A equipa da Tribuna do Cinema juntou-se uma vez mais para votar nos melhores filmes de Terror de sempre. O resultado final é uma lista variada, com vários filmes das primeiras décadas do cinema, assim como de outras designadamente fortes neste género (70s e 80s) e alguns filmes mais actuais. A equipa teve a liberdade de considerar o conceito de filme de terror de uma forma aberta, convidando à votação em obras que cruzam também outros géneros. A nossa proposta serve de sugestão para os dias que faltam até ao Halloween, ou para qualquer outro momento que achem oportuno explorar um dos géneros mais aclamados do cinema mundial.
100º Audition (1999) de Takashi Miike
99° Suspiria (2018) de Luca Guadagnino
98° Sombre (1998) de Philippe Grandrieux
97° Body Double (1984) de Brian de Palma
96° The Hunger (1983) de Tony Scott
95° The Fog (1980) de John Carpenter
94° The Brood (1979) de David Cronenberg
93° Scream (1996) de Wes Craven
92° Repulsion (1965) de Roman Polanski
91° The Omen (1976) de Richard Donner
90° The House of the Devil (2009) de Ti West
89° Evil Dead 2 (1987) de Sam Raimi
88° The Conjuring (2013) de James Wan
87° A Tale of Two Sisters (2003) de Jee-woo Kim
86° The Leopard Man (1943) de Jacques Tourneur
85° Raw (2016) de Julia Ducournau
84° The Wailing (2016) de Na Hong-jin
83° 28 Days Later (2002) de Danny Boyle
82° Zombi 2 (1979) de Lucio Fulci
81° The Invisible Man (2020) de Leigh Whannell
80° The Fly (1986) de David Cronenberg
79° Peeping Tom (1960) de Michael Powell
78° Us (2019) de Jordan Peele
77° House (1977) de Nobuhiko Ôbayashi
76° Funny Games (1997) de Michael Haneke
75° The Evil Dead (1981) de Sam Raimi
74° Secret Beyond the Door (1947) de Fritz Lang
73° Possession (1981) de Andrzej Zulawski
72° Inferno (1980) de Dario Argento
71° Ringu (1998) de Hideo Nakata
70° Dawn of the Dead (1978) de George A. Romero
69° Tenebrae (1982) de Dario Argento
68° Dracula (1958) de Terence Fisher
67° Gremlins (1984) de Joe Dante
66° The Lighthouse (2019) de Robert Eggers
65° Vivarium (2019) de Lorcan Finnegan
64° The Beyond (1981) de Lucio Fulci
63° The Beast (1975) de Walerian Borowczyk
62° Curse of the Demon (1957) de Jacques Tourneur
61° The Phantom Carriage (1921) deVictor Sjöström
60° The Descent (2005) de Neil Marshall
59° Martin (1977) de George A. Romero
58° Häxan (1922) de Benjamin Christensen
57° The Black Cat (1934) de Edgar G. Ulmer
56° A Bay of Blood (1971) de Mario Bava
55° An American Werewolf in London (1981) de John Landis
54° Onibaba (1964) de Kaneto Shindô
53° Under The Skin (2013) de Jonathan Glazer
52° Perfect Blue (1997) de Satoshi Kon
51° Get Out (2017) de Jordan Peele
50° Frankenstein (1931) de James Whale
Um dos vários monstros que ganhariam vida através da Universal nos anos 30, juntamente com Drácula, a Múmia, o Lobisomem ou o Homem Invisível, o monstro de Frankenstein é provavelmente o mais icónico. Icónica é igualmente a interpretação de Boris Karloff, enquanto monstro, que viria a regressar em A Noiva de Frankenstein e em vários outros papéis de terror da Universal, contracenando até com o seu rival Bela Lugosi. O filme trata a história que todos conhecemos, numa vertente particularmente emocional, que coloca a nú para as audiências do cinema de então as injustiças do bullying, a histeria colectiva e o lado negro da ambição.
