O actor Jesse Eisenberg regressa com a sua segunda longa-metragem enquanto realizador. A Real Pain (“A Verdadeira Dor“, numa infeliz tradução portuguesa) segue dois primos (Eisenberg e Kieran Culkin) numa viagem de descoberta do seu legado familiar na Polónia, após o falecimento da avó. O judaísmo na Europa, o Holocausto, e as nossas disfunções familiares são os grandes pilares da narrativa deste filme, que teve ante-estreia no festival de Sundance, e estreia agora em Portugal, após uma passagem pelo Leffest, em Novembro passado. Acreditando que este é um título que “pode surpreender” nas nomeações ao Óscar de Melhor Filme, três tribunos foram vê-lo.
Após a IIª Guerra Mundial, a América recebeu e acolheu inúmeras nacionalidades europeias, que viram neste enorme pedaço geográfico uma cura e renovação para a causa judaica. A família dos primos Benjamin e David não foi excepção. Após a morte da avó Dory, os primos reúnem-se para uma derradeira viagem de homenagem à matriarca, partindo para a Polónia em sua honra e memória. É na herança física e cultural, no património familiar e no legado humano que ambos se inspiram para esta jornada de partilha. Jesse Eisenberg, que actua e realiza, consegue entregar um filme analítico, sem falhas e sarcástico, mas extremamente seguro, não conseguindo ser suficientemente arrojado. Tudo nele é expectável e prevísivel, da banda-sonora às animadas cenas de reviravolta quando as velhas tensões da dupla ressurgem e soam algo forçadas. Tendo sempre como pano de fundo a história da família, A Real Pain acaba por explorar pouco a dor, seja a do luto, a da perda, a da memória ou da saudade, ficando sempre pela superficialidade a navegação em conceitos e emoções ligados à morte, à melancolia e à depressão.
Rita Cadima de Oliveira
Jesse Eisenberg assume a realização, e metade do protagonismo, que partilha com Kieran Culkin, neste soul searching drama acerca de dois primos que decidem visitar a Polónia, de onde era originária a sua avó, que emigrou para os Estados Unidos, após ter sobrevivido ao holocausto. O filme é bem intencionado e bem executado de uma forma geral, mas não consegue escapar ao selo naïf, educacional e autocrítico da experiência que é visitar o local onde as maiores atrocidades alguma vez cometidas pelo Homem ocorreram. Os momentos de comédia e drama são insistentemente interrompidos por esse raciocínio pedagógico, apontado sobretudo para um público americano em luta interior com as suas raízes e a experiência migratória. Kieran Culkin demonstra, mais uma vez, que é um actor de capacidade acima da média, mas Jesse Eisenberg não consegue, outra vez, sair do estereótipo nerd antissocial que justifica a sua vida “aborrecida” pelo facto de ter que crescer e ultrapassar certos traumas. Culkin será o oposto disso, o primo excitante em luta com a sua própria herança e privilégio. A Real Pain traz a lição bem estudada e é um filme claramente com uma missão. Isso retira-lhe todo o espaço para respirar e crescer emocionalmente, tornando-se antes frio e ensaiado. A banda sonora de piano clássico, imensamente invasiva, também não ajuda a afastar uma certa aura de pretensão cultural e, mais uma vez, educacional que o filme deseja ter. Um filme absolutamente razoável, de belo efeito, mas, como o seu protagonista, manchado pela sua total ausência de risco e sentido de descoberta.
David Bernardino
Eisenberg convence. Em A Real Pain o (agora) realizador consegue até afastar-se da figura de “faux Woody Allen” que tem vindo pouco a pouco a construir, tanto em filme como na sua obstinada persona de actor famoso. Allen ainda assombra este filme, claro, que de resto se integra facilmente num certo “método” indie americano, mas Eisenberg desvincula-se em parte do molde ao colocar as suas figuras americanas (aqui não exactamente nova-iorquinas) na Europa tentando, in situ, estabelecer um discurso sobre a memória do Holocausto (ou de uma qualquer outra grande perda – seja ela humanitária ou simplesmente pessoal). Como nos melhores momentos de (desculpem-nos) Woody Allen, é com facilidade que nos vamos identificando, pouco a pouco, com as manias e opiniões daqueles dois primos, e não é sem um, por vezes, despretensioso deleite que seguimos as inevitáveis contradições morais daqueles turistas (essa personagem asquerosa das nossas paisagens contemporâneas) num lugar fundado pela morte. Se o perturbado “Benji” de Culkin, tão cativante quanto frágil, rouba o foco emocional do filme a um David (Eisenberg) tão intrinsecamente medíocre, será afinal aquele sol amarelo leitoso do Verão polaco, que nos fica mais presente no espírito. Ocasionalmente comovente, um filme que não precisa de assim tanto para funcionar – o que, só por si, é uma qualidade importante.
Miguel Allen