Anora, de Sean Baker: Comédia d’Or

Pedro BarrigaMaio 29, 2024

Foi com grande surpresa que assisti a Greta Gerwig anunciar que o júri, presidido pela cineasta e atriz, decidira entregar a Palma de Ouro a Anora de Sean Baker. O falatório em Cannes, na manhã de sábado 25 de Maio, era que os dois favoritos à vitória eram All We Imagine as Light da indiana Payal Kapadia e The Seed of the Sacred Fig do iraniano Mohammad Rasoulof. Estes dois filmes acabaram por receber o Grand Prix (equivalente ao 2º lugar) e um Special Prize, respetivamente.

Não que Anora não seja merecedor – pelo contrário –, mas uma comédia americana sobre uma dançarina erótica não é exatamente o género de filme que o Festival de Cannes costuma premiar. A sua consagração fez-me pensar se recentemente o festival havia atribuído o primeiro prémio a outras comédias. A resposta a que cheguei é que, efetivamente, não. Se nos focarmos nos últimos 50 anos, nem a comédia negra de Barton Fink (1991), nem a sátira de Parasite (2019) ou Triangle of Sadness (2022) se aproximam da constante gargalhada que foi a projeção de Anora.

Mas quem é a titular Anora? Uma jovem nova-iorquina que, ironicamente, detesta o seu primeiro nome. Apresenta-se como Ani aos clientes do Headquarters, o bar de striptease onde trabalha. Um dia – aliás, uma noite – um jovem russo, Ivan, entra no bar e solicita uma companhia feminina que saiba falar a sua língua. Nenhuma das trabalhadoras possui esse talento, nem mesmo Ani, cuja avó era russa. Na ausência de melhor, Ani é a escolhida. O que começa com uma conversa entre os dois, progride para uma lap dance, que por sua vez evolui para um convite para a mansão de Ivan em Brooklyn. “Welcome to my humble abode.”

Nas suas duas horas de duração, Anora leva-nos pela montanha russa que será a relação entre Ani e Ivan, repleta de altos – uma extravagante festa de Ano Novo, uma ida de jato privado a Las Vegas – e baixos – a entrada em cena dos lacaios dos pais de Ivan. Um filme caótico e hilariante, óbvio descendente da comédia screwball de títulos como Bringing Up Baby (1938). Por vezes disparatado demais, mas o elenco exímio mantém-no na linha. Mikey Madison, uma das invasoras da casa de Leonardo DiCaprio em Once Upon a Time…in Hollywood, é fenomenal. Transcendente. A star is born! O jovem de 22 anos Mark Eydelshteyn é uma descoberta impressionante e Karren Karagulian, presença assídua nos filmes de Baker, demonstra uma veia cómica que o público desconhecia.

Divertido e comovente, o novo filme de Sean Baker tem tanto de humor como empatia pela jovem vulnerável ao seu centro. Anora segue a linhagem de obras anteriores como Tangerine (2015) e Red Rocket (2021), habitadas por trabalhadores sexuais que não são adereços, nem personagens secundárias que morrem antes do filme terminar.

Pedro Barriga