David Bernardino
49° Videodrome (1983) de David Cronenberg
Videodrome tem todos os ingredientes essenciais de um filme “Cronenberg”: Sexo, violência, fantasia (ou realidade transformativa) e muito suspense. Além disso conta ainda com dois protagonistas bastante carismáticos, Debbie Harry e James Woods. Videodrome é uma excelente mistura entre repulsa, intriga e atracção, explorando um tema sexual de forma crua, com alucinações que se misturam com a realidade e que nos deixam constantemente a questionar onde cada uma dessas “realidades” acaba. Esta é a primeira obra prima de Cronenberg, que mais tarde explorou todos estes temas em filmes como “Crash” e “Dead Ringers”.
João Fernandes
48° Deep Red (1975) de Dario Argento
A ontologia do mundo como violência. Iconografia do trauma como topografia do desejo. Argento balanceia perfeitamente o estado de angústia das personagens com uma maestria estética e formal, onde sempre basta um movimento da sua câmera para se articular uma tensão e desestabilizar a narrativa. O filme tem tudo: memórias, cores, pensamentos, significados, invenções, bonecos, cordas, sons, mentiras, ilusões, expectativas, ironia, jazz, mistério, sexo, risos, romance, perversão, horror e violência. Além de tudo, o corte original do filme pode também ser experimentado como uma comédia hawksiana, graças à espirituosa relação que é instaurada entre os personagens do Hemmings e a Nicolodi.
Diogo Serafim
47° The Blair Witch Project (1999) de Daniel Myrick & Eduardo Sánchez
The Blair Witch Project conta a história de três estudantes de cinema que desaparecem na floresta enquanto gravam um documentário sobre a bruxa de Blair Witch. Ao longo do filme, vamos acompanhando os três jovens e as gravações que os próprios filmam à medida que a frustração e desespero no grupo aumenta. Um dos filmes de terror mais influentes dos últimos 30 anos, que catapultou o sub-género found footage (Paranormal Activity, Cloverfield, REC, entre outros) no qual os filmes, geralmente através da baixa resolução a que são filmados, desafiam os espectadores a questionar se o que veem no ecrã é de facto ficção ou real. Blair Witch é também uma rejeição dos filmes de terror americanos, maioritariamente da década de 80, que colocavam no centro da história assassinos (Michael Myers, Jason, Freddie), ao focar-se sobretudo nas vítimas e na sua psicose.
Francisco Sousa
46° Phenomena (1985) de Dario Argento
Um filme que se torna um ícone do cinema de terror italiano, e que permite observar o que vai na complexa cabeça do realizador. É cru, desconfortável, um tormento da mente, mas também com um panorama dos sonhos adormecidos e suaves, uma espécie de exibição das paisagens espirituais. Habituados à mestria ímpar de Argento, abraçamos os seus conceitos e visões visuais fora do comum imaginário do espectador. É um exímio contador de histórias com um belo enredo cheio de twists que deixa uma marca bastante assente no cinema de terror gore, com uma aura de suspense cheio de nuances e com uma escuridão plausível e perturbadora.
Sara Camilo
45° The Invitation (2015) de Karyn Kusama
Uma masterclass em terror slow burn de mistério, The Invitation é uma espiral de crescente tensão acerca de um jantar de amigos de longa data no qual os anfitriões começam a agir de forma estranha e suspeita. Desconfortável e claustrofóbico, Karyn Kusama é maestrina na forma como gere ritmo e expectativa, trabalhando em direção a um clímax que apenas é aperitivo para o que virá a seguir. Que bem sabe ver suspense de horror bem feito, que se alimenta do limbo da aura de incerteza que envolve trama e personagens, deixando o espectador no escuro até ao último momento do filme.
David Bernardino
44° The Sixth Sense (1999) de M. Night Shyamalan
Um dos filmes mais emblemáticos dos anos 90, trouxe o cinema de terror para dentro de casa, conhecido pelo grande público como um filme de terror psicológico. Um filme que mistura thriller com uma história de fantasmas e que deixa o espectador completamente agarrado ao ecrã. Onde o protagonista é uma criança que faz uma confissão polémica ao seu psicólogo com a icónica frase ‘I see dead people’. The Sixth Sense mostra-nos coisas que os adultos não conseguem ver, este é o mote e a assinatura do filme, que se torna uma mensagem bem clara e assustadora em todas as suas dimensões possíveis.
