As 30 Melhores Comédias Românticas para a Tribuna do Cinema

EquipaFevereiro 14, 2024

A comédia romântica não é um género com limites fáceis de definir. Esperamos, ao partir para um filme catalogado como tal, um I love you na sequência de um (ou vários) you make me mad, um par improvável, gargalhadas, algumas lágrimas e, talvez, um happy end. A verdade é que se nos vêm à memória muitos exemplares onde os caminhos para estes pontos cardeais são tão lineares como a preguiça de um domingo à tarde, no sofá, outros tantos nos ocorrerão onde eles são mais sinuosos, dispersos, abstratos, ou apenas um bom pretexto para explorar outros temas e realidades, sem que a definição – comédia romântica – saia minimamente beliscada. Procurámos, com esta lista, refletir a plasticidade de um género cinematográfico tão volúvel e aberto como o próprio amor, num top de 30 comédias românticas que contém entradas de 10 décadas diferentes. Filmes apaixonantes para derreter e tremer, sorrir e chorar, descobrir ou rever neste Dia dos Namorados.

 

30º Breakfast at Tiffany’s (1961) Blake Edwards

Poucas comédias românticas terão momentos tão devastadores e bem desagradáveis como “Breakfast at Tiffany’s”. Tudo tem um propósito, qualquer um pode ser substituído. As relações artificiais e a procura do prazer instantâneo substituíram a clássica batalha dos sexos, outrora marca prevalente da comédia americana. Blake Edwards tem gozo especial em desenhar a mise-en-scène para personagens aparentemente tão pouco merecedores (ver a cena no Central Park). Vejamos, num cenário de bonecas e gigolôs, de que vale a honestidade? Existirão ecos de idealismo – “…my huckleberry friend…” – deslizando suavemente no conforto procurado, conferindo-lhe um ar kitsch. A comédia também precisa desse lado ácido, para depois sublimar o lado absurdo da situação (as máscaras da loja dos trezentos) e mostrar que nunca procurou a condenação das suas personagens. Holly (Audrey Hepburn) e Paul (George Peppard) são somente dois felinos, procuram o mimo fácil e mais fácil o será à distância de uma carícia. Podemos falar do Mickey Rooney depois, muito depois, entretanto: “o avô e avó são pessoas de idade, o pai e a mãe são gente nova, os três filhos são ainda crianças” …

Eduardo Magalhães

 

29º One Hour With You (1932) Ernst Lubitsch & George Cukor

How I would love, one… Deliciosamente cantado quanto prodigiosamente abstracto. Comédia romântica bem humorada na high society, sátira social hilariante, e um prodigioso jogo de formas em preto e branco peculiarmente potenciado pelo encadeamento quase ininterrupto de diálogos. A cena de dança é um autêntico tour de force cinematográfico, num filme que, como poucos, imagina o amor, a sedução, e o sexo como algo divertido e revigorante. A elegância de Lubitsch é, já se sabe, absolutamente ímpar. E na sua hábil amoralidade, poderíamos até imaginar que uma sociedade tão viva e plural, que sorri e se procura assim, não poderia jamais ruir. Mas este breve divertissement, do mais saudável escapismo, foi fatalmente realizado entre Broken Lullaby e Trouble in Paradise, e a sua doçura será afinal tão efémera quanto nos alerta o título.

Miguel Allen

 

28º You’ve Got Mail (1998) Norah Ephron

Largamente inspirado, dir-se-ia mesmo um remake, em The Shop Around the Corner (Lubitsch, 1940), You’ve Got Mail pega na rainha das comédias românticas americanas modernas no seu auge, Meg Ryan, e junta-a a Tom Hanks, um actor tão familiar como o nosso próprio vizinho. Um romance entre dois vizinhos que se odeiam, rivais do mundo da literatura, que por acaso também se conhecem na internet, de forma anónima, e sem saber que estão a falar um com o outro. O conceito funciona de forma eficaz, permitindo ao espectador observar ambos os protagonistas a procurar desvendar o mistério da identidade desta cara metade online. A cena final é uma das coisas mais bonitas e lamechas que o cinema ligeiro já ofereceu.

