Pela sua filmografia, muito interessada em perpetuar a figura de um homem “trabalhador”, Jason Statham já foi muita coisa. O mecânico, o espião, o transportador, rápido e furioso, mercenário descartável, ou o mais simples apicultor. Mas, acima de tudo, um “duro de roer”, um homem comum confrontado com circunstâncias extraordinárias. Na sua nova colaboração com David Ayer (Fury, Suicide Squad, The Beekeeper), Statham tem potencialmente o seu papel mais adequado. Ele é pura e simplesmente A Working Man, (“Um Trabalhador Implacável”, atenção) fundindo-se na massa blue collar onde o espectador certamente se identificará. Com argumento co-escrito por uma das musas de Statham, Sylvester Stallone (também creditado como co-produtor), o filme tem tudo para se tornar num novo “clássico” do actor. Um filme de homens a sério, que trabalham. Hugo Dinis e David Bernardino foram ver até que ponto A Working Man era também sobre e para eles.
Não é difícil de compreender o que fez de The Beekeeper, a anterior colaboração entre Jason Statham e David Ayer, tão apelativo neste clima social. Se dúvidas houvesse, a Luigimania do final do ano passado tornou-o evidente: o povo quer ver CEOs e os mais variados tipos de techbros endinheirados de Silicon Valley a passarem por indisposições permanentes. A Working Man, escrito a meias entre Ayer e Sly Stallone, reconhece a fórmula, mas apenas em parte: aqui Statham recupera a nobreza da profissão liberal produtiva, representando desta feita um trolha da construção civil. Statham é um trabalhador que põe as mãos na massa e constrói coisas de verdade, tal como o apicultor, e nunca como um mediador imobiliário ou um representante da Wizink. Contudo, o alvo da sua fúria, ainda que marcado sempre pelo sentimento de injustiça pessoal (a filha de Michael Peña foi raptada e ele está que nem pode), não são techbros multimilionários, mas mafiosos russos. Com um alcance monstruoso, Statham vai ceifando as diversas camadas das famílias de tráfico do país de Putin com a mesma naturalidade com que faz reboco com argamassa. Mas à medida que os vilões se vão tornando crescentemente inacreditáveis – e aqui começamos com a tradicional chefia intermédia que casualmente agride a própria mulher à mesa de pequeno almoço e acabamos com um supervilão superpervertido, acompanhado por membros dos Sisters of Mercy e por um Rui Bandeira gótico – também A Working Man descamba para a incoerência de um guião retirado dos sonhos febris de José Milhazes. É certo que o irrealismo é terreno fértil para o tipo de violência de fato e gravata de Statham, sempre mais à vontade na insanidade de Crank que na fórmula de Expendables. Mas este tipo de abordagem é sempre mais eficaz no absurdismo do que no simples rocambolesco, pelo que A Working Man apenas vai multiplicando os vilões com retornos decrescentes sem nunca querer ser mais do que uma explosão de luz e violência revanchista sub-John Wick.
Hugo Dinis
Depois de ter sido mecânico, espião, mergulhador e apicultor, Statham tornou-se agora trolha. O filme de David Ayer segue obviamente a fórmula habitual de um tipo de vigilante que resolve tudo à pancada e à bala contra inimigos da máfia russa, mas desta vez falta-lhe o engenho e o subtexto social e cultural que muitos dos filmes anteriores com Statham apresentavam. Talvez por ter sido escrito parcialmente por um Stallone pouco inspirado, que por vezes parece acreditar que ainda estamos nos anos 80. A Working Man é demasiado anos 80 para o seu próprio bem — cru, confuso e, por vezes, violentamente gratuito, numa tentativa algo falhada de encontrar o seu lugar ao lado de John Wick. É pena que não se consiga apreciar plenamente as coreografias de luta devido à má edição, tornando este que poderia ser um filme de ação marcante numa das entradas mais fracas do sempre carismático catálogo de Jason Statham. Na verdade, com os nomes envolvidos, não faz muito sentido que o filme não seja pelo menos agradável. De qualquer forma uma coisa é certa (duas, vá): existem palavrões a rodos e existe uma super lua cheia maior que a de Sam Raimi em Evil Dead.
David Bernardino