Sara Camilo
43° It Follows (2014) de David Robert Mitchell
It Follows (2014), o segundo filme de David Robert Mitchell, segue Jay (Maika Monroe) que começa a ser vítima de uma maldição transmitida através de relações sexuais. Um filme altamente inspirado pelos slashers dos anos 80 (Halloween, Nightmare on Elm Street) tanto pelos temas ligados ao início da vida adulta (sexo como pecado mortal) como pelos sintetizadores presentes ao longo do filme. Ao contrário destes filmes, não tem um vilão memorável nem altamente caracterizado mas cria uma enorme antecipação no espectador, constantemente a tentar adivinhar quem poderá ser e quando é que o “monstro” irá finalmente alcançar Jay. À primeira vista, It Follows funciona como metáfora para a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis. Porém, o filme vai mais longe e apresenta uma representação interessante da ansiedade com o fim da adolescência.
Francisco Sousa
42°The Silence of the Lambs (1991) de Jonathan Demme
Um filme realizado por Jonathan Demme e escrito por Ted Tally, baseado no romance de Thomas Harris. Tem uma das narrativas mais bem pensadas de sempre com personagens distintos e marcantes. É assustador, incómodo mas muito envolvente. Conta a história de Clarice uma agente do FBI que é ajudada por Hannibal Lecter, um serial killer, a capturar outro assassino em massa. É nesta guerra das mentes brilhantes, dos jogos de manipulação, do domínio pelo controle, e da confecção do discurso que ficamos agarrados nestas teias complexas do intelecto das duas personagens principais. The Silence of the Lambs mantém um nível de brilhantismo fora do comum tornando-o um dos melhores filmes de terror psicológico de sempre.
Sara Camilo
41° Faust (1926) de F. W. Murnau
Uma guerra entre Deus e o diabo disputada sobre a alma de um homem. Fausto, um alquimista de inteligência soberba, tem a sua fé apostada e tentada pelo demônio. Quando uma peste alastra-se pelo mundo, Fausto é levado a contemplar a própria insuficiência enquanto mortal. Em desespero, invoca Mefistófeles, e sela, com ele, um pacto em que sua alma é a moeda de troca para receber conhecimento. O eterno estudo sobre o horror que advém da ganância e cuja redenção encontra-se unicamente no amor. Esta grande produção foi realizada por F. W. Murnau em um momento de derrocada do expressionismo, com o nazismo batendo à porta da nação alemã. Há no filme uma depuração dos elementos estéticos do movimento: seu domínio da pictorialidade da imagem e do ritmo da montagem fazem de “Fausto” um de seus trabalhos mais barrocos. É depois dele que Murnau parte para os Estados Unidos, onde fará suas obras-primas, Sunrise (1928) e Tabu (1931), nas quais impera uma lógica mais realista.
Yuri Lins
40° They Live (1988) de John Carpenter
O filme mais confrontacional e abertamente político do Carpenter é simultaneamente um filme sobre a natureza da imagem, da articulação de mensagens e sentimentos através destas. Trata-se de uma obra prima incontornável na história do cinema não apenas pela inteligência e frontalidade com a qual trata temáticas essenciais ao cinema (significações e ressignificações a partir da imagem cinematográfica, universos possíveis através das articulações destas, modulações de gênero e transposições de estados de espírito subsequentes às escolhas formais de uma obra, a posição do espectador frente à realidade e à representação – ou seja, a posição da verdade e da farsa numa obra de arte), mas também por ser um dos filmes mais francamente divertidos e simultaneamente exigentes dos seus espectadores que há. É um filme que pensa suas metáforas enquanto imagem e ação, que por vezes as prolonga para muito além do necessário apenas para as reimaginar e as recriar como puro cinema. De uma inventividade e de uma franqueza que poucos filmes chegaram sequer perto de exprimir.