David Bernardino

 

27º Ninotchka (1939) Ernst Lubitsch

Publicitado à época sob o slogan “Garbo laughs!”, Ninotchka foi a primeira comédia da prestigiosa carreira de Greta Garbo. Depois de duas décadas de filmes dramáticos, a atriz sueca enfrentou um período turbulento em 1938, quando foi considerada box office poison. Decidiu então enveredar pelo riso – uma curta aventura, dado que acabou por se reformar do cinema dois anos mais tarde, com apenas 35 anos. Para nossa sorte, ficou para a história este sol de pouca dura, esta deliciosa screwball comedy em que Garbo interpreta uma rígida emissária soviética que se apaixona por um conde parisiense, seu adversário no litígio que foi enviada para resolver. Nas palavras do conde, “you are the most incredible creature I’ve ever met… Ninotchka… Ninotchka!

Pedro Barriga

 

26º What’s Up, Doc? (1972) Peter Bogdanovich

New Hollywood repesca os clássicos, via Looney Tunes. Quatro malas idênticas, contendo itens tão diversos como papéis secretos do governo, jóias, pedras musicais e um conjunto de roupas e dicionário, são trocadas num hotel, dando origem ao mais inenarrável caos. Nesta homenagem às screwball comedies dos anos 30 e 40 (e, particularmente, ao realizador Howard Hawks), Peter Bogdanovich põe a sua mestria da forma clássica ao serviço da mais inventiva patetice imaginária. Howard (Ryan O’Neal, numa interpretação diametralmente oposta ao misto de canastrão e galã pelo qual ficou conhecido) e Judy (Barbra Streisand, numa  espécie sublime de personificação do Bugs Bunny) compõem o par improvável, que navegará por peripécias progressivamente mais absurdas, agressivamente mais divertidas, até que finalmente se faça a vontade DELA. É verdadeiramente digno de nota o deleite com que os 4 (!) argumentistas se dedicaram a escrever o guião mais intrincado possível, com o único propósito de provocar gargalhadas. A comédia física e os diálogos são de uma inteligência com pouco paralelo, conseguindo um equilíbrio extraordinário entre a gramática dos clássicos e o estilo subversivo dos anos 70. Com efeito, as personagens deste filme parecem ter sido tiradas de um tempo cinematográfico – como atestam os fugazes momentos de “pausa” romântica, a piscar o olho a Casablanca ou To Have and Have Not – e atiradas para uma realidade que não é a delas. Grande parte do insólito reside nessa comédia metatextual, bem como na escolha deliberada de manter a (claríssima) tensão sexual das personagens numa ingenuidade forçada, quando havia toda a liberdade para a vulgarizar. Entre mal entendidos, quedas, automóveis a chocar em cadeia, e sequências de luta com tartes atiradas pelo ar, é nosso dever acautelar o leitor para os efeitos secundários de um visionamento de What’s Up, Doc?, que podem incluir cãibras estomacais, ou mesmo morte por asfixia, devido a risota prolongada.

Gil Gonçalves

 

25º Love & Friendship (2016) Whit Stillman

Engane-se quem assuma que esta é mais uma adaptação convencional – e, francamente, cansada – de Jane Austen. Love & Friendship é um filme de época diferente de todos os outros, graças ao estilo próprio de Whit Stillman. O foco não é o romance, mas antes os diálogos acelerados e o tom jocoso. Um conto imensamente divertido sem que tal interfira na sua capacidade de examinar com clareza e inteligência os temas em mão. Kate Beckinsale é formidável no papel de Lady Susan, uma viúva que não dá ponto sem nó. Perspicaz, charmosa, sorrateira, com a resposta sempre na ponta da língua. Numa era em que o casamento constituía a única forma de uma mulher garantir estabilidade financeira – e estatuto social -, Susan sabe que precisa de estar sempre um passo à frente de todos.

Pedro Barriga

 

24º Pauline à la plage (1983) Éric Rohmer

Pauline à la Plage talvez não seja um dos filmes mais badalados de Éric Rohmer, mas é certamente um dos mais engraçados, utilizando o ambiente de praia para desenrolar o seu novelo narrativo em permanente tensão entre a comédia e o melodrama. O filme é simultaneamente um coming of age para a adolescente Pauline e uma farsa da vida adulta, recheada de jogos de desejo e sedução, que vão enriquecendo a trama e criando momentos constrangedores e hilariantes. Uma comédia de costumes centrada no amor, que nos leva, em segundos, do flirt a divagações filosóficas sobre o tema.

