Este artigo contém spoilers
O caráter implosivo do filme “As Bestas” provém da sua estrutura repetitiva. O conflito é um só e, ao longo do filme, se mantém inalterado. Os fazendeiros locais, galegos, hostilizam os recém-chegados franceses que se instalam no território e praticam um estilo de vida alternativo. Nenhum dos dois é bem-vindo (nem estrangeiros nem práticas alternativas), interfira ou não nas tradições milenares que permeiam aquele lugar. A primeira cena já estabelece esse conflito, e desde então estamos sujeitos a uma escalada gradual de violência e tensão. Rodrigo Sorogoyen escolhe uma abordagem menos intrusiva, por vezes apenas deixando o plano geral – e os seus ótimos atores – resolverem o assunto, e noutras introduzindo um zoom progressivo que – quase sem que o notemos – vai ao centro do conflito.
Nobreza obriga admitir que o Sorogoyen de fato sabe gerir a tensão, diluí-la em diferentes cenas e situações, e por isso o filme avança com a expectativa do acúmulo e da liberação catártica dessa violência. Mas chega um ponto em que o diretor tem que de fato resolver a situação – se não seríamos pacientes de um experimento eterno de modulações de monotonia – e é ali que descobrimos que o Sorogoyen trabalha melhor a tensão do que a resolução. A bomba que ele constrói murcha (para chamá-lo de alguma coisa) e culmina no assassinato do francês nas mãos dos dois galegos enceguecidos pelo ódio numa cena um tanto desastrada e decepcionante, tendo em vista o tamanho da tensão que tinha sido gerada até o momento.
Já morto o protagonista e, de certa forma, o conflito, Sorogoyen decide mudar o foco narrativo e inserir um terceiro ato mais focado no drama posterior ao assassinato. Na teoria, é uma ideia que poderia liberar o filme de certa obrigação para com o gênero do thriller, e até é bem-vindo como mudança de engrenagem, mas novamente o diretor não sabe bem como resolver o que ele mesmo engendrou. A câmara passa de tripé a steady e as lentes de anamórficas a esféricas. O clima se emudece e o filme ganha um tom ainda mais sombrio. A personagem da filha do casal de franceses entra em cena e tenta materializar o drama, mas Sorogoyen vagueia sem um rumo muito claro, desta vez desprovido da tensão que havia servido como alicerce. Algumas cenas ainda trazem os galegos à esfera do conflito e o filme reacende a chama. Apesar de todos os percalços, e num final distante da sua aparente conciliação, o sentimento que perdura é o do mal-estar.