Diogo Serafim
39° Jaws (1975) de Steven Spielberg
Em 1975 Steven Spielberg era ainda um nome pouco conhecido no cinema mundial. O seu segundo filme, “Duel” (1971) tinha sido bem recebido, mas “The Sugarland Express”, o seu primeiro filme em cinema, não tinha suscitado reacções muito positivas. Contudo, “Jaws”, mudou a vida de Spielberg e também o cinema. “Jaws” é um blockbuster no máximo da sua qualidade, com grandes momentos de acção, suspense ao mais alto nível, uma óptima interpretação de Roy Scheider e uma banda sonora icónica por parte de John Williams. Spielberg conseguiu transpor o suspense e intensidade de “Duel” para um nível bastante superior, criando um dos filmes mais intensos de que há memória na história do cinema.
João Fernandes
38° Night of the Living Dead (1968) de George A. Romero
Não é qualquer realizador que se pode gabar de ter sido percussor de um subgénero cinematográfico. É o caso de George A. Romero com Night of the Living Dead, consensualmente considerado o primeiro filme de zombies. Como alguns dos grandes cineastas do género, também Romero era um mestre em inserir nos seus filmes um subtexto político provocador, sem com isso condicionar o desenlace narrativo. A partir de uma premissa extraordinariamente simples Romero cria um retrato da nação americana, dos terrores que a atormentam, e, fundamentalmente, da luta pela sobrevivência do homem negro. O final, com a morte do protagonista às mãos da polícia, deixa o espectador com um nó na garganta. Um nó que, 64 anos depois, continua difícil de desatar.
Bruno Victorino
37° The Innocents (1961) de Jack Clayton
Deborah Kerr rodopia, escandalizada e histérica, por entre espectros, espelhos, e sussurros. Uma esplêndida arquitectura e jardim serão o cenário para um filme cuja elegância formal é particularmente arrebatadora (com fotografia brilhante de Freddie Francis). Argumento de William Archibald e Truman Capote, baseado num conto de Henry James, a narrativa de The Innocents pode parecer até, a tempos, algo forçada, mas isso será tentar explicar de forma demasiado clara, demasiado lúcida, um filme singularmente obscuro e opaco. Por entre reflexos e sombras, canções e risos sinistros, e através duma poética profusão de imagens sobrepostas, a realidade e o sonho nunca serão totalmente distintos naquela grande casa (“talvez a maior casa do mundo”, certamente a mais triste), excepto na solitária e devastadora cena final. Aí, tudo desaparece, e a fé de Miss Giddens de pouco servirá para consolar uma alma para sempre perdida.
Miguel Allen
36° Midsommar (2019) de Ari Aster
Com a sua segunda longa-metragem, Ari Aster consolidou-se como uma das grandes vozes do cinema de terror contemporâneo. Midsommar é parte drama familiar, parte história de amor. Centra-se numa relação em declínio que é testada ao máximo durante uma viagem à Suécia. Viagem esta pintada com motivos florais – o padrão floral nas paredes, os campos em flor, os bordados dos trajes dos aldeões, as coroas de flores. Um filme onde o terror se desenrola durante cenas solarengas. O sol resplandecente e a paisagem verdejante não nos tranquilizam, pelo contrário. Aster oferece duas horas de festividades numa aldeia isolada que é tanto espaçosa, como assustadoramente claustrofóbica.
Pedro Barriga
35° The Others (2001) de Alejandro Amenábar
The Others é um filme misterioso, envolto numa incessante névoa e sensação de suspense. Estando repleto de elementos do mundo sobrenatural como as visões, as vozes, os fantasmas e a mansão assombrada onde decorre a acção, é claramente categorizado como uma obra transcendente. Nele não iremos encontrar momentos macabros, com monstros e imagens arrepiantes ou até mesmo elementos sanguinários. Por outro lado, seremos confrontados com a aparência frágil de uma casa danificada pelas marcas do tempo e as suas velhas divisões; salões com inúmeros espelhos tapados por lençóis brancos; velas; longas cortinas; personagens enigmáticas e a misteriosa figura de um casal de caseiros. Na verdade, The Others é um filme de terror reverso, isto é, retratado do ponto de vista dos fantasmas e espíritos que são incomodados pelos novos inquilinos da casa onde vivem. É este twist tardio que nos assombra mas que maravilha o olhar do espectador sobre a acção aterradora de um argumento magistralmente construído pelo acting, cinematografia, banda-sonora, fotografia e montagem.
