Berlinale 2025

Pedro BarrigaFevereiro 26, 2025

Foi uma edição fria esta última da Berlinale, o Festival de Cinema de Berlim (13 – 23 Fevereiro 2025). Tanto pelo frio que congelou a cidade alemã (em contraste com os dias solarengos de 2024), como pelos filmes da seleção oficial, cuja qualidade não aqueceu os espectadores. De entre os 19 filmes que compuseram a Competição Principal, assisti a 4 e deixo aqui as minhas impressões.

 

Dreams, de Michel Franco

Foi com agradável surpresa que, passada a primeira hora de Dreams, reconheci que neste seu novo filme Michel Franco não tinha sucumbido ao seu habitual modus operandi de chocar só por chocar. Não que estivesse a gostar particularmente do filme, mas pelo menos este era tolerável, especialmente comparado com o seu anterior New Order, um filme de um mau gosto abominável. Mas mais devagar! Na última meia hora de Dreams, Franco fica farto de tantas sequências de ballet e conclui que o que o seu filme precisa é de uma cena de violação. É uma viragem narrativa abrupta que atraiçoa as personagens aprazíveis, enquanto promove as desprezíveis. É gratuito, degradante e insensato – logo, um filme de Michel Franco.

 

Hot Milk, de Rebecca Lenkiewicz

Lamento informar que este leite passou o prazo de validade. Uma relação mãe-filha turbulenta, mas não muito interessante – ou pelo menos mal dramatizada. As três actrizes principais (Emma Mackey, Fiona Shaw e Vicky Krieps) dão o seu melhor, mas o argumento não ajuda. As personagens não são bem desenvolvidas e parece que o seu único propósito é expôr traumas de infância que fazem revirar os olhos a qualquer um. Torna-se impossível não nos questionarmos se é o romance de Deborah Levy que é mau ou se foi a adaptação de Rebecca Lenkiewicz – provavelmente, a segunda opção. Em suma, uma estreia na realização decepcionante, não só visualmente insípida como emocionalmente oca.

 

If I Had Legs I’d Kick You, de Mary Bronstein

Rose Byrne interpreta uma mãe à beira de um ataque de nervos. Quando parece que as circunstâncias trágicas que a rodeiam são tão más que ela não aguentará mais, Byrne é levada ainda mais ao limite. Produzido por Josh Safdie, If I Had Legs I’d Kick You é verdadeiramente a versão maternal de Uncut Gems. Ambos os filmes são geradores de ansiedade, de tal forma que se sai da sala exausto, sem que isso comprometa a experiência estimulante e cómica que é assistir a estas obras. Para este efeito muito contribui a interpretação excelente de Byrne, talvez o papel mais dramático e impressionante da sua carreira. Uma breve saudação ao A$AP Rocky, que é deveras convincente e cativante no papel de empregado de motel.

 

Blue Moon, de Richard Linklater

O meu filme preferido desta edição da Berlinale. Algo surpreendente que o júri do festival lhe tenha atribuído o prémio de Melhor Interpretação Secundária (para o ator irlandês Andrew Scott), quando o filme vive do argumento e do ator principal. O escritor Robert Kaplow, veterano que aqui assina o seu primeiro guião para cinema, propõe uma história deliciosamente mordaz sobre o letrista Lorenz Hart. É de dimensão simples – trata-se de uma só noite em um só local – mas muito bem conseguida. A interpretação de Ethan Hawke é grande com G maiúsculo, mas nunca exagerada. São várias as vezes que nos comove com o seu retrato de Hart, tanto alegre como triste. Por último, é sempre gratificante testemunhar mais um capítulo da parceria criativa entre Linklater e Hawke. Uma dupla realizador-ator verdadeiramente fantástica.

 

Pedro Barriga