Am I OK?, de Tig Notaro e Stephanie Allynne : Estamos bem ou andamos só a fingir?

Carla RodriguesJunho 28, 2024

Os filmes que se encaixam na categoria coming of age terão sempre um grande foco de interesse. Filmes protagonizados por alguém que corre, tropeça, cai e volta a levantar-se numa procura por si mesmo à medida que cresce e amadurece. É raro o filme coming of age em que não consigamos ver algo de nós próprios, o que, por um lado, pode parecer um apelo à banalidade – se todos nos sentirmos identificados, terá o filme algo de original a dizer? Contudo, talvez essa identificação reflita a universalidade dos temas abordados, temas que talvez não exploremos em nós mesmos tão frequentemente, mas que fazem sentido quando os vemos refletidos no ecrã.

A tradição coming of age tem sido, de forma geral, mais associada a filmes com protagonistas masculinos. Mas – e ainda bem – de há vários anos para cá que é um género que tem visto uma crescente diversidade de protagonistas e um nível de qualidade muito interessante (as irmandades das calças viajantes que me perdoem, mas não as incluo nesta opinião). Alguns deles marcantes. Frances Ha, com uma Greta Gerwig de quase 30 anos à deriva em Nova Iorque, The Edge of Seventeen, Eight Grade, Booksmart, Lady Bird (dobradinha de Greta Gerwig, apesar desta vez atrás da câmara) e o muito simpático Are you there, God? It’s me, Margaret de 2023.

Curiosamente, todos estes filmes têm protagonistas em fases diferentes da vida. E esta tendência também tem vindo a crescer. Já não vemos só adolescentes a combater as dores de crescimento – agora nós, adultos, também podemos sofrer, espernear, e angustiar-nos com a permanente descoberta de nós próprios e de quem nos rodeia. Já ninguém espera que estejamos todos resolvidos aos 25 anos. Abraçamos uma existência mutável, em que nos vamos conhecendo, por vezes de forma dolorosa, aos 20, aos 30, aos 40 e por aí fora.

Esse foi um dos aspetos que aguçou a curiosidade para espreitar Am I OK?, a primeira longa-metragem de Tig Notaro, realizada a meias com a sua esposa Stephanie Allynne. Noutros tempos, Lucy (Dakota Johnson), a protagonista do filme, ser-nos-ia apresentada de maneira diferente. Aos 32 anos, já seria casada e com filhos e, provavelmente, uma personagem secundária em vez de protagonista. Teria uma carreira estável e, talvez, uma personalidade bidimensional. Apareceria de vez em quando para acompanhar o marido a uma festa da empresa ou para mexericar com o grupo de amigas que, tal como ela, seriam arquétipos pouco desenvolvidos.

Mas estamos em 2024 (apesar de o filme já ter tido a sua estreia no festival de Sundance em 2022) e Lucy pouco se assemelha a isso. Introvertida e solteira, vê no mundo dos encontros um frete incompreensível que prefere não perder tempo a compreender. Afastou a sua paixão pela pintura para se assentar num emprego rotineiro como rececionista de um spa. É ansiosa, adversa à mudança e, por isso, irritantemente previsível (os pedidos no diner que frequenta são sempre os mesmos). Com medo de olhar para dentro, também não olha para fora, limitando o seu círculo social à sua melhor amiga, Jane (Sonoya Mizuno).

A resistência de Lucy em se manter na sua zona de conforto (ou desconforto, mas mais vale um diabo que se conhece) recebe um enorme abanão quando Jane lhe revela que aceitou um convite para se mudar de Los Angeles para Londres. A notícia cai com um estrondo que Lucy faz o seu melhor para esconder – não resulta, claro, e, entre soluços, finalmente partilha com a amiga algo que nunca teve coragem de admitir nem a si própria: se calhar, talvez, quem sabe, porventura, ela goste de mulheres.

A partir daí, Am I OK? segue os passos habituais de alguém a navegar uma situação nova e desafiante. Há os atritos esperados, as inevitáveis superações e a confusão previsível de quem, aos 30 e poucos anos, ainda está a fazer as pazes com a sua identidade. Apesar de conseguirmos adivinhar esses beats, a gestão das relações no filme é bem conseguida ao ponto de parecer um eco da realidade, evitando que pareça requentado.