Rita Oliveira
34° The Night of the Hunter (1955) de Charles Laughton
Um filme escuro, como são escuros os pesadelos da infância. Um bicho-papão sempre à espreita nas frestas sombrias do quarto. Se, ao menor sinal de perigo, há a mão do pai para trazer a luz, e o afago da mãe para espantar os espectros, em The Night for The Hunter – o único filme dirigido por Charles Laugthon – já não há pais para proteger a inocência das crianças. A orfandade demanda contemplar a face do monstro pelo o que ele é: Harry Powell (Robert Mitchum), um assassino que se passa por pregador, persegue a família de um homem que conhecera na prisão, desejando roubar o dinheiro que este deixou escondido. Powell assassina a esposa do homem, e passa a perseguir os seus filhos, Peral e John; duas crianças que precisam enfrentar a dureza do mundo enquanto fogem do assassino. É a morte da inocência, dissolvida, e amadurecida, através da convivência com o mal. Peral e John fortalecem seus laços e resistem à danação.
Yuri Lins
33° The Incredible Shrinking Man (1957) de Jack Arnold
Exposto a uma nuvem de radioatividade, um homem norteamericano dos anos 50 aos poucos começa a encolher. O que primeiro é um problema cultural (a reação da sociedade à condição bizarra do homem), logo se torna uma luta existencial contra o esquecimento. Se um gato pode me relegar ao ostracismo e uma aranha pode me devorar em apenas instantes, o que é que sobra de mim? O mundo torna-se um grande domo de estrelas onde o infinitesimal e o infinito finalmente podem colidir.
Bauti
32° Cat People (1942) de Jacques Tourneur
Irena é uma jovem sérvia que acredita possuir uma maldição hereditária: diante de algum forte sentimento (o medo, o tesão, o amor…), ela torna-se, ou imagina tornar-se, uma pantera violenta. Ao se apaixonar por um rapaz, Irena aceita ser submetida à psicanálise, numa tentativa de investigar, através da ciência, a jura que as mulheres de sua família compartilham. Seria ela verdadeira, ou apenas uma parte constituinte de seu trauma e de sua psicose? Eis Cat People, o primeiro filme de Jacques Tourneur, feito sob encomenda para o produtor Val Lewton. É onde o gênio de Tourneur se impõe: não possuindo as vedetes, grandes cenários e monstros detalhistas, ele opera sob um regime de concisão. Modula o poder de sugestão com atmosferas envolventes e as zonas negras do quadro, tendo o além dos limites da visão como um lugar propício para as ambiguidades. É nesta zona da subtração das bordas negras do ecrã que amalgamam-se as possibilidades do fantástico e da razão.
Yuri Lins
31° Day of Wrath (1943) de Carl Theodor Dreyer
Uma obra-prima de composição cinematográfica a preto e branco, e um filme verdadeiramente enfeitiçado. Vredens Dag é, sob a aparência de uma narrativa relativamente concreta, um filme profundamente abstracto. Dreyer parece combinar as suas duas obras precedentes (La Passion de Jeanne d’Arc de 1928, e Vampyr de 1932) para construir um filme onde o horror existe, não tanto pela sugestão, mas sobretudo pela conjugação dos elementos em cena : o som de passos, silêncios, um grito forte e desesperado, olhares furtivos, olhares penetrantes, espaços despidos, cenas de tortura, figuras nuas, figuras negras, figuras em chamas. Neste filme de bruxas, Herlofs Marte, a bruxa, pedirá a Absalon que a deixe “apenas viver”, no que será na verdade uma história de amor e liberdade, ou ausência da mesma, sob o jugo da sociedade, neste caso uma vila Luterana do séc. XVI. Metendo em cena uma comunidade profundamente religiosa que parece evocar sobretudo “o diabo” e o castigo, Vredens Dag é um filme carregado, lento, que, através dos seus espaços fechados, desenha um mundo de clausura, condenado. A liberdade existirá apenas no idílio dum sonho bucólico, mas mesmo aí sob o inevitável mal do destino. E é dessa fatalidade que Dreyer trabalhará aquele terrível, e terrivelmente simples, plano final. Vredens Dag é um filme central na filmografia do cineasta dinamarquês, que anuncia as suas duas obras-primas finais, como todo um cinema entre Oliveira, Straub ou Rohmer. Naquela noite fatídica, o som do vento nas árvores será mais marcante e aterrador do que qualquer fantasma ou morte sangrenta.
