25 Filmes para Conhecer a História do Cinema Brasileiro

Enrico ManciniJaneiro 17, 2024

O cinema brasileiro não é conhecido na Europa. Nem mesmo em Portugal, onde a barreira natural da língua é pequena. Fato é que, por mais que doa a mim enquanto pesquisador do tema, o cinema do Brasil não é familiar nem mesmo aos brasileiros. Essa lista tenta, de forma curta e simplificada, apresentá-lo.

É claro que existem lacunas. É inevitável. Aqui estão filmes, na minha visão, incontornáveis na história do cinema brasileiro. De certa maneira, cada filme listado delimita um momento dessa história, que tentarei resumir. A métrica, então, não foi sucesso comercial ou gosto pessoal. Evitei fazer juízo de valores sobre cada película, mesmo que algumas estejam entre as que antipatizo.

Restringi a seleção apenas a longas-metragens de ficção. É evidente que 25 filmes são insuficientes para traduzir a variedade do cinema feito no Brasil, mas se trata de uma lista introdutória, e acredito que serve ao propósito de iniciar o leitor na bela jornada que é a descoberta do cinema brasileiro, para que daqui ele siga sozinho.

 

Tesouro Perdido (1927) de Humberto Mauro

Filme feito em Cataguases, em um dos primeiros “ciclos regionais” de cinema do país, onde se criou um núcleo de produção e exibição cinematográfica. Humberto Mauro é até hoje um dos cineastas mais importantes do cinema brasileiro, tendo, depois disso, se envolvido com os grandes estúdios – com a Cinédia, fazendo Ganga Bruta (1933); e com a Brasil Vita Filmes, fazendo Cidade-Mulher (1936) – para depois ir fazer filmes educativos para um órgão do Estado, o Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE).

 

Acabaram-se os Otários (1929) de Luiz de Barros

Lulu de Barros é, em certa medida, o mais próximo que se chega a Manoel de Oliveira do cinema brasileiro, tendo feito filmes de 1923, ainda na era muda, ao fim do cinema moderno brasileiro, em 1980. Acabaram-se os Otários se destaca por ser o primeiro filme com som síncrono realizado no Brasil, tratando de caipiras que vão à cidade grande. Um clima de euforia foi criado nesse momento a partir da esperança de que o público brasileiro rejeitaria o cinema falado em língua estrangeira, e logo catapultaria a indústria do cinema no país.

 

Limite (1931) de Mário Peixoto

O longa é tratado como o melhor filme brasileiro de todos os tempos pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE). É um dos mais míticos da história que tento contar aqui, sendo o único filme dirigido por Mário Peixoto, aos 18 anos na época. Deixou de ser exibido até a década de 1970, e nesse período alguns diziam que ele nem mesmo existia. Único filme experimental da época muda do cinema no Brasil, é um filme exceção, que existe à margem dos outros.

 

Alô Alô Carnaval (1936) de Adhemar Gonzaga

Nesse momento a euforia pelo cinema falado já havia mostrado estar errada. Com a chegada do som, a produção foi reduzida, e não aumentada como esperavam os realizadores. Os custos de produção aumentaram, e a dependência tecnológica com os Estados Unidos foi fortalecida. Um verdadeiro desastre! É nesse contexto que surge Alô, Alô, Carnaval, dirigido por Adhemar Gonzaga, dono do primeiro grande estúdio de cinema brasileiro, a Cinédia. Aqui percebeu-se que para se diferenciar do produto estrangeiro em era de cinema falado, o cinema brasileiro precisava de se apegar a determinantes nacionais próprios, como a língua e principalmente a música. O cinema passa a se ligar com a efervescente indústria do rádio, e a presença de astros e estrelas da indústria fonográfica chama muito público às salas. É aqui o ponto inicial do filme de comédia musical carnavalesco, tão importante para essa história.

