18º MOTELX: Antevisão e Entrevista aos Directores Pedro Souto e João Monteiro

David BernardinoSetembro 4, 2024

Aproxima-se rapidamente mais uma edição do MOTELX – Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa. A programação final e os horários já foram revelados e os bilhetes já estão disponíveis, naquela que se prepara para ser uma das edições mais fortes de sempre. Destacam-se inúmeras estreias nacionais tais como The Substance, que ganhou melhor argumento em Cannes e oferece aquele que promete ser o filme da carreira de Demi Moore com um body horror desconcertante. Maxxxine de Ti West, que conclui a trilogia protagonizada por Mia Goth (X e Pearl) e The Surfer, com Nicolas Cage, também terão estreia nacional. Kill, uma revelação do cinema de género indiano, e talvez o mais violento do festival, também será apresentado, tal como Cuckoo, Oddity e Strange Darling, todos eles considerados grandes revelações do horror de 2024 por onde têm passado. A estes juntam-se dezenas de outros filmes que prometem satisfazer a fome dos fãs do cinema de género, e que podem ser consultados no site oficial do MOTELX

Regressam igualmente, entre outras, as secções Quarto Perdido, em busca do cinema português perdido no tempo e, como sempre, o Prémio MOTELX – Melhor Curta de Terror Portuguesa 2024, que oferece o maior prémio monetário em Portugal num concurso de curtas metragens em Portugal, sob o qual poderemos ver este ano 10 filmes. Este ano nasce ainda a secção A Bem da Nação: Os Filmes Proibidos pelo Estado Novo, que procura resgatar filme de terror de culto do passado, e que foram, naturalmente censurados em Portugal.

David Bernardino da Tribuna do Cinema, não deixou escapar a oportunidade de mais uma vez se reunir com os directores artísticos e programadores do festival Pedro Souto e João Monteiro para uma entrevista que procura antecipar esta nova edição, bem como revisitar alguns momentos do passado de 18 anos de muitas histórias.

 

Entrevista a Pedro Souto e João Monteiro

 

David Bernardino – Olá Pedro Souto e João Monteiro! Sem rodeios: este ano poderá ser potencialmente a edição com o programa mais forte da história do festival, com vários “cabeças de cartaz” desde Substance a Oddity, passando pelo MaXXXine ou The Surfer, entre mesmo muitos outros. Como é saberem que o Motelx faz parte da rede dos grandes festivais internacionais de cinema, oferecendo estreias de filmes que estrearam recentemente em Cannes, por exemplo?

João Monteiro – O MOTELX, tal como festivais parceiros na Federação, marca presença todos os anos nos principais mercados internacionais como por exemplo Berlim e Cannes. É lá que tomamos contacto com os títulos mais fortes do ano, e com o abrir de portas dos festivais de classe A ao cinema de género, a nossa programação tem também títulos de Veneza ou Locarno. Nesse sentido, pertencer a essa rede é motivo de orgulho, de trabalho bem feito e um garante de qualidade para um festival de um género eternamente “marginal”.

 

Quais são para vocês os filmes que irão atrair mais público este ano?

João Monteiro – São aqueles que mencionaste antes e acrescentaria também o remake do SPEAK NO EVIL, CUCKOO, SASQUATCH SUNSET, STRANGE DARLING e IN A VIOLENT NATURE.

 

The Substance

 

Pessoalmente para cada um de vocês que filmes estão mais ansiosos para ver e mais vos cativam?

João Monteiro – O austríaco THE DEVIL’S BATH é um filme de época bastante forte, o CARTAS TELEPÁTICAS é uma experiência totalmente nova por ter sido concebido integralmente em IA ou a estreia europeia de A HERANÇA, um terror do Brasil diferente dos que temos estado a passar recentemente, e outros títulos que são puramente filmes de festival como HANDSOME GUYS, SAYURI ou KILL. Um último destaque para a selecção de curtas nacionais para o Méliès d’argent que estão agrupadas em duas sessões a não perder; para a secção SALA DE CULTO, em particular O VELHO E A ESPADA; e a sessão surpresa (misto sessão espírita) de um filme proibido antes do 25 de Abril na sala Rank, onde supostamente os censores classificavam filmes.