Bruno Victorino

 

23º Cluny Brown (1946) Ernst Lubitsch

Lubitsch precisou de cerca de cem minutos para desfazer o imperativo categórico e arranjar uma solução para a luta de classes. E se isto não fosse suficiente, “Cluny Brown” ainda consegue equacionar um romance sem nunca o comprovar. Não precisa. Aqui está um filme sem história e “no place”, portanto, não é expectável ou desejável que nos revele como duas pessoas se apaixonam. É impossível. De um lado, temos o professor Belinski (Charles Boyer), hábil metafísico que adora arbitrar toda e qualquer circunstância por mais estapafúrdia que nos pareça. Do outro lado, a canalizadora Cluny (Jennifer Jones), ela própria um sistema filosófico, que apenas procura um trabalho, casar e conseguir um “place in life”. A criatividade de Cluny é suficiente para encantar aristocratas, a sua curiosidade torna as notas do mais amador dos músicos numa maravilha impensável, mas, a sua verdade aparece a todos os outros como uma inconveniência. Sobra Belinski, qual Cândido com as suas sobrancelhas optimistas, a fechar portas com estrondo. Parece que a mulher não foi feita para se entender, ama-se. 

Eduardo Magalhães

 

22º Licorice Pizza (2021) Paul Thomas Anderson

Alana é uma jovem algo encalhada na vida. Um dia, conhece Gary Valentine, um ator adolescente. Ambicioso, empreendedor, sempre à coca duma oportunidade de negócio – até durante uma crise mundial de petróleo (“It’s the end of the world, Grego!”). Alana e Gary encontram-se naquela fase enevoada entre a infância e a vida adulta, onde o tempo pára para lhes permitir viver a sua história de amor juvenil. Ao longo do filme, o casal, que ora está junto ora se separa, vai a audições, vende colchões de água, entra na política, abre um salão de jogos… Uma estrutura episódica que forma um filme divertido, descontraído e apaixonante.

Pedro Barriga

 

21º His Girl Friday (1941) Howard Hawks

Uma peculiar “comédia romântica”, onde o cinismo suplanta, em grande medida, o romance dos dois protagonistas (Rosalind Russell e Cary Grant), que permanece subjacente a toda a acção. Provavelmente o mais intenso, talvez o mais perfeito, dos non-stop fast talkies de Hawks, com as diferentes personagens a surgirem em cena num fluxo acelerado e aparentemente contínuo de palavras. Partindo da invulgar relação ou conflito de Russell e Grant (onde trabalho, ambição, e amor são sinónimos), será numa agitada press room de tribunal que His Girl Friday condensa um rico e diversificado, mas muito pessimista, retrato de uma sociedade nas mãos da imprensa – engano e suborno, pobreza e crime, e uma boa história para vender. Uma screwball em aparência e forma, da mais envolvente espontaneidade e da mais fascinante agressividade, o movimento e expressão dos corpos em campo é aqui particularmente relevante e revelador – veja-se toda a cena no restaurante, e como Grant e Russell rimam fisicamente enquanto discordam oralmente. Nunca ninguém terá seduzido, é evidente, de uma forma tão matreira e cínica como Grant age aqui para “recuperar” Russell na véspera do seu casamento. E o que dizer daquele conjunto às riscas com o qual a actriz abre o filme ?

Miguel Allen

 

20º There’s Something About Mary (1998) Peter Farrelly e Bobby Farrelly

Uma espécie de one hit wonder dos irmãos Farrelly (nunca mais voltariam à relevância do cinema ligeiro), Doidos por Mary marcou o final dos anos 90, sendo presença constante na televisão até aos dias de hoje. Chamar-lhe de comédia romântica intemporal é talvez um exagero, mas os seus gags provocatórios sempre a roçar a linha vermelha continuam a ser recordados. Desde Ben Stiller a entalar graficamente os… tintins (?) na braguilha, ao penteado fixo de Cameron Diaz, ao “homem mais interessante do Mundo” Matt Dillon, Doidos por Mary está recheado de personagens criativas que cumprem na perfeição a comédia adulta a que se propõe.

