já não nos chegam os “simples” xenomorfos de Giger em espaços escuros, Álvarez recorre a inúmeros lugares comuns de uma catástrofe no Espaço para apimentar a sua narrativa (gravidade, mon beau souci…) – tudo corre mal, claro, e como agravante, temos ainda aquelas malditas baratas para tratar. Enfim, o farto pacote é completo por uma equipa de gosto teen (mais anónimo) – ainda que Cailee Spaeny nem seja muito mais nova do que Sigourney Weaver em Alien – que transporta Romulus para o contexto mais scary da filmografia deste realizador, menos científico do que os restantes filmes da saga. Mas não somente por efeito dessa sua trupe de actores, Romulus será, essencialmente, o episódio mais genérico por entre todos os “Alien”, fora as suas injustificáveis prequelas. Body horror repugnante, penetração e expulsão, alta tecnologia e escatologia, entre a fartura daqueles trinta minutos finais, e alguma fome em praticamente tudo o resto. Mediano e competente, robofóbico e anti-corporate, um filme dos nossos tempos.
Miguel Allen
Para alguém que tenha crescido com os primeiros filmes, criticar Alien: Romulus é uma tarefa particularmente difícil. O respeito e a homenagem aos primeiros dois filmes, não só mas especialmente, são notáveis, com referências várias e repetições de linguagem, ideias e set pieces que caracterizavam os quatro primeiros filmes do franchise. Os efeitos práticos são tudo o que se poderia pedir, e o clímax, por muito bizarro que seja, funciona, com Fede Alvarez a brilhar no que faz de melhor: body horror. No entanto, Alien tornou-se ao longo das décadas uma franquia tão grande que dificilmente, ou nunca, poderá voltar às suas origens minimalistas de um pequeno grupo a tentar sobreviver à perseguição de um alienígena mortal algures no espaço, parecendo estar destinado a nunca mais recapturar essa magia. Romulus tenta arduamente ser esse regresso às origens (nesse sentido é mais uma legacy sequel digna do seu tempo do que propriamente uma nova entrada no franchise) mas nunca o consegue verdadeiramente devido à inevitável espetacularidade da maioria das suas cenas, desde reinicializações de gravidade a sangue ácido, planos espaciais, passando por perseguições e bichezas escondidas através de tubos de laboratório. Tudo isso acaba no entanto por ser demasiado genérico e sem grande peso narrativo ou emocional, resultante, principalmente talvez, de um elenco fraco de personagens e da previsibilidade da trama que nunca permite que Romulus seja mais do que um horror espacial derivativo, com as suas corporações malignas e um desenvolvimento de personagens básico, mesmo que seja emocionante em alguns momentos e tenha uns quantos picos de interesse. David Jonsson faz um bom trabalho como o sintético Andy, e Cailee Spaeny é suficientemente competente no papel principal, mas no geral o jovem elenco está longe de ter o carisma de literalmente qualquer outro elenco de qualquer outro filme do franchise. Se a ideia é fazer um blockbuster (mesmo que disfarçado de minimalista), pelo menos há que arranjar alguns atores carismáticos. No final, Romulus ganha em estética, mas falha como uma experiência cativante por não correr quaisquer riscos, exceto no terceiro ato.
David Bernardino
Quarenta e cinco anos e seis filmes (a saga Alien VS Predator não é para aqui chamada) separam Alien: Romulus da obra-prima que é Alien. Se é verdade que a qualidade do franchise teve os seus altos e baixos, também é verdade que os fãs de Xenomorfos e Face Huggers aguardam com enorme expectativa e exigência o lançamento de cada novo episódio da Saga que tornou Ripley num ícone do cinema. Após a desilusão de bilheteira que foram Prometheus e Alien: Covenant (ainda que ambos tenham os seus defensores), a Disney, agora dona dos direitos de Alien, sentiu que era necessário voltar ao início, despir o filme de temas mitológicos e do criacionismo e voltar a fazer de Alien um slasher movie. Depois de Ridley Scott, Cameron, Fincher e Jean-Pierre Jeunet, a tarefa recaiu sobre Fede Álvarez que já tinha demonstrado a sua competência, não só em filmes de terror (Don’t Breathe), como também em filmes que pertencem a franchises (Evil Dead). Alien: Romulus é um sci-fi de terror, com uma estrutura de casa assombrada, e com um esqueleto similar a outros filmes da saga Alien. Uma equipa de jovens colonizadores, liderados por uma Cailee Spaeny (que está a ter um 2024 de sucesso com Civil War e Priscilla), e acompanhados por um andróide defeituoso (David Jonsson), embarca numa nave abandonada na esperança de fugir do seu planeta natal. As duas personagens principais têm uma dinâmica interessante, e tanto Spaeny como Jonsonn são convincentes como protagonistas. Porém, o resto do elenco não se destaca, as personagens são pouco definidas e falha redondamente na introdução de uma nova (antiga) personagem. O ponto forte deste filme está na destreza com que Álvarez consegue criar um ambiente tenso e envolvente, onde as cenas de ação são bem construídas e aproveitam bem o espaço da nave. O final, em particular, ficará na memória dos fãs da saga, que ao longo do filme são recompensados com vários easter eggs e momentos de fan service. A saga Alien é muito interessante na medida em que, tal como o ADN do Xenomorfo, está constantemente em mutação: Ridley começou com um filme de terror, Cameron com um dos melhores filmes de ação, Fincher queimou o legado deixado por Aliens e criou uma das sequelas mais sombrias no cinema de blockbuster. No entanto, apesar de alguns momentos altos, Romulus parece pouco ambicioso, derivativo do que veio antes e sem grande ideia do que virá depois.
Francisco Sousa