Pedro Souto – Há muitos! O SISTER MIDNIGHT, que me surpreendeu pela sua componente de comédia negra com humor cortante, o HUMANIST VAMPIRE SEEKING CONSENTING SUICIDAL PERSON, pela consistência com grandes personagens e um tom dramático muito apelativo, tipo Sofia Coppola. No campo do bizarro, um dos grandes filmes para mim foi o SASQUATCH SUNSET, que eleva a arte da pantomima a um escalão superlativo e nos deixa maravilhados com as imagens e situações, e nos deixa com a questão “WTF?” do princípio ao fim. E o SUBSTANCE, sem dúvida, porque é um filme verdadeiramente feminista e numa conjugação de diversos factores apresenta-nos uma história épica com Demi Moore sem medo nenhum no grande papel da sua carreira, e depois de verem vão perceber que foi realmente o casting perfeito.

 

MaXXXine

 

O MOTELX tem uma relação peculiar com o Nicolas Cage, não tem? Podemos sonhar com a presença dele um dia no festival?

João Monteiro – O Nicolas Cage tem, neste momento, uma ligação peculiar com o cinema de género. Há uns anos prometemos, numa abertura de MOTELX, fazermos o possível por ter um filme dele (pelo menos) por ano, promessa que retomamos em 2024. Quanto a ele vir, sonhar é fácil…

 

Que outras personalidades gostariam de ver no MOTELX? Teremos surpresas este ano?

João Monteiro – Gostaria de ver, um dia, a Ministra da Cultura e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa presentes na abertura do MOTELX. Talvez na vigésima… 

Pedro Souto – Este, no que respeita a longas, vamos ter como convidados as realizadoras Aislinn Clarke (FRÉWAKA), Ayşe Polat (IN THE BLIND SPOT) e Sokyou Chea (TENEMENT), e também João Cândido Zacharias (A HERANÇA), Edgar Pêra (CARTAS TELEPÁTICAS), Löic Tanson (THE LAST ASHES), Can Evrenol (SAYARA), Tilman Singer (CUCKOO), Fábio Powers (O VELHO E A ESPADA) e António Victorino D’Almeida (A CULPA). Estamos ainda à espera de receber, finalmente, a dupla Alexandre Bustillo e Julien Maury (THE SOUL EATER), mas ainda por confirmar.

 

Cuckoo

 

Em relação à secção Quarto Perdido, todos os anos têm conseguido trazer filmes de género de origem portuguesa esquecidos pela história, o que culminou até na publicação do livro dedicado a esta secção com textos sobre várias obras exibidas ao longo dos anos no MOTELX. Qual o processo para encontrar estes filmes e será que a fonte está a esgotar-se?

João Monteiro – O processo iniciou-se há muitos anos com visitas regulares ao arquivo da Cinemateca em Bucelas para ver os resultados das nossas pesquisas. Ainda há filmes que nunca vimos, mas obviamente que um dia a fonte seca porque a produção de cinema português, apesar dos seus 100 anos de idade, é escassa. No entanto, todos os anos surgem surpresas, como por exemplo EXPERIÊNCIA EM TERROR, que nos faz desconfiar da mina de ouro que os arquivos da RTP podem ser.

 

Podemos esperar nos próximos anos um desenterrar de filmes de terror internacionais igualmente esquecidos?

João Monteiro – Temos vindo a fazer isso igualmente. Só este ano, recuperamos cinco filmes esquecidos no programa especial dedicado a filmes proibidos no Estado Novo, todos eles fascinantes e merecedores de novos olhares. Recomendo em particular 10 RILLINGTON PLACE, de Richard Fleischer, e IL DEMONIO, de Brunello Rondi.

Pedro Souto – Este ano, recuperamos também o THE TERMINATOR (1984), 40.º aniversário, na sessão do Warm-Up a acontecer dia 5 de Setembro no Beato Innovation District. Uma cautionary tale muito pouco subtil e muito actual, apesar dos seus 40 anos! A Inteligência Artificial é mais um cavaleiro do apocalipse que se junta aos outros três já conhecidos — alterações climáticas, guerras e pandemias.