Talvez por ser semi-autobiográfico (Lauren Pomerantz, a argumentista do filme, moldou Lucy a partir das suas próprias experiências), Am I OK? tem uma atmosfera muito autêntica, com um banter realista, engraçado e, quando quer, afiado. O filme tem um sentido muito apurado do tipo de conversa íntima típica de amigas de longa data, que vai desde a partilha de observações aleatórias e deliciosamente patetas do dia-a-dia, até conversas profundas, surgidas de confissões vulneráveis, que se tornam combustível para piadas tolas mas carinhosas. Pomerantz expande o alcance do filme para abranger uma infinidade de dores de crescimento, e consegue uma alquimia notável entre o amadurecimento de Lucy e a evolução da sua amizade com Jane.

E é aqui que bate o verdadeiro coração de Am I OK?. Interpretando amigas cujas diferenças as aproximam em vez de as afastarem, Dakota e Sonoya conseguem transmitir de forma muito palpável os anos de história que partilham e como têm sido parte integrante da vida uma da outra. Testemunhamos uma amizade que se desenvolve de fase para fase, na qual tanto Lucy como Jane têm lições complicadas a aprender sobre as pessoas em que se tornaram, sem escapar a discussões nas quais as palavras dilaceram de verdade, como só melhores amigas conseguem fazer. O filme é um tributo não só a quem desabrocha tarde, mas também às voltas, reviravoltas e recompensas da gestão de relações platónicas – um tipo de amor que nem sempre merece a atenção da sétima arte, que parece preferir os caminhos mais familiares e simples do amor romântico.

Dakota Johnson prova mais uma vez que nem todos os nepo babies são maus e que ela própria é muito mais talentosa do que certos filmes sobre sombras ou sobre madames que veem o futuro nos podem fazer crer. Traz um charme desarmante e quase trapalhão que torna Lucy uma protagonista da qual é difícil não gostar. Sonoya Mizuno consegue dar a Jane o carisma e a presença de uma personagem principal apesar de não o ser. Se é verdade que não exploramos tanto a vida interior de Jane como de Lucy, também é verdade que, com a representação de Mizuno, isso quase passa despercebido – Jane é uma personagem de corpo inteiro, mesmo quando as pontas soltas poderiam enfraquecê-la num filme menos autêntico.

Apesar de ser um filme engraçado e quente, com uma boa dose de charme, Am I OK? é um filme que não se estica muito criativamente. Não nos dá aqueles momentos que fazem o coração crescer três tamanhos (em filme deste género, lembro-me sempre da leve euforia ao ver Frances Ha a correr por Nova Iorque ao som de Modern Love ou a cena do baile de finalistas em Lady Bird, ao som da super canastrona Crash Into Me que, graças àquele momento, ganhou uma profundidade que antes achava impossível). Esteve próximo disso, quando ouvimos uma cover da lindíssima True Love Will Find You In The End a acompanhar uma montagem da nova vida de Lucy, mas não chegou ao poder crú desses outros filmes. A realização é competente, mas não espanta, a cinematografia não compromete embora esteja longe de ser extraordinária (quem dera aqui um Olan Collardy, o diretor de fotografia que em 2023 ajudou a elevar Rye Lane vários graus acima da típica rom-com), e grande parte do sucesso do filme é carregado pelo empenho das atrizes principais e pela franqueza do guião. Não estou certa quanto ao potencial deste filme para satisfazer um cinéfilo mais exigente, que talvez o considere adequado para um domingo à tarde no AXN White. É uma pena, porque com um toque extra de criatividade e coragem para explorar mais profundamente as jornadas individuais de Lucy e Jane, Am I OK? teria todas as condições para ser reconhecido de forma mais ampla como um coming of age com algo de muito significativo a dizer.

Além de um coming of age puro e duro para a geração millenial (também merece), Am I OK? é um coming out movie, um relato de descoberta pessoal e aceitação da orientação sexual mesmo quando parece chegar um pouco mais tarde na vida do que seria de esperar. Mas isso é parte do que o filme pretende transmitir: na verdade, nunca é tarde. Não é tarde para nos conhecermos, para mudarmos, para nos abrirmos a novas experiências. E valorizarmos quem nos adora não pelo que fomos, mas pelo que somos à medida que crescemos juntos.

Em última instância, Am I OK? é um filme que, apesar de suas limitações criativas, oferece uma representação sincera e relevante da autodescoberta e aceitação tardia. Recomendado para quem aprecia histórias autênticas, com substância, mas de digestão simples.

Carla Rodrigues