Miguel Allen
30° Carrie (1976) de Brian De Palma
Nos dias que correm, Carrie seria considerado um filme que retrata fielmente o sofrimento daqueles que são vítimas de bullying. Por isto, a melhor palavra que o descreve é vingança. Contudo, é também ainda visto como um filme excêntrico, bizarro e esteticamente extravagante. Temas como a sexualização, a repressão e emancipação sexual, o fanatismo religioso, o puritanismo e a condição feminina são analisados ao longo de toda a narrativa. O horror/terror neste filme não se retrata tanto na imagem escabrosa, assustadora e sanguinária mas sim na forma horrenda e perturbadora de como se assumem socialmente diversas identidades humanas. Ao longo de toda a obra, Brian De Palma consegue transmitir-nos a tormenta, a dor, a insanidade e o quão grotesco o ser humano consegue ser para o seu semelhante. Sissy Spacek como Carrie, encarna magistralmente a teenager dilacerada pela maldade humana, reproduzindo um papel de jovem tímida, inocente, ingénua e educada pelo rigor e pudor dado o fanatismo religioso da mãe. Toda a perturbação transmitida na educação de mãe para filha, a par da desumanidade e impiedade que Carrie sofre à mão dos colegas, criam um ambiente de retaliação e desforra por parte desta, que se faz servir dos seus poderes telecinéticos para explodir e repercutir os traumas resultantes da ruindade e repressão sistemática ao longo da sua adolescência.
Rita Oliveira
29° Dressed To Kill (1980) de Brian de Palma
Dressed to Kill tem parte das suas cenas e sequências filmadas no Philadelphia Museum of Art, sendo uma obra relacionada com a pintura assim como com a figura e simbolismo femininos mas também pela inserção controversa da transexualidade. Mais uma vez, e como em tantas obras de Brian de Palma, a mulher tem um destaque fulcral e de relevo ao longo da acção. É também composto por uma cinematografia apelativa, um argumento complexo e uma rede de emoção e tensão constantes que resultam em cenas que reproduzem o sonho e a paranoia, temáticas tão importantes para o género do thriller e mistério. Toda a narrativa reproduz uma forte estética – visual storytelling – na qual pesa a questão da luxúria e da sedução a par do romance macabro. Esta obra é fortemente caracterizada pelo suspense e mistério que a acompanham até ao fim, tendo uma pesada carga erótica, de fetichismo e expressividade sexual feminina. O twist nunca chega a ser óbvio e isso é de prezar. Elogiando-se o facto do realizador nos manter desconcertados e perturbados até ao final.
Rita Oliveira
28° The Cabinet of Dr. Caligari(1920) de Robert Wiene
The Cabinet of Dr. Caligari é uma das obras-primas do cinema mudo que estabeleceu o expressionismo alemão como uma forma de arte no cinema. Chegado à feira de mais uma qualquer vila, o Dr. Caligari monta o seu pequeno espetáculo no qual acorda Cesare, um homem adormecido num sarcófago que dirá aos espectadores o seu futuro. É então que os homicídios começam a ocorrer. Visualmente memorável, o filme apresenta cenários desenhados à mão que distorcem a realidade dos prédios delgados e ruas sinuosas que pretendem retratar. À curiosidade acresce o facto da película não ser realmente a preto e branco, mas antes em tons de azul, laranja e rosa, com Robert Wiene a usar as cores conforme as cenas retratadas: interior e exterior, noite e dia… Um filme com mais de 100 anos que ainda inspira mestres do cinema moderno, como Martin Scorsese e o seu Shutter Island, quase um remake espiritual da obra de Wiene.