David Bernardino

 

19º Chronique d’une Liaison Passagère (2002) Emmanuel Mouret

Chronique d’une Liaison Passagère marca a depuração total do estilo de Emmanuel Mouret, criando um universo tão fechado, idílico e peculiar para os protagonistas da liaison, que nos remete, em parte, para The Bridges of Madison County (1995), de Clint Eastwood. Mas as referências da história do cinema são tão diversas como Éric Rohmer, Woody Allen, ou até mesmo Ernst Lubitsch, Douglas Sirk ou Billy Wilder, como o próprio reconhece frequentemente em entrevistas. Um cruzamento entre a comédia romântica e o melodrama. Mas não falamos apenas da inserção nos géneros mas da própria encenação. Os planos finais que encerram o filme, dos espaços outrora habitados pelos personagens agora vazios, permitem ainda uma ligação final com a trilogia Before, de Richard Linklater. Mas o que permanece fundamentalmente, depois das luzes se acenderem e rolarem os créditos finais, é o espaço dado aos atores para carregarem o filme emocionalmente e a tensão criada entre a leveza da comédia e a paciência e profundidade dadas no filme a um tema tão importante e transversal da experiência humana como o amor.

Bruno Victorino

 

18º Notting Hill (1999) Roger Michell

Notting Hill será, porventura, um dos filmes mais conhecidos desta lista e um dos primeiros que vem à cabeça quando falamos de comédias românticas. William (Hugh Grant) é um bibliotecário solteiro, sem grandes inspirações, que “tropeça” em Anna Scott (Julia Roberts) uma estrela de Hollywood. Como é costume nestes filmes, as diferenças inerentes aos dois estilos de vida vão causar problemas e agitações na relação entre os dois mas no fim o amor prevalece. Carregado de clichés, é nos pormenores que está a virtude de Notting Hill. Passado 25 anos da estreia do filme que cimentou ambos os protagonistas como estrelas de Hollywood, é impossível não esquecer Spike (Rhys Ifans) como o peculiar colega de quarto de William, ou a cena em que Hugh Grant passeia por Notting Hill e vemos as quatro estações do ano passar numa só cena. Juntamente com Quatro Casamentos e Um Funeral e o Diário de Bridget Jones, Notting Hill é o arquétipo de comédias românticas britânicas do final do século passado.

Francisco Sousa

 

17º Punch-Drunk Love (2002) Paul Thomas Anderson

Três anos depois de ter trazido ao mundo Magnolia, um melodrama, dir-se-ia épico, em vários episódios paralelos, Paul Thomas Anderson aventura-se nesta comédia romântica dramática, algo negra, naquele que é talvez o papel mais fora da caixa de Adam Sandler. Deprimido e frustrado com a sua vida mundana sem emoção e com fáceis rasgos de fúria, o protagonista de Sandler refugia-se no phone sex, pondo em causa a sua relação com a paixão interpretada por Emily Watson. Ao jeito melodramático absurdista do Anderson desse tempo, as coisas ficam fora de controlo, culminado num final delicioso que irá satisfazer os fãs do género.

David Bernardino

 

16º Holiday (1938), George Cukor

Não basta romancear a liberdade, é preciso ser honesto sobre a mesma. “Holiday” pode ser um estado de espírito, um desígnio, a superação de uma frustração. Onde pára então a comédia? O que uma vida oferece, poderá também transformar no seu contrário. É, pois, no choque entre o presente e o desejado que Katherine Hepburn encontra espaço para muitas gargalhadas e algumas lágrimas, no recato do seu quarto. A imagem de Cary Grant é-lhe simultaneamente inacessível e próxima, porém, procura fugir e dar a entender que se congratula com uma felicidade em segunda mão. Alimenta-se de dúvidas e anseios, envergando sempre uma postura atrevida e segura. Por sua vez, a discreta découpage de Cukor, emparelhando a trama e protagonistas, apresenta-nos uma falsa família verdadeira e uma verdadeira família falsa, uma passagem de ano velha e um novo Ano Novo. Confuso? Talvez Hepburn precisasse que lhe fizessem ver mais alto e Grant de quem lhe respondesse lá de cima. 

