Beetlejuice Beetlejuice, de Tim Burton: os fantasmas ainda se divertem

Carla RodriguesSetembro 19, 2024

Beetlejuice Beetlejuice é uma sequela talvez desnecessária, mas relativamente bem-sucedida de um dos filmes mais excêntricos que os anos 80 nos ofereceram. Repleta de rostos familiares e da assinatura gótica de Tim Burton, resta responder à dúvida sobre se este novo capítulo consegue lançar o mesmo feitiço que o original.

Sinopse : passados 36 anos, regressamos à pacata cidade de Winter River (agora ligeiramente gentrificada), onde três gerações da família Deetz se reúnem após uma inesperada tragédia familiar. Lydia Deetz (Winona Ryder) trocou o seu ennui gótico por uma preocupação quase neurótica com a frágil relação que mantém com a filha adolescente, Astrid (Jenna Ortega). Quando a cética Astrid tropeça inadvertidamente nos assuntos do Além, não demora até que o maníaco bio-exorcista Beetlejuice (Michael Keaton) regresse para agitar de novo a vida das três gerações da família Deetz.

Em termos de humor e bizarria, Beetlejuice Beetlejuice quase consegue atingir o patamar do original. Fica ligeiramente abaixo porque a frescura do humor do original já não existe. A fidelidade deste novo filme ao material original funciona como uma faca de dois gumes: ao preservar a identidade, o visual e a essência que marcaram o filme de 1988, acaba por falhar em oferecer uma sensação de novidade.

Apesar disso, um dos maiores trunfos deste filme é o design de produção e os efeitos visuais. A imaginação de Tim Burton volta a brilhar após alguns projetos menos inspirados, embora seja evidente que as criações aqui apresentadas acabam por ser apenas uma versão refinada do que a sua mente jovem e criativa já nos tinha oferecido em 1988. Fica a questão sobre se Burton conseguiria criar o universo de Beetlejuice de raiz se o fizesse hoje em dia. Mas pondo de lado esse toque de cinismo, as sequências visuais são muito bem feitas. É com alívio que constatamos que o filme não é um festim espalhafatoso de CGI, mas sim uma mistura eclética de efeitos práticos – que até inclui uma sequência deliciosa em claymation – com CGI discreto e usado cirurgicamente. O resultado é um filme palpável, em que os cenários têm peso, dimensão e personalidade.

O enredo, por outro lado, padece de algumas inconsistências. Embora Beetlejuice Beetlejuice revisite os temas do original de forma eficaz, a narrativa é dispersa, faltando-lhe a coesão e a simplicidade que tornou a história do primeiro filme tão envolvente. Alguns elementos, como as novas personagens – em particular a de Monica Bellucci – e os seus subplots, são muito pouco desenvolvidos. Apesar disso, essas dispersões escondem algumas surpresas bem vindas: por exemplo, uma homenagem ao mestre do terror italiano Mario Bava, e uma referência que pode ser ou ao clássico Braindead de Peter Jackson, ou ao série B It’s Alive de Larry Cohen. Seja como for, são pequenos easter eggs que recompensam os fãs do cinema de terror e fazem com que não nos incomodemos tanto por nos desviarmos do caminho de vez em quando.

Michael Keaton continua a ser fascinante como Beetlejuice. Keaton regressa ao papel com a mesma energia maníaca do filme original, e é revigorante ver o entusiasmo com que se entrega à personagem após todos estes anos. Fica claro o prazer que sente em interpretar este demónio irritante, abusadão, inconveniente e histriónico, tornando impossível não nos rendermos a uma performance tão deliciosa. Tal como no original, Beetlejuice é utilizado com moderação, o que funciona a favor do filme. Ao reservar as suas aparições para momentos estratégicos, Burton garante que a presença dele nunca se torna cansativa. Cada cena com Beetlejuice acaba por parecer um pequeno clímax cinematográfico, já que o vemos tão poucas vezes que cada aparição se torna um acontecimento especial.

Beetlejuice Beetlejuice

O restante elenco – das caras familiares (Winona Ryder e Catherine O’Hara são sempre divertidas de ver) às caras novas (Jenna Ortega encaixa que nem uma luva neste universo) – carrega muito bem os seus papéis. Quase não empalidecem perante um Keaton genial que ameaça roubar o filme sempre que dá um ar da sua graça. Catherine O’Hara, em particular, oferece uma interpretação que quase rivaliza com a de Beetlejuice no terreno cómico. Delia Deetz, que no original era uma arrogante aspirante a escultora, agora é uma artista moderna estabelecida. Continua arrogante e egocêntrica, mas a sua versão mais recente revela uma faceta mais humana, com uma vulnerabilidade bem-vinda (apesar de comicamente performativa, por vezes). De relação remendada com a enteada Lydia, há uma certa doçura na forma como estas duas personagens, anteriormente sempre em desacordo, agora se entendem e se relacionam com uma maturidade que só quem passou em conjunto por tanta bizarria pode alcançar.

O filme mantém um ritmo dinâmico, mas a falta de consistência na história impede que todas as partes sejam tão cativantes como deviam. A multiplicidade de subplots sobrecarrega frequentemente o enredo, e dispersa a nossa atenção. Não é que esses subplots sejam particularmente complexos ou difíceis de seguir – o problema é que são tantos que o overload de informação se torna uma distração. O caos excessivo e a confusão dos novos elementos podem causar a sensação de que algo se perdeu no caminho. Beetlejuice Beetlejuice é uma viagem turbulenta ao Além que, embora não falhe em entreter, não consegue propriamente alcançar o mesmo equilíbrio que o seu antecessor. O final deixa a porta aberta a mais uma sequela e, depois desta experiência, talvez não devamos ter receio de que isto eventualmente se torne numa trilogia. Afinal, o nome de Beetlejuice tem de ser invocado três vezes para surtir efeito.

Carla Rodrigues