 

O Ébrio (1946) de Gilda de Abreu

Dirigido pela até então atriz Gilda de Abreu, O Ébrio foi o primeiro filme blockbuster do cinema brasileiro, conseguindo até mesmo bater E tudo o vento levou (1940) na bilheteria. Também produzido pela Cinédia, se destacou por não ser um desses musicais feitos a exaustão na época, mas um melodrama. Estrelado por Vicente Celestino, o filme é baseado numa música do próprio, que também é marido da diretora e gigantesco astro do rádio (logo existe uma certa herança de Alô, Alô, Carnaval), o filme foi um sucesso estrondoso.

 

Carnaval no Fogo (1949) de Watson Macedo

Auge da comédia musical carnavalesca iniciada na década de 1930. Filme produzido pela Atlântida, que foi o estúdio que mais se destacou fazendo as “Chanchadas” (termo meio pejorativo para esse tipo de filme de comédia musical carnavalesca), e marca também a dupla cômica Oscarito e Grande Otelo, uma das mais icônicas duplas da história da sétima arte no Brasil.

 

Caiçara (1950) de Adolfo Celi

A Vera Cruz, outro dos quatro grandes estúdios brasileiros (que são Cinédia, Atlântida, Vera Cruz e Maristela) busca fazer um tipo de filme com qualidade internacional, e para isso contrata o brasileiro radicado na Europa, Alberto Cavalcanti. Ele é chamado para ser produtor-geral da empresa, e contrata vários técnicos europeus para trabalhar para nela. Cavalcanti produz e escreve três filmes, sendo Caiçara o primeiro deles. O maior sucesso internacional da Vera Cruz viria a ser O Cangaceiro (1953), que ganhou o prêmio de melhor filme de aventura e de melhor trilha sonora no Festival Internacional de Cannes.

 

Simão, O Caolho (1952) de Alberto Cavalcanti

Depois de três filmes e vários desentendimentos, Alberto Cavalcanti acabou deixando a Vera Cruz e indo para a Maristela, um estúdio que surge na efervescência cinematográfica da época. Simão, O Caolho é o primeiro filme dirigido por Cavalcanti no país, e o mais relevante deles.

 

Jeca Tatu (1959) de Milton Amaral

É impossível passar pela história do cinema brasileiro sem citar Amácio Mazzaropi, o ator de comédias ligadas ao cinema caipira brasileiro, que é um homem preguiçoso da zona rural do país que usa da malandragem para se beneficiar.  Jeca Tatu é um dos primeiros filme produzido pelo próprio humorista, pela Produções Amácio Mazzaropi (PAM Filmes).

 

O Pagador de Promessas (1962) de Anselmo Duarte

O Pagador de Promessas foi o primeiro e único filme brasileiro a vencer a Palma de Ouro em Cannes. Dirigido pelo antigo ator da Vera Cruz e galã de chanchadas Anselmo Duarte, o filme gerou uma grande crítica por Glauber Rocha, um dos principais cineastas da história do cinema brasileiro, que achava que o filme não merecia tamanho reconhecimento. Fato é que houve um incômodo entre os cineastas do Cinema Novo, principal movimento de cinema no país que já tomava forma no começo dos anos 1960, em relação a esse filme. A estética de O Pagador de Promessas não conversava com a linguagem moderna e experimental defendida pelos cinemanovistas, além de emular uma estética mais próxima de um modelo hollywoodiano.

 

Noite Vazia (1964) de Walter Hugo Khouri

Noite Vazia é outro filme que é muito questionado pelo Cinema Novo. O diretor Walter Hugo Khouri, tratado como “universalista”, isto é, fazia filmes voltados para temas universais ao invés de brasileiros (que seria o “certo”) é um dos mais talentosos e importantes da história. Noite Vazia, que tem uma estética parecida com a trilogia da incomunicabilidade, do cineasta Michelangelo Antonioni, é um dos filmes mais famosos de Khouri.