Eduardo Magalhães

 

15º Roman Holiday (1953), William Wyler

Qualquer cinéfilo terá um grande agradecimento a fazer a esta comédia romântica de 1953. Foi ela que deu o primeiro grande papel a Audrey Hepburn, que lhe abriu as portas de Hollywood e a lançou numa carreira sem a qual o cinema seria certamente mais pobre. Assistindo ao desenrolar da narrativa leve, e dada a poucos arrebatamentos ou sobressaltos, não haverá dúvidas: a atriz é magnética, do princípio ao fim, um poço sem fundo de talento. Gregory Peck é o complemento perfeito para materializar o encanto deste romance, que pouco mais é (e mal nenhum, atenção) do que um pretexto para propagandear a Cidade Eterna e os seus predicados turísticos. Tudo se resume a charme – o da leveza aguerrida dela, sedenta de aventura e de liberdade, e o da contenção cavalheiresca dele, demasiado pura para aguentar um logro oportunista até ao fim. Duas estrelas no firmamento a acelerar numa Vespa descontrolada, fotos tiradas à socapa (mais tarde, honrosamente oferecidas), beber champanhe numa taberna, fugir a nado de homens de gabardine negra, um beijo enregelado, água a escorrer pelos corpos, Roma omnipresente… E assim perdoamos qualquer mal a um filme que sabe tão bem, sobretudo quando culmina numa primorosa cena final de paixão refreada (os fãs de Notting Hill poderão ter um carinho especial por este momento, apesar do destino dos amados).

Gil Gonçalves

 

14º The Lady Eve (1941) Preston Sturges

“Of course, he’s in love with you. Who is he not to be in love with you who have beautified the North Atlantic?”

I need him like the axe needs the turkey”.

Cobras, maçãs, uma Eva ardilosa e um bom-moço propenso a quedas, está dado o mote de uma das grandes criações de Preston Sturges. Assim que Henry Fonda conhece Barbara Stanwyck, o filme entra em velocidade de cruzeiro. Durante a viagem, temos a nosso dispor todos os tipos de comédia, há slapstick q.b., doses de mal-entendidos, jogos de palavras salteados (malapropismos incluídos) e um vasto naipe de personagens secundárias, algumas encartadas e outras com carta na manga. Face à fúria de Fonda pela partida pregada por tão endiabrada dama, Sturges mete a terceira, quem é Stanwyck afinal? A batoteira de sotaque britânico, aquela que lhe desalinhou o cabelo, ou a mulher cujo perfume não existe na Amazónia? Todas o fazem cair, e nós caímos com ele. As melhores farsas são as mais rocambolescas e que insistem em justificar o ínfimo pormenor, sendo “The Lady Eve” um seu magnífico exemplar com paixão e aldrabice. Todavia, não sei se é impossível encontrar imperfeições neste filme, se tiver, serão apenas “Beeswax, my boy, beeswax.”

Eduardo Magalhães

 

13º Palm Springs (2020) Max Barbakow

Filmes cujo conceito principal é um time loop não são novidade. De Groundhog day (um dos mais famosos) até Edge of Tomorrow, estes filmes costumam centrar os seus protagonistas em ciclos intermináveis, dos quais não conseguem sair e muitas vezes representam purgatórios para os erros que cometeram. Palm Springs (2020), na altura o filme mais caro de sempre a ser adquirido aquando da sua estreia em Sundance, enquadra-se perfeitamente neste género com a exceção importante de que não tem apenas um, mas sim dois protagonistas presos no ciclo. O filme foca-se em Nyles (Andy Samberg) e em Sarah (Cristin Milioti) que ficam condenados a repetir o dia do casamento da irmã de Sarah e a refletir, eternamente, nos erros que os levaram àquela situação. Em Palm Springs, o ciclo recomeça cada vez que um dos protagonistas morre o que leva a diversas situações hilariantes, especialmente quando a personagem de J.K. Simmons está envolvida. Uma comédia romântica que utiliza na perfeição os clichés do género e a química entre os dois protagonistas para catapultar o filme para uma das melhores comédias românticas da década.

Francisco Sousa

 

12º When Harry Met Sally… (1989) Rob Reiner

Escrito por Nora Ephron, uma das grandes mestres de comédias românticas (You’ve Got Mail, Sleepless in Seattle, Julie and Julia), e realizado por Rob Reiner (Stand By Me, The Princess Bride), When Harry Met Sally é uma das comédias românticas mais famosas e bem sucedidas dos últimos 50 anos. Claramente inspirado pelas comédias de Woody Allen, especialmente na neurose dos protagonistas, o filme segue a amizade de Harry (Billy Cristal) e Sally (Meg Ryan) ao longo de vários anos enquanto pergunta se um homem e uma mulher podem ser só amigos. A dupla Meg Ryan, que foi sem dúvida uma das principais atrizes dos anos oitenta e noventa no que a comédias românticas diz respeito, e Billy Crystal resulta na perfeição (bem como o elenco secundário que inclui Carrie Fisher e Bruno Kirby) e torna este filme altamente encantador, com uma fotografia de Nova York espantosa, num clássico.