 

10 Rillington Place

 

Como têm visto a participação no concurso Prémio MOTELX – Melhor Curta de Terror Portuguesa 2024, que está cada vez maior? Sentem que o MOTELX tem tido um papel importante no desenvolvimento do cinema de género português?

João Monteiro – É com enorme satisfação perceber que esta iniciativa tem, pelo menos, posto muita gente a trabalhar e a tentar entrar em competição. Se me perguntassem há uns anos se iríamos conseguir pôr em marcha algum tipo de estímulo à produção de cinema de género em Portugal, responderia com algum cuidado. Mas, nos últimos cinco anos, temos tido sempre uma ou mais estreias de longas-metragens, que é, sem dúvida, um passo gigante para um género que nunca contou para produtores e financiadores.

Pedro Souto – O Prémio MOTELX – Melhor Curta de Terror Portuguesa, que é actualmente o maior prémio monetário para curtas-metragens em Portugal (5000 €), tem sido uma das principais apostas do Festival. A produção nacional tem-se mantido consistente, e a qualidade das obras apresentadas tem vindo a aumentar continuamente! Ao longo do ano, com iniciativas como o MOTELX on Tour e as Sessões Especiais MOTELX Estudantes, temos levado o melhor do cinema de terror português a várias regiões do país. Nesses encontros, é sempre evidente o entusiasmo dos jovens cineastas em experimentar o género do terror. Para o MOTELX, tem sido fundamental promover o Festival como uma plataforma de excelência para a exibição de cinema de terror nacional, o que é facilitado pela nossa abertura a uma ampla variedade de subgéneros. A diversidade é tal que cada realizador pode encontrar o estilo que mais se alinha com a sua visão criativa. Este ano, o que nos surpreendeu foi o número significativo de curtas-metragens com durações mais longas, entre 30, 40 e até 50 minutos, aproximando-as portanto do formato de médias-metragens.

 

Fugindo às questões habituais, qual foi para cada um de vocês o momento mais marcante do festival, que já vai para a sua 18ª edição?

João Monteiro – Obviamente que foram vários, mas diria a vinda do Zé do Caixão na segunda edição do Festival. Deu-nos muita atenção mediática e pôs o Festival no mapa de eventos cinematográficos logo na segunda edição.

Pedro Souto – A vinda de George Romero ao Festival na sua 4.ª edição foi marcante pois foi a concretização de um convite feito em 2005, aquando do ciclo “Zombies – Os Mortos-Vivos” que esgotou várias sessões da Cinemateca Portuguesa, ainda no pré-história do Festival, durante a actividade do CTLX – Cineclube de Terror de Lisboa. Nesse ano, o George Romero estava a promover o LAND OF DEAD e foi por muito pouco que não veio a Lisboa!

 

The Surfer

 

E para onde caminha o MOTELX? Qual é a ambição ao verem os anos a passar? Qualquer dia serão 20 anos…

João Monteiro – Pessoalmente, não gosto de fazer essas previsões e penso, como no desporto-rei, jogo a jogo. Por isso, diria que o objectivo (após o término desta edição) é que aconteça a 19ª. Os tempos em que vivemos não permitem fazer planos a longo prazo, basta pensar na pandemia e em confinamentos forçados. 

Pedro Souto – Sim, é mesmo jogo a jogo! No entanto, se esse futuro vier a existir já sabemos que pretendemos continuar a aumentar o ramo formativo e laboratorial, como temos vindo a fazer, por exemplo, ao recebermos o GUIÕES – Festival do Roteiro de Língua Portuguesa e este ano com o MOTELX AV Lab no Beato Innovation District, co-organizado com Colectivo de Artistas Liquid Sky sediado em Santana da Serra (Ourique) e com membros um pouco por todo o mundo. Este AV Lav pretende fundir a música electrónica com o cinema de terror através da criação de pequenos sintetizadores e outras experiências sonoras, porque a música e o som no cinema de terror é absolutamente vital!

 

David Bernardino