Durante o decorrer deste mês de Janeiro, a Tribuna do Cinema esteve presente no MONTANHA Pico Festival, um festival de cinema de ficção e documentário focado especificamente na cultura montanhosa, na cultura açoriana e na Ilha do Pico. Fomos também parte dos convidados para o Encontro Audiovisual Açoriano, enquadrado no primeiro fim-de-semana do festival. O aftermovie oficial do festival, que documenta a nossa passagem, está disponível aqui.
Esta foi a 11º edição do festival MONTANHA, que em si se insere numa temporada cultural que dura todo o ano e engloba outros festivais – o sistema assemelha-se a uma espécie de matriosca, mas explicamos a história:
Há 13 anos atrás, o encenador, artista e programador cultural Terry Costa voltou do Canadá para a sua terra natal do Pico e fundou a associação MiratecArts, focada em “promover os Açores com arte e artistas”. Principiou a criação de uma temporada de eventos tão completa que engloba o ano inteiro: inicia-se com o Festival Montanha (que vai na 11º edição) e o Encontro Audiovisual Açoriano (esta foi a 2ª). Em Maio e Junho acontece o Azores Fringe Festival, com exibições de filmes e eventos em todas as nove ilhas do arquipélago.

Julho e Agosto têm os festivais Música no Forte e Lavadias – Cinema ao Ar Livre, em Novembro o Azores Bird Watching – Festival de Artes, e no último mês do ano o festival de animação AnimaPix. Não é tudo: a MiratecArts também promove e protege, por exemplo, o projecto Sorrisos de Pedra, um conjunto de dezenas de pedras com sorrisos esculpidos espalhadas pela ilha.
A iniciativa de Terry Costa foi considerada pelo Governo Regional dos Açores como de utilidade pública; tudo isto engloba um esforço colossal de programação, assim como uma criação constante de novo público, num sítio tão inusitado como a Ilha do Pico: era importante para nós ir conhecer o festival.

A nossa estadia na Ilha começou na noite de Sexta-Feira, 3 de Janeiro, abertura do festival MONTANHA e início do 2º Encontro Audiovisual Açoriano. Depois de um lanche e de fotografias de grupo, iniciámos, juntamente com Rui Tendinha de CineTendinha, Hugo Gomes de Cinematograficamente Falando e Matilde Sousa de Magazine HD, e com Terry Costa, o director do festival, o painel O Cinema: Críticos, Jornalistas e os Orgãos de Comunicação Social.
Pode uma iniciativa como o Encontro Audiovisual Açoriano atrair público e visibilidade para um segmento tão periférico do sector audiovisual português? Como trilhar o caminho para um sucesso da área audiovisual nos Açores? Qual o papel da nossa presença, da Tribuna do Cinema e dos restantes, num festival como este? E que lições podemos aprender com esta iniciativa e a sua insularidade?

Estas foram algumas das questões que debatemos durante a hora seguinte, com excelente igualdade de intervenção por parte de todos, perante o público que já se encontrava no Auditório da Madalena do Pico para nos escutar.
Terminada a conversa, estava na hora do filme de abertura, A Mulher que Morreu de Pé, de Rosa Coutinho Cabral, cineasta açoriana que desconhecíamos, e que nos presenteou com esta excelente obra, contemplativa, experimental e de profundo interesse cultural: trata-se um ensaio livre, entre Lisboa e São Miguel, que tenta mapear uma cartografia artística e poética de Natália Correia, importante poeta e política portuguesa.

A realizadora começa, entrando no filme, por seguir uma mulher pelas ruas de São Miguel. Está à procura de Natália, diz-nos, e esta mulher é estranhamente parecida com ela.
Depois, estamos na escuridão de um bar antigo. Compreendemos que foi colocada uma chamada de casting para um filme sobre Natália Correia. João Cabral, Joana Seixas, Hugo Mestre Amaro, Soraia Chaves, Paula Guedes e outros actores portugueses aparecem, um a um, a serem entrevistados pela realizadora. “Quem é a vossa Natália?” pergunta-lhes. A entrevista será para um espectáculo de teatro, composto inteiramente por versos e citações de Natália. Também isto faz parte do filme.

As próprias entrevistas, encenadas, juntam-se ao mosaico de uma realizadora a fazer um filme sobre uma figura que já não está entre nós – não interessado numa biografia mas mais numa fantasmagoria: a presença de Natália Correia e dos seus versos nestes actores e actrizes, nas suas interpretações, nos espaços (visitamos a certo ponto os ocupantes actuais do famoso apartamento onde Natália organizava serões culturais e políticos), e na ilha. Numa das cenas mais brilhantes do filme, uma carrinha transporta todo o elenco pelas ruas de São Miguel. Um deles dorme, a colega pergunta-lhe se sonha com Natália. Outros espreitam para fora das janelas da viatura, a ver se vêem a escritora.
Mais tarde, irão juntar-se todos numa esplanada a conversar em verso. A senhora parecida a Natália continua a andar pela ilha, elusiva.
Um trabalho ímpar e para nós o grande filme do festival, de uma cineasta que queremos absolutamente conhecer melhor.

