Beaubourg, Centre d’Art et de Culture, de Roberto Rossellini

Enrico ManciniJulho 1, 2024

Em 1977, um dos maiores cineastas de todos os tempos, Roberto Rossellini, morre com um filme ainda inacabado. Trata-se de Beaubourg, Centre d’Art et de Culture, que é uma das obras primas esquecidas, no mínimo pouco revisitadas, do mesmo diretor.

O Centre National d’Art et Culture Georges Pompidou, apelidado familiarmente, em Paris, de “Beaubourg” devido à zona da cidade onde foi construído, foi o primeiro museu de arte moderna e contemporânea da Europa. Aberto em janeiro de 1977, Rossellini foi convidado a fazer um filme sobre essa inauguração – trata-se então, de um filme encomendado. Isso cria um cenário interessante. Filmes encomendados tendem a ser mais restritivos, porém esse não é o caso. Trata-se, nas palavras do próprio diretor, do filme em que ele teve maior liberdade na carreira – isso tem muita relação com o excêntrico projeto estético (e portanto social) do museu, mas isso é outra história. Sobre a singularidade do museu, ver o primeiro plano do filme, em que a câmera faz um movimento passando por toda a antiguidade parisiense, até chegar na “fábrica horrível”, uma verdadeira aberração arquitetônica no meio da cidade.

Rossellini convida a melhor equipe de filmagem que se poderia ter, e treina exaustivamente cada movimento de câmera. Movimentos esses, que são a marca do filme. A câmera não pára, incansável, e encontra no movimento a inscrição fílmica do projeto do museu: síntese > unidade. O movimento treinado, porém, não engessa. O movimento não enlaça a câmera a um projeto previamente concebido, antes pelo contrário, permite o respiro a partir do desvio do caminho imaginado, o que gera momentos que “ultrapassam a fatura de conjunto do filme e se inscrevem na memória como impressões frescas e novas vindas do mundo e de sua realidade”.

Para que a crítica não se estenda muito, vamos aos pontos principais, já que um trabalho exaustivo sobre o filme pode ser feito em outro momento:

1. Rossellini é o verdadeiro cineasta arquitetônico, inclusive mais que Antonioni – já que o último precisa da presença da figura humana para dimensionar as imagens (palavras de Luiz Carlos Oliveira Jr).

2. As semelhanças com Jacques Tati, para mim, vão além da já tão mencionada relação com Playtime (1967), tocando também em Forza Bastia (1978) – tal como Beaubourg, Centre d’Art et de Culture (1977), um documentário encomendado, feito a um ano de diferença, e último filme do seu cineasta (que, à semelhança de Rosselini, foi um dos maiores do seu país).

3. Rossellini suspende a decupagem padrão quando entra na biblioteca, para mostrar planos em primeira pessoa dos visitantes usando o microfilme disponível no museu. Um momento de identificação. A biblioteca me parece um filme à parte, se conectando com o interesse enciclopédico do cineasta (que vai primeiro aos livros, depois às obras expostas) exposto anteriormente, quando ele vai para a televisão.

Obs: Gratidão ao Luiz Carlos Oliveira Jr. e ao Cineclube Movimento, que faço parte, por passarem esse filmão no dia 18 de maio. Todo o texto surgiu da discussão feita após a exibição.

Enrico Mancini