Francisco Sousa

 

11º Broadcast News (1987) James L. Brooks

Quando falamos de comédias românticas James L. Brooks é um nome incontornável, como o comprovam as duas menções na nossa lista, para além de outras citações na votação individual. Com a roupagem de filme sobre jornalismo, em permanente tensão entre estilo e conteúdo, Broadcast News interessa-se fundamentalmente nas dinâmicas entre os seus personagens e no triângulo amoroso que se apresenta e que acaba por personificar as escolhas entre os dois tipos de jornalismo que servem de background do filme. Com vários momentos de ir às lágrimas, pelo seu carácter cómico, por um lado, e melodramático, por outro, Broadcast News é provavelmente o melhor filme de Brooks, justificando plenamente o lugar cimeiro na lista da Tribuna.

Bruno Victorino

 

10º Jerry Maguire (1996) Cameron Crowe

Nomeado para 5 Óscares, incluindo melhor filme, e produzido por James L. Brooks, mas realizado por Cameron Crowe, Jerry Maguire junta a superestrela Tom Cruise e cria uma nova “America’s sweetheart” em Renée Zellweger. O filme funciona em dois planos, conciliando uma comédia romântica deliciosa que puxa à lágrima e a vida de agente desportivo do protagonista (coadjuvado por Cuba Gooding Jr que ganha mesmo o Óscar de melhor actor secundário). Entre o fofinho e irresistível You complete me do tal plano romântico, ao anarco-capitalista Show me the Money!!!, Jerry Maguire está pejado de momentos inesquecíveis do cinema de conforto.

David Bernardino

 

Design for Living (1933) Ernst Lubitsch

– But which chapeau do you want madame?

– Both..!

Oh, nuts…! O elogio a uma vida de prazer e deleite contra os códigos de uma sociedade que está ROTTEN. Pelas highlands of Montmartre, a cidade de Paris enquanto boémia ideal de três mosqueteiros expatriados. Inspiração e arte, prazer e romance, amor e sexo, apesar de um difícil acordo de “distâncias”… Que se deixem as boas maneiras para Mr. Plunkett e o seu Mr. Egelbauer. Sejamos grosseiros e censuráveis ! A delicadeza, como diz o filosofo, é “uma casca de banana sob os pés da Verdade”.  Um ousado trio amoroso, com Miriam Hopkins no panteão. Do irresistível Lubitsch touch ao bom humor e atrevimento dos três protagonistas, Design For Living é, positivamente, a comédia romântica definitiva. Burlesco puro, comédia elevada, e até um pouco de melodrama barato. Porque a imoralidade é muito mais divertida do que a virtude. It’s true we have a  gentlemen’s agreement, but unfortunately, i’m no gentleman.

Miguel Allen

 

As Good as It Gets (1997) James L. Brooks

O carisma de Jack Nicholson marcou várias gerações em vários géneros cinematográficos. É em As Good as It Gets que Nicholson volta a demonstrar a sua amplitude enquanto actor, trazendo toda a sua bagagem para uma comédia romântica com toques de drama que fez as delícias de quem o viu. Nicholson interpreta um homem de meia idade carrancudo, maniento e preconceituoso, que não se permite amolecer e é implacável com qualquer pessoa que tente aproximar-se dele, da empregada de mesa Helen Hunt ao vizinho homossexual Greg Kinnear. Os episódios carregados de humor negro são do melhor que o género já viu. Um dos grandes filmes de James L. Brooks.

David Bernardino

 

Pretty Woman (1990) Garry Marshall

Pretty Woman, filme marcante do início dos anos 90, traz o romance improvável entre um empresário rico que se dedica a manipular a economia de empresas e uma jovem prostituta com problemas financeiros, respectivamente Richard Gere e Julia Roberts, ele um galã consagrado, ela uma jovem actriz de 23 anos que com este filme se catapultou para a ribalta. Olhando aos dias de hoje Pretty Woman não envelheceu da melhor forma, jogando com os estereótipos das comédias românticas da velha Hollywood, tais como jogos provocatórios e tentativas de sobreposição, tendo a mulher a desvantagem e o homem a pretensão de salvador. Ainda assim, Pretty Woman vence ao ser um filme bem educado e doce, uma espécie de Cinderela modernizada, com uma história de amor que conquistou uma geração.