 

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) de Glauber Rocha

Se o Cinema Novo apareceu nos comentários dos dois últimos filmes, nada mais justo do que agora dar espaço para seu principal filme, Deus e o Diabo na Terra do Sol. Glauber Rocha coloca em prática sua “estética da fome” em um dos mais importantes filmes já feitos em terra brasileira. Incontornável.

 

À Meia Noite Levarei Sua Alma (1964) de José Mojica Marins

Outro personagem que é inevitável numa trajetória minimamente competente pela história do cinema no Brasil é Zé do Caixão. O personagem criado e interpretado pelo diretor José Mojica Marins é um marco do terror brasileiro, também do terror cult internacional. À Meia Noite Levarei Sua Alma é o primeiro filme em que ele aparece, também o mais famoso em sua filmografia.

 

O Bandido da Luz Vermelha (1968) de Rogério Sganzerla

Figura recusada pelo Cinema Novo, Rogério Sganzerla é, junto de Júlio Bressane, o cineasta mais famoso do Cinema Marginal, que foi um movimento marcado por uma linguagem moderna e experimental que existia à margem dos circuitos comerciais de exibição do cinema – por isso o nome. Um verdadeiro cinema de lixo, cinema feito no subdesenvolvimento do Brasil, tratando também da ditadura militar, O Bandido da Luz Vermelha é o filme mais importante e relevante do movimento, além de ser espetacular.

 

São Bernardo (1972) de Leon Hirszman

Apenas o segundo filme produzido pela importantíssima Embrafilme, que foi uma empresa de participação estatal responsável por fomentar a produção e distribuição de filmes brasileiros entre o começo da década de 1970 e meados da década de 1980. São Bernardo, baseado no livro homônimo de Graciliano Ramos e dirigido pelo excelente Leon Hirszman foi minha escolha para representar essa fase, que poderia ter vários outros filmes no lugar. Escolhi justamente por ser um dos primeiros filmes produzidos, e já excelente.

 

A Mulher Que Inventou o Amor (1979) de Jean Garrett

O leitor brasileiro que chegou até aqui deve estar desconfiado que não haverá menção às famigeradas “pornochanchadas”, mas é claro que elas têm que estar representadas. A união da palavra “porno” com a já mencionada “chanchada” já indica que se tratam de filmes que tem alto teor erótico, explorando os corpos nus das atrizes para atingir sucesso de público. Até hoje se tem como estereótipo que o cinema de ponochanchada era apenas isso, apenas mulheres nuas, mas a verdade é que vários cineastas de alto calibre tentaram fazer filmes de qualidade, mesmo precisando se conciliar com esse modelo de filme. É o caso de Jean Garret com A Mulher Que Inventou o Amor, talvez a pornochanchada mais aclamada pelos críticos brasileiros. 

 

A Idade da Terra (1980) de Glauber Rocha

A idade da Terra foi o último filme de Glauber Rocha, e um dos mais complexos e interessantes produtos audiovisuais já feitos no Brasil. É curioso saber que esse longa-metragem foi produzido pela já em inicio de declínio Embrafilme, mostrando uma conciliação entre o principal nome do Cinema Novo com o Estado brasileiro, mesmo que já em fase de afrouxamento, ainda uma ditadura militar. Além disso, no começo do Cinema Novo se dizia que o cinema industrial matava o cinema de autor defendido com veemência por seus membros, e no fim da vida Glauber se liga a maior indústria que o país já teve até então. A idade da Terra é, então, um filme de conciliação. 

 

Os Saltimbancos Trapalhões (1981) de J.B. Tanko

Os Trapalhões foi um grupo cômico de quatro integrantes, Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, que fez um dos programas mais assistidos da televisão brasileira. Eles migram para o cinema, são sucesso estrondoso de público. Os Saltimbancos Trapalhões é um dos vários filmes desse grupo que precisava estar presente na lista, além de ser dirigido por J.B. Tanko, um dos principais nomes das chanchadas na década de 1950.

