Air – Still Doing It

Air (2023) é o novo filme do actor e realizador Ben Affleck que aqui presta homenagem não tanto a Michael Jordan mas sim ao infalível esforço da Nike para produzir as sapatilhas mais conhecidas do mercado e, consequentemente, mais caras do mundo. Com um argumento escrito pelo estreante Alex Convery, Air é também um filme que relata os acontecimentos de 1984 que antecederam a parceria entre a divisão de basquetebol da Nike com um até então desconhecido Michael Jordan, revolucionando o mundo do desporto e da cultura estética através da introdução da marca Air Jordan nos mercados internacionais.

Uma particularidade interessante no processo técnico de Air, foi o uso que Ben Affleck fez de algumas filmagens em 8mm e 16mm para criar um aspecto de “arquivo”, possibilitando uma intro deveras chamativa e cativante. A par disto, o filme foi filmado com uma câmara digital denominada Arri Alexa 35. No que diz respeito à obtenção das cores degradadas nas cenas iniciais, os editores tiveram de transferir a filmagem para uma cassete de vídeo betacam com mais de 30 anos para obter o aspecto arcaico pretendido pelo realizador e, só de seguida, transferir novamente a imagem degradada para que pudesse ser incorporada no filme.

Com efeito, Air gira incessantemente em torno de uma bola de espelhos e de todo o glitter e cabelos típicos dos anos 80. A banda sonora é um best of da década que mais conjugou estilos musicais, do synth-pop ao rock e da new wave ao punk, aparecendo no decorrer do filme, nomes sonantes como Bruce Springsteen, Dire Straits, Chaka Khan, The Clash, Cindy Lauper, Violente Femmes, The Alan Parsons Project e ZZTop. Toda a estética referencial está lá assim como o movimento impactante da indústria do vestuário e do calçado na construção social e qualitativa das classes sociais nos anos 80 e princípio dos 90.

Mais concretamente, Air explora a luta perseverante que o Presidente de Marketing da Nike, Rob Strasser (Jason Bateman), e o CEO, Phil Knight (Ben Affleck), a par do caça-talentos Sonny Vaccaro (Matt Damon), que numa união de forças se empenham afincadamente para encontrar uma spokerperson para o seu calçado desportivo. A Nike, a Adidas e a Converse entram numa batalha estética e q.b. campal para capturar aquele que viria a ser o melhor jogador de Basquetebol do mundo.

Na verdade, Michael Jordan, sabemos nós, é o grande foco desta luta, no entanto, Ben Affleck não lhe concede em momento algum destaque ou deixa na acção. Nunca lhe chegamos a ver o rosto e nem ficamos a saber quem é o actor que o representa. A sua voz nunca se faz ouvir. Para Affleck, o mediatismo de Jordan, o seu reconhecimento e aspecto físico são inimitáveis, ouve-se dizer nas curiosidades do filme. Por isto, optou por uma interpretação passiva e quase invisível, por oposição à robusta e musculada presença dos pais do atleta, Deloris e James Jordan, respectivamente interpretados por Viola Davis e Julius Tennon.

Por sua vez, Matt Damon como Sonny Vaccaro é extremamente competente no trabalho e personagem que interpreta, colocando sempre uma elevada densidade emocional na persuasão dos Jordans a este contrato que viria a modificar o significado e o peso do desporto na economia americana mas também internacional. Damon no papel de Sonny carrega o fardo e a pressão de tornar uma marca com pouco relevo e baixas vendas na Nike repleta de reputação e inserção no mundo capitalista, dos negócios e da Bolsa de Valores. Por outro lado, é também Chris Messina e Chris Tucker que surpreendem com as suas personagens extremamente emocionais e complexas, com falhas comportamentais assumidas, as ditas personagens reais.

Efectivamente, foi todo o poder inventivo dos criativos da marca em colaboração com os recursos humanos da Nike (Design; Marketing; Comunicação; Fabrico) mas também a oratória assertiva de Sonny que capturaram a atenção dos pais de Jordan, mais concretamente da sua mãe, Deloris, magnificamente interpretada por Viola Davis, que muito influenciaram a escolha do filho. Foi a perseverança mas também o esforço e o trabalho em equipa do gabinete desportivo da marca que levou à decisão favorável de Jordan pela Nike, este que sempre teve preferência pela rival Adidas.

Finalizando, Air é um filme cativante, que entretém os espectadores pelo seu poderoso elenco que nos dá performances memoráveis. Como filme americano que é, o toque emocional está sempre presente mesmo que estejamos a falar de uma obra que se foca maioritariamente num desportista a quem cabe fornecer o carisma e a influência para criar um elevado peso estético num calçado específico mas também no uso do mesmo como uma representação social e de classe.

Por outro lado, é possível afirmar que Air, em algumas cenas, poderá até roçar um exercício de exaltação capitalista, tendo claramente uma premissa frágil e sendo o seu todo algo oco e superficial pois acaba por representar um anúncio de quase duas horas da Nike para um público que, na sua maioria, não possui competências económicas para o comprar.

Rita Cadima de Oliveira