David Bernardino
27° Signs (2002) de M. Night Shyamalan
Algures entre a ficção científica de horror e o melodrama familiar, em Signs, Shyamalan intercala sustos com comoção, para desenhar um importante salto de fé. Uma casa isolada, uma família “refeita” a tentar compreender o seu Passado, e, em torno, um mundo muito grande, cheio de perigos e desconhecido. Num minucioso trabalho de suspense por sugestão e descrição, Shyamalan contará o comovente reencontro daquela família por evento da Graça de Deus (nas santas palavras de Bénard da Costa). Signs é um filme onde olhamos para o céu para poder compreender as questões mais profundamente terrenas. E um sincero triunfo de mise-en-scène.
Miguel Allen
26° Manhunter (1986) de Michael Mann
A primeira aventura no mundo do Hannibal Lecter é esse procedural drama de Michael Mann, onde o atormentado agente de FBI Jack Crawford volta da aposentadoria para caçar um serial killer feroz. Outro embate entre duas figuras antagonistas, mas com muitas coisas em comum, frequente na obra de Mann – Pacino e De Niro em Heat; Foxx e Cruise em Colateral. Uma história embriagada em sonhos e delírios, onde os espaços arquitetônicos se contorcem e o traço de violência deixa rastros em cada casa, cada câmera que filma, e cada cabeça que sonha.
Bauti
25° Eyes Without a Face (1960) de Georges Franju
George Franju é um nome de peso na história do cinema francês, co-fundador da Cinematheque Française e realizador do filme Les Yeux sans Visage. Um dos filmes de terror mais assombrados de sempre, conta a história genial de um cirurgião que acidentalmente deixa a filha desfigurada e que pernoita as suas ações em requintes de malvadez até lhe dar uma nova cara. É filme noir de terror, altamente bem realizado e com um argumento bem detalhado, a câmara apresenta ângulos sugestivos e bizarros e a fotografia é bem contrastada e temperamental. É uma obra que envelhece bem com o tempo e tem espaço para influenciar vários realizadores e géneros cinematográficos.
Sara Camilo
24° Hereditary (2018) de Ari Aster
I am your mother! A estreia na realização de Ari Aster é seguramente um dos filmes mais assustadores de sempre. Sem recorrer aos comuns (e cansados) jumpscares, Aster cria uma experiência verdadeiramente inquietante. Um filme em perpétuo estado de terror, no qual o mais ligeiro som (clique) nos arrepia da cabeça aos pés. Não podia deixar de mencionar aquela que foi a melhor interpretação do ano: Toni Collette no papel principal de uma mulher de família, receosa que a insanidade da sua mãe esteja também presente em si e nos seus filhos.
Pedro Barriga
23° The Exorcist (1973) de William Friedkin
Um dos maiores clássicos do género de terror, O Exorcista foi pioneiro na temática da possessão espírita, marcando o seu público pela brutalidade visual com que William Friedkin reencarnou o romance homônimo baseado em factos reais ocorridos na década de 40. Esta história aterradora centra-se numa mãe (Ellen Burstyn) que assiste impotente ao declínio da sua filha pré-adolescente enquanto esta é possuída por um espírito maligno. O cepticismo relativamente a esta possibilidade gradualmente se desvanece, quando os inúmeros médicos e exames falham em encontrar uma causa para o estado da jovem, assim como a devida cura. É quando entra em cena o padre Karras, que o grafismo visceral do filme, assim como a violência dos diálogos, se torna evidente. É terror intemporal, que nunca deixará de marcar as gerações de espectadores incautos.
Inês Bom
22° The Village (2004) de M. Night Shyamalan
The Village, filme realizado, produzido e escrito por Shyamalan, presença assídua no nosso top, contrapõe diferentes géneros cinematográficos, destacando-se a forma brilhante como o realizador joga com o medo: o medo do desconhecido, o medo da mudança, medo de falharmos perante nós e nossos. A construção de um imaginário terrífico é um dos pontos chave do filme: nem os habitantes da vila nem o espectador sabem ao certo o que temer. Mas ambos se encontram emaranhados num constante clima de suspense e tensão. A natureza humana é feita de falhas e virtudes, ambas brilhantemente reveladas lado a lado nesta reflexão social sobre a vida em comunidade.