David Bernardino

 

Some Like It Hot (1959) Billy Wilder

Billy Wilder, Tony Curtis, Jack Lemmon e Marilyn Monroe reúnem-se, cada um no auge dos seus talentos, para criar umas das melhores comédias românticas de todos os tempos. Wilder assina um argumento verdadeiramente subversivo, que ainda hoje é lido, relido e citado (“I’m Cinderella the second” nunca perde a piada). Curtis e Lemmon escandalizam com os seus vários papéis: músicos precários, testemunhas de um crime, novas adições a uma banda feminina, milionários do petróleo, e até noivas. Monroe faz um pouco de tudo: encanta-nos com a sua voz, diverte-nos com a sua aptidão para a comédia, e comove-nos com a tristeza de uma mulher que conheceu o homem dos seus sonhos mas perdeu-o no dia seguinte. Uma obra-prima – não só da comédia, como do cinema.

Pedro Barriga

 

Annie Hall (1977) Woody Allen

– Doc, my brother is crazy. He thinks he’s a chicken.

– Well, why don’t you turn him in?

– I would, but I need the eggs.

(…) that’s pretty much how I feel about relationships now. They’re totally irrational and crazy and absurd… but I guess we keep going through it because most of us need the eggs.

E depois do amor…? Annie Hall é uma das raras comédias românticas que se atreve não só a colocar esta questão, mas também a homenagear tudo o que um “não viveram felizes para sempre” nos deixa. O humor autopsicanalítico, pessimista, intelectual e neurótico do mais conhecido judeu nova-iorquino da história do cinema chega-nos tão refinado que é, a um tempo, a perfeita síntese da escrita de Woody Allen e, provavelmente, o seu melhor cartão de visita. O mesmo se poderá dizer da forma do filme (que tem, em si, tanto do conteúdo), tão incrivelmente coesa, quanto inventiva e livre. Quebras de 4ª parede, saltos temporais, invasão de adultos a memórias de infância, desenhos animados, pensamentos legendados sobre desajeitadas conversas de engate… tudo cabe nos cerca de 90 minutos que, de forma surpreendente, chegam ao fim atados num laço. Isto porque todas as hipérboles, caricaturas e virtuosismos técnicos estão ancorados em vivências de pessoas que se assemelham tremendamente a nós. Alvy Singer (Woody Allen) e Annie Hall (Diane Keaton) são muito mais imperfeitos, impertinentes, inseguros, vívidos, volúveis e, portanto, humanos do que a maioria das personagens de qualquer comédia romântica. Únicos, mas (também por isso) universais. Os seus problemas e peripécias, ainda que encapotados por situações absurdas, serão sempre relacionáveis. Se vemos cinema à procura de ovos, este é certamente um filme-galinha.

Gil Gonçalves

 

City Lights (1931) Charlie Chaplin

Quando pensamos em comédias românticas talvez não seja automática e evidente a referência ao cinema mudo e a Charlie Chaplin em particular. Mas se procurarmos desconstruir o termo haverá filme mais cómico e simultaneamente mais romântico que a obra prima de Charlot? Talvez não. As habituais desventuras do tramp, os gags e os cenários rocambolescos de pura comédia física, encontram em City Lights o equilíbrio perfeito com a história de amor entre o nosso protagonista e uma rapariga cega, metáfora perfeita para os poderes miraculosos do cinema e do amor, que atinge o seu ápice na cena final do filme, uma das mais inolvidáveis da história da sétima arte.

Bruno Victorino

 