No dia seguinte, Sábado 4 de Janeiro, os presentes juntaram-se na Biblioteca do Auditório Municipal da Madalena para uma conversa sobre as “provocações, tribulações e estórias do audiovisual açoriano”. Entre nós encontravam-se vários realizadores e realizadoras açorianos, num espectro de actividade que ia desde a videografia ao artfilm experimental: foi um prazer constatar esta riqueza, e os membros do grupo partilharam as suas histórias sobre as dificuldades e idiossincrasias inerentes a filmar no arquipélago.

De seguida, aconteceu a sessão de Competição de Videoclips Açorianos, da qual fomos júri, juntamente com os restantes membros do painel da véspera. David Medeiros ganhou, com o seu videoclipe para o cantor Romeu Bairros, “Calços da Maia”.
Às 16:00 celebrou-se a gala de abertura oficial, com direito a passadeira vermelha. Houve fotografias, bolo, licor de nêveda, bolo lêvedo e queijo da Ilha do Pico, tudo delicioso.
O filme que marcava a ocasião, em ante-estreia, era First Date, a primeira curta-metragem de Luís Filipe Borges, projecto que no ano passado vencera o concurso de apoio à produção CURTA PICO – mais uma iniciativa da associação MiratecArts. Ao combinar financiamento providenciado por cada um dos três municípios da Ilha do Pico, a bolsa premeia um projecto vencedor com o orçamento suficiente para rodar uma curta-metragem, com a condição de que o cenário seja a Ilha do Pico, preferencialmente incluindo talento profissional e a comunidade da Ilha e dos Açores.

Esta iniciativa é uma incubadora de talento num sítio e em condições únicas, e resultou, nesta primeira experiência, num belo filme de Luís Filipe Borges, uma romcom sobre uma americana que vem visitar o Pico e o bem-parecido picaroto que a quer impressionar… ou assim parece à primeira vista. O filme arrancou gargalhadas por inteiro numa sala quase lotada e é de uma constante e bela homenagem à Montanha e à Ilha.
Ainda de tarde, tivemos os PAA! Awards – Prémios Audiovisuais Açorianos 2025. Augusto Fraga, realizador e guionista açoriano, foi reconhecido pelo marco importante destes últimos anos que foi o seu projecto Rabo de Peixe; a actriz Ana Lopes foi reconhecida pelo seu trabalho no pequeno e grande ecrã. O jornalista Sidónio Bettencourt foi também premiado no contexto da sua carreira e a série para a RTP Caixa Negra, de Luís Filipe Borges e Luís Godinho, uma “arca de memórias açorianas” que documenta testemunhos de idosos de cada uma das ilhas, venceu o prémio Série.

De noite, uma sessão de curtas-metragens rodadas na Ilha do Pico atravessaram quase o milénio, do seu início até agora: A Olhar para Cima (2003) de João Figueiras, North Atlantic (2010), de Bernardo Nascimento, e Spirits and Rocks, an Azorean Myth (2020) de Aylin Gökmen.
O fim-de-semana aproximava-se do fim, e a manhã raiou no Domingo, dia 5, com uma visita guiada à Galeria Costa da MiratecArts, uma galeria ao ar livre, numa intersecção entre espaço cuidado e selvagem, onde habitam inúmeras obras de arte efémeras, expostas aos elementos, deixadas por artistas de todo o mundo que visitam e ficam uma temporada no Pico.
No auditório da Madalena nesse dia, a inaguração da exposição fotográfica “Avôs e Avós da Montanha”, de Luís Godinho, com vários dos membros da comunidade retratados presentes para ver e levar como recordação as suas fotografias.


O resto do dia foi de muito cinema, com mais uma dezena de curtas açorianas.
Destacámos:
– o trabalho de MJ Sousa, cineasta documental, e o seu enternecedor Sabrina, curta-metragem que imagina o diálogo interior de uma vaca num dos concursos de beleza dedicados a este animal na ilha de São Miguel;
– Santa Rita Dream a curta-metragem de estreia de Diogo Rola, com argumento de Alexandre Borges, sobre um caso romântico entre uma açoriana e um soldado da base americana da Terceira, durante a guerra.
– as duas curtas de David Pinheiro Vicente (O Cordeiro de Deus e Os Caçadores), cineasta natural da Terceira – a última tendo ganho o prémio de Melhor Realização em Vila do Conde agora em 2024.
e Fábio Quintiliano on Youtube, curta-metragem do casal Sara Massa e Martim Morais que acompanha a sua tentativa de encontrar um peculiar youtuber da Ilha de São Miguel que publica estranhos vídeos com menos de dez visualizações.

Esta sessão fechou o fim-de-semana, o Encontro Audiovisual Açoriano e a programação na Vila da Madalena, mas o Festival Montanha continuou o mês todo, estando ainda por terminar.
Todas as Terças-Feiras as sessões, de curtas ou longas-metragens, têm sido no Museu dos Baleeiros, nas Lajes do Pico, e todas as Quintas-Feiras no Auditório Municipal das Lajes do Pico.
As últimas sessões são hoje, com um conjunto de curtas não-portuguesas com temáticas relacionadas com montanhismo, e na próxima quinta-feira dia 30 de Janeiro, com as últimas curtas portuguesas do programa, incluindo Gardunha de Ana Vilela Costa, que estará presente para a apresentar.
O festival foi excepcional, e inspirámo-nos muito com a força e a obstinação desta iniciativa tão remota aqui à capital. Podendo, a Tribuna do Cinema fará por voltar, mantendo a sua presença nas iniciativas de todas as dimensões relacionadas com cinema, pelo país.
