Fogo Fátuo (2022) de João Pedro Rodrigues é categorizado pelo próprio autor como uma Fantasia Musical. Mas é mais do que isso. É também um filme crítico, provocativo, homoerótico, bastante gráfico e musculado, repleto de momentos constrangedores mas muito interessantes. Considerando os aspectos técnicos, esta obra associa-se ao género musical visto que é constituída por diversos momentos melodiosos e coreográficos. Aqui, a música não desempenha tanto um papel de entretenimento mas principalmente de simbolismo e mensagem emocional. Além disso, é também um filme com requintados toques de humor e algum sarcasmo, denotando-se reiteradamente a sua veia crítica. Por outro lado, a fotografia faz lembrar as pessoas comuns mas vistosas que Martin Parr tanto reproduziu, sobretudo pela estética e a presença constante da cor (vermelhos e azuis) ao longo da narrativa.
Em suma, a espinha dorsal do filme retrata a história de um príncipe herdeiro que contrariamente ao seu destino pré-definido, foge da educação rígida e conservadora parental com o intuito de se tornar bombeiro. De facto, a premissa parte de uma família nobre, adaptada aos tempos modernos, na qual o descendente descobre que profissionalmente se quer tornar num Soldado da Paz. Por isto, podemos claramente assumir que o realizador se inspirou em D. Duarte Pio de Bragança e seu séquito real. Após alguma resistência da família aristocrata, ao jovem príncipe Alfredo é-lhe permitido dar azo à sua aspiração. Quando ingressa no quartel, é no primeiro contacto com o novo ofício que Alfredo conhece Afonso, um jovem que lhe dará outro conhecimento da vida, a sentimental, do desejo e do prazer por oposição à instrução retrógrada e severa dos seus pais.
Com efeito, através da incorporação da temática do fogo, comummente relacionado com a figura do bombeiro-alfa, satirizado como símbolo da destreza e da virilidade, este filme expõe a relação física e erótica entre dois bombeiros, um iniciado, outro com visível experiência no desempenho da função. Simultaneamente, nesta obra são abordados diversas assuntos e questões que constituem problemáticas mundiais de relevo, sendo elas, mais especificamente, o aquecimento global e os incêndios mas também muitas outras de cariz social como o racismo; o colonialismo; a república vs. monarquia; a noção de classe, status e hierarquia. Outro dos seus tópicos com mais enfoque está relacionado com a meritocracia nas profissões ligadas a cargos públicos.
Efectivamente, o propósito da cinematografia caminha a par da sátira, coordenando ironia com notas de estereótipos, clichés e situações de privilégio social. Na verdade, todas estas questões são focadas de uma forma bastante vigorosa e robusta. Além disso, este filme é dançável sem ser maçante. O seu lado musical não peca pelo exagero. Por fim, um breve apontamento para o facto da obra estar carregada de referências históricas nacionais, o que poderá tornar algumas alusões incompreensíveis para outras nacionalidades que visualizem o filme.