Inês Bom
21° Pulse (2001) de Kiyoshi Kurosawa
Um dos melhores filmes do século XXI é também um dos melhores filmes de terror da história do cinema. Forma com Cure (1997) o ponto mais alto da carreira do realizador japonês Kiyoshi Kurosawa e constitui-se como uma obra definidora da passagem do século, pela utilização da imagem digital e por colocar a tecnologia no centro da narrativa. E o terror de Pulse nasce exatamente daí, da solidão e alienação provocadas por uma sociedade tecnológica e de consumo, onde as relações humanas se vão progressivamente deteriorando. Um terror que Kurosawa materializa magistralmente em fantasmas digitais, criando algumas das imagens mais perturbadoras já registadas em filme.
Bruno Victorino
20° Opera (1987) de Dario Argento
Vermelho vivo sobre fundo branco. Casta Diva e “porca puttana”. Callas contra Steel Grave. Um filme onde memória e sonho, realidade e representação, colidem vertiginosamente. Pela acumulação brusca de ideias díspares, pela convulsão intensa de diferentes tempos, Opera expande-se gradualmente por entre sequências de um desvario e violência alucinantes. A imagem potenciada pelo próprio olhar, um filme de olhos – bem abertos, transgressivos. Visão pan-óptica contra plano subjectivo, tudo gira aceleradamente, numa intersecção de diferentes pontos de vista, entre a percepção clara dos corvos pretos e a visão turva da protagonista. Desejo e tortura, infração e repressão, prazer e morte, em Opera tudo se enreda por entre sombras, sussurros, gritos, e muito sangue. A imagem é de enorme violência, mas fechar os olhos é proibido.
Miguel Allen
19° The Stendhal Syndrome (1996) de Dario Argento
A premissa de The Stendhal Syndrome está associada à condição que dá título ao filme e da qual a protagonista (Asia Argento) padece. Anna Manni é uma jovem detetive que persegue um serial killer e violador em Florença. A exposição à beleza das obras de arte da cidade italiana provoca-lhe vertigens, desmaios e alucinações, exponenciadas pela obsessão que o assassino acaba por desenvolver por ela. Este síndrome permite a Argento diversificar ainda mais a sua linguagem cinematográfica, chegando a imagens que radicalmente o afastam do realismo em favor da abstração. Os momentos em que a protagonista é literalmente sugada para o interior dos quadros, que ganham vida, é uma nova dimensão na gramática de Argento, atingindo o seu ápice formal naquela que é, porventura, a sua última obra-prima.
Bruno Victorino
18° In the Mouth of Madness (1994) de John Carpenter
Provavelmente o filme de Carpenter onde é mais evidente a referência metalinguística e que abraça a ficção de forma mais incondicional. Por outro lado a obra que mais positivamente se aproxima do ridículo, criando momentos simultaneamente aterradores e hilariantes, pela forma como o cineasta vai desconstruindo nas suas imagens o género (terror) para o qual tanto contribuiu. O investigador de seguros John Trent (Sam Neill) é enviado em busca de Sutter Cane, autor aclamado de uma série de livros de terror, que subitamente desaparece. O progressivo envolvimento de Trent na investigação, que o impele a ler também os escritos de Cane, leva a que se aperceba da gradual fusão da realidade (do filme) com a ficção (do livro), num jogo metatextual que Carpenter domina magistralmente.
Bruno Victorino
17° Cure (1997) de Kiyoshi Kurosawa
Kiyoshi Kurosawa é um dos realizadores mais multifacetados do panorama cinematográfico internacional, oscilando frequentemente entre diferentes géneros e abordagens à encenação. Mas foi no terror que o cineasta japonês mais se evidenciou ao longo dos anos e Cure o filme que o catapultou para a ribalta. O detective Kenichi Takabe (Kōji Yakusho) investiga uma série de assassinatos cometidos por diversas pessoas que, como que momentaneamente possuídas, não se recordam dos seus violentos actos. Tal como em Pulse (2001) uns anos mais tarde, o terror de Cure surge do desconhecimento, do vazio de