 

As Safadas (1982) de Inácio Araújo, Antônio Meliande e Carlos Reichenbach

Outra pornochanchada, essa mais explícita, como o próprio nome indica. Listei As Safadas porque se trata de um tipo de cinema muito importante, especialmente entre o fim da década de 1960 e começo da década de 1980, o cinema episódico. O filme episódico, isso é, em geral três curtas metragens dirigidos por três cineastas e equipes diferentes, foi um dos mais interessantes escapes à censura e ao sucateamento exercido pelo governo militar. Foi um atalho não só para a expressão cinematográfica, mas uma forma de manter toda uma equipe empregada e vivendo de cinema em terras onde o mercado era dominado pelo produto estrangeiro, e só estavam ligados à Embrafilme um certo grupo. A quantidade de filmes feitos nessa lógica é gigantesca, e principalmente, pagava os custos da produção.

 

A Marvada Carne (1985) de André Klotzel

A Marvada Carne foi um dos primeiros filmes do Novo Cinema Paulista, que retoma a tradição do caipira no cinema brasileiro a partir de outra perspectiva. O caipira em Marvada Carne agora gira em torno das formulações linguísticas e o folclore reproduzido pela oralidade. Foge, então, do estereótipo de Mazzaropi do caipira preguiçoso e ingênuo, indo na direção de um certo “avanço natural” do caipira em direção à cidade: o urbano não se opõe ao rural. Isso é bem diferente do senso de nostalgia por um passado que existia nos filmes do “subgênero” até aquele momento.

 

Carlota Joaquina, Princesa do Brasil (1995) de Carla Camurati

Em 1990 toma posse o presidente Fernando Collor de Mello, que extingue órgãos responsáveis por fomentar a produção de cinema no Brasil, como a Embrafilme. Entre 1990 e 1994 o cinema brasileiro entra numa crise onde a produção era quase nula. Só em 1995 a produção volta a acontecer com frequência, e Carlota Joaquina é o filme marca para esse momento, que é conhecido como “Cinema de Retomada”.

 

Central do Brasil (1998) de Walter Salles

Ainda em clima de retomada, surge um longa de ampla aceitação de público e crítica, mas principalmente de sucesso internacional. Central do Brasil é indicado a melhor filme estrangeiro no Oscar, vence essa categoria no Globo de Ouro, além do Urso de Ouro no festival de Berlim. Fernanda Montenegro é indicada ao Oscar de melhor atriz por esse filme, até hoje a única indicação nessa categoria a um filme brasileiro. 

 

Cidade de Deus (2002) de Fernando Meirelles

Grande sucesso do “Favela Movie”, filmes que se passam na favela e buscam retratar (sem a devida complexidade, única opinião que darei) a violência e o tráfico de drogas que ocorre por lá. Cidade de Deus é até hoje tratado como um dos “melhores filmes brasileiros” pelo senso comum do país. Com quatro indicações ao Oscar, é também o filme brasileiro de maior sucesso na premiação do cinema americano.

 

Tropa de Elite (2007) de José Padilha

Tropa de Elite, um sucesso em Portugal, foi marcado pela pirataria, que permitiu com que a obra atingisse a massa brasileira. Nesse sentido, o personagem Capitão Nascimento, interpretado por Wagner Moura, existe no imaginário popular do país, com frases marcantes que são repetidas ad aeternum em qualquer lugar do Brasil. Outro grande sucesso do “Favela Movie”, também leva o Urso de Ouro em Berlim.

 

Bacurau (2019) de Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles

Um verdadeiro fenômeno de público nas salas de cinema que, retomando um feito de Cidade de Deus, uniu sucesso comercial com sucesso crítico e internacional, tendo vencido o Prêmio do Júri do Festival de Cannes. Kleber Mendonça vem se consolidando como um dos principais nomes da realização cinematográfica da atualidade, com o lançamento recente Retratos Fantasmas (2023).

Amo o cinema brasileiro. Descrever o que eu sinto por ele é tão ineficaz quanto tomar banho de capa de chuva. Mas eis, nessa lista, a história do fracasso da minha tentativa.

Enrico Mancini