O que define um thriller? Será certamente algo a ver com o ritmo, uma linguagem cinematográfica de peripécia, de incerteza, de imprevisibilidade. Normalmente associamos o thriller à acção ou ao terror. Uma investigação, uma perseguição, armas de fogo. Lembramo-nos de Fincher com The Game ou Zodiac, fugindo à linguagem da acção mais clássica. Mas nos últimos anos tem ganho forma uma nova estirpe thrilleriana, o thriller da rotina quotidiana.
À cabeça vêm dois: Uncut Gems dos irmãos Safdie (e porque não inserir aqui também Good Time) e Sorry We Missed You de Ken Loach. O primeiro seguia a imprevisibilidade do stress da vida de um joalheiro endividado preso num nó górdio, o segundo a busca incessante da procura de condições de trabalho e de vida no dia a dia. À Plein Temps, ou Full Time, do realizador Eric Gravel, vem nesta senda, acompanhando uma mãe solteira de 2 filhos ao longo de uma semana enquanto procura um novo trabalho e se debate com as dificuldades quotidianas de uma sociedade sem ofertas para pessoas acima dos 40 anos. Acresce a isso a luta contra as ininterruptas greves de transportes públicos, a que os portugueses se relacionam tão bem, numa Paris em constante luta.
O resultado é um filme diabólico, sempre em corrida contra o tempo, tic-tac tic-tac (reminiscências de Dunkirk), à medida que a sua protagonista faz piscinas e resolve etapas, numa interpretação brilhante de Laure Calamy. Essa será, no entanto, apenas a superfície formal daquilo que é À Plein Temps. Por baixo da sua incubadora de stress está uma análise profundamente contemporânea e realista das dificuldades económicas de um mundo ocidental hiper competitivo, onde não existe espaço para falhar, onde o trabalho é precário, onde a mobilidade não acompanha a escalada de preços da habitação e onde o excesso de qualificações fecha portas para os trabalhos mais simples. Onde o CV tem que ser moldado caso a caso, onde o break even financeiro parece um sonho impossível.
O maior elogio que se pode deixar a À Plein Temps é a habilidade com que agarrou no seu tecido híper realista de análise (crítica?) social e o transformou num thriller de entretenimento, com uma linguagem acessível e uma total ausência de pretensiosismo que, sempre se dirá, dá mais oxigénio do que aquele que freneticamente retira, ao contrário de outros que insistem em glamorizar o bolor.