The Souvenir, de Joanna Hogg – primeiro classificado na votação de melhores filmes de 2019 realizada pela revista britânica Sight & Sound. Aftersun, de Charlotte Wells – primeiro classificado na votação de melhores filmes de 2022 da mesma publicação. All of Us Strangers, de Andrew Haigh – décimo segundo classificado na votação equivalente de 2023. Três filmes britânicos, amplamente aclamados pela crítica, realizados por três cineastas de gerações distintas, mas que não deixam de estabelecer um padrão de um determinado bom gosto cinematográfico e de uma certa tendência (pun intended) do cinema (e da crítica!) contemporâneo(a) do Reino Unido.
Este artigo contém spoilers.
Mas centremo-nos inicial e isoladamente no objeto fílmico que aqui nos traz, All of Us Strangers, recentemente estreado na plataforma de streaming Disney +, sem antes ter estreado nas salas de cinema nacionais. O novo filme de Andrew Haigh, realizador responsável por outros sucessos críticos como 45 Years (2015) e Weekend (2011), retrata a vida isolada de Adam (Andrew Scott) em Londres, revelando progressivamente a origem da sua alienação. O filme lida fundamentalmente com o trauma provocado pela perda de ambos os pais num acidente de automóvel, quando Adam era ainda uma criança. O aparecimento de Harry (Paul Mescal), vizinho do protagonista no enorme prédio envidraçado que habita, promete abalar positivamente a vida de Adam, mas acaba também por ressuscitar todas as memórias negativas inerentes ao preconceito e discriminação que sempre sofreu por ser queer.
Deixando de lado a sinopse importa determo-nos agora sobre duas características do filme que nos permitirão posteriormente traçar as pontes com os dois filme citados inicialmente. Em primeiro lugar, debrucemo-nos sobre o conceito/truque que se constituí como epicentro de All of Us Strangers. Adam desloca-se frequentemente de comboio a casa dos pais e uma parte significativa do filme decorre dentro dessa habitação, onde o Adam contemporâneo contracena com os pais do passado. Os fantasmas dos pais, representados por Jamie Bell e Claire Foy, têm a aparência da época em que faleceram, e são neste momento mais jovens que Adam. Tanto Adam como os pais estão cientes da sua condição e Haigh explora esta materialização, procurando garantir a catarse de Adam através da confrontação com as memórias do passado e a realidade do presente. Se inicialmente Haigh se faz valer do mistério provocado pela desorientação do espectador, o efeito assume gradualmente um carácter reiterativo.
Em segundo lugar, analisemos a abordagem formal e a encenação utilizada por Andrew Haigh. O cineasta faz-se valer de um instrumento cinematográfico que (infelizmente, diríamos) se encontra em desuso, a sobreposição de imagens, reforçando a natureza espectral da narrativa, os fantasmas dos pais (que curiosamente nunca são mostrados desta forma) e a condição desconectada de Adam.
Juntando-se à sobreposição de imagens temos também a recorrência dos tons alaranjados, rosa, azul e púrpura, presentes tanto nas imagens noturnas do apartamento como nas incursões de Adam e Harry pela vida noturna de Londres.
Para além da conjugação dos tons psicadélicos e da sobreposição de imagens, Haigh opta também frequentemente por distorcer as imagens do reflexo de Adam, sempre na tentativa, novamente reiterativa e forçadamente óbvia, de nos transmitir o turbilhão de sentimentos que habita a mente do protagonista.
Passando do particular para o geral, existe nesta nova vaga do cinema britânico, se assim podermos chamar, uma preocupação permanente com as características picturais de cada plano. Tal facto redunda num academicismo sufocante, na procura constante da imagem mais harmoniosa e esteticamente relevante, mesmo que evidenciando uma inorganicidade para com a narrativa. A recorrência de reflexos é mais um exemplo desta esteticização.
Complementarmente, nos 3 casos em apreço, é possível encontrar uma celebração da nostalgia como um fim em si mesmo, latente na utilização de filmagem em película (35mm ou 16mm), ou na banda sonora (principalmente em All of Us Strangers e Aftersun) perfeitamente trivial, óbvia e enjoativa (Always on My Mind e Under Pressure, respetivamente, como ápices). Esta nostalgia acaba por estar associada também ao tempo cronológico onde os filmes têm lugar. The Souvenir nos anos 80, Aftersun e All of Us Strangers (no interior da casa dos pais) nos anos 90. É uma estética e estilo que se encontra transversalmente em voga nos tempos que correm e que encontra abrigo também na sétima arte, como se as imagens contemporâneas já não tivessem a força suficiente para evocar o imaginário do espectador.
Apesar disso são 3 filmes de natureza completamente distinta, All of Us Strangers inequivocamente um melodrama, enquanto os outros 2 claramente dramas mais contidos e que fazem do minimalismo e da utilização de elipses a sua força. Percorre também, por qualquer um dos filmes, um sentimento fortemente vincado e asfixiante de devastação e melancolia emanado da complexidade da existência e das relações humanas. Este sufoco é assoberbado pelos tais efeitos/truques utilizados pelos cineastas. A materialização dos falecidos pais de Adam (All of Us Strangers), a sensação de perigo iminente em cada cena quotidiana (Aftersun) ou o recurso a elipses que elidem mais do que sugerem (The Souvenir).
All of Us Strangers é um filme pertinente, que consegue representar com nuance o trauma, a solidão, a dificuldade de conexão e a atemporal complexidade da vivência queer. Mas a abordagem formal e narrativa de Andrew Haigh, iminentemente asséptica, esteticizada e reiterativa, amarram o filme e tornam-no em apenas mais um fascículo de um determinado, desinteressante e sobrevalorizado cinema britânico contemporâneo.