They All Laughed (1981) Peter Bogdanovich

Nova Iorque como ideia de cinema. Um retrato afectuoso da cidade, num momento muito preciso, a partir de uma invulgar (e extremamente irresponsável) agência de detectives, cujas correrias pelas ruas resultam tanto num atípico e movimentado hangout movie, como numa descosida e colorida comédia romântica. Em They All Laughed, todos se mostram disponíveis para amar. E Bogdanovich, personificado no Charles de John Ritter, estava, é evidente, perdidamente apaixonado por Dorothy Stratten (Dolores), cujo destino trágico ficará para sempre ligado ao filme. Audrey Hepburn faria aqui a mais memorável e comovente das despedidas ao meio*, simplesmente maravilhosa junto ao nosso Ben Gazzara (John Russo), reservado e afável, de olhos lacrimejantes – You break all your promises Mr. Russo. Ao som de Sinatra e do country evocativo de Colleen Camp (Christy) e dos seus Manhattan Cowboys, à boleia do táxi de Patti Hansen (Sam), patinando pelo Roxy com Blaine Novak (Arthur) e as suas breves “conquistas”, ou passeando pelas ruas de Manhattan com Stefania, Georgina, e Michael. É difícil não deixarmos esta melancólica big apple com o coração na mão. Uma screwball de Hawks filtrada pelas novas vagas, e o fim de uma era de aventuras no cinema americano.

* (não se trata exactamente do seu último filme, mas esqueçamos isso !)

Miguel Allen

 

Bringing Up Baby (1938) Howard Hawks

À semelhança de muitos dos seus contemporâneos, Howard Hawks via-se obrigado a vender gato por lebre. Isto porque, mesmo numa Hollywood pré-Hays Code, simplesmente não se mostrava, nem sequer se dizia explicitamente, de onde vinham os bebés (e muito menos se referiam os transtornos que a vontade de treino para os fazer podia acarretar para a vida dos casais e dos indivíduos). Nos anos 30 havia, apesar de tudo, a possibilidade de ainda se ser fresco. Essa nesga de permissividade, associada à criatividade de grandes mestres, como Lubitsch, ou o próprio Hawks, deu algumas das mais criativas, refinadas e inteligentes comédias da História. Uma das quais é Bringing Up Baby, onde um paleontólogo (Cary Grant) que precisa mesmo de encontrar um osso, para completar o esqueleto de um dinossauro – atividade que configura o grande objetivo da parceria com Miss Swallow (sim), que propõe um casamento sem mais nada senão a dedicação ao trabalho frio, pré-histórico, morto – trava conhecimento com Miss Random (sim), uma herdeira caprichosa, interpretada por Katharine Hepburn, que ao invés lhe oferece um leopardo para, com ele, nutrir e domesticar (bem como uma enorme dose de loucura, perigo e, enfim, vida). Se a premissa parece louca, os desenvolvimentos não deixarão a desejar, espraiando-se numa sucessão de peripécias absurdas que farão rir (e muito) até aqueles que não desejem perder o pé nas camadas mais fundas desta comédia cartoonesca. Quem quiser mergulhar terá, no entanto, muito para descobrir num guião altamente metonímico e elástico como poucos. Será esta a beleza maior das grandes comédias da era de ouro de Hollywood – o arrojo de um caos perfeitamente orquestrado, o jogo perfeito entre entretenimento e profundidade, capaz de agregar, ao invés de excluir, qualquer tipo de público.

Gil Gonçalves

 

The Apartment  (1960) Billy Wilder

Friends do you have wobbly dentures?” O filme em que o cinismo de Billy Wilder dá palco à afabilidade genuína de Jack Lemmon. Um retrato mordaz de uma sociedade composta por elevadores e portas giratórias, entretenimento aos soluços, esperas à chuva e noites ao relento. E tudo, por um chapéu novo! O C.C. Baxter de Lemmon, um dos 31.259 empregados da seguradora Consolidated Life of New York, poderia ser desprezível não fosse a sua comovente abnegação à vidinha. Ajuda os outros a mentir, mente aos vizinhos humilhando-se, e, já nem me recordo da justificação que dá para a sua constipação, que se prolonga durante grande parte do filme. Se Wilder o coloca em quadros progressivamente mais embaraçosos (o que dizer da cena do espelho…), a fisicalidade da performance de Lemmon absolve-o, afinal de contas, Baxter consegue improvisar refeições com uma raquete qual discípulo de Charlot. No entanto, ninguém realmente o conhece. Será Fran Kubelik (formidável Shirley MacLaine) a desvendar esta caixa-negra e arrancar-lhe uma ou outra verdade: “but I got over the girl in three weeks… She sends me a fruit cake every Christmas”. “The Apartment” arrebatou uma data de Óscares, conquistou diferentes gerações e ocupa o primeiro lugar desta lista. Dá que pensar, como é que um filme onde impera a solidão, o frio e o engano consegue ser tão inesperadamente romântico, será a negação assumida do romance ela própria uma forma de romantismo? “Shut up and deal”.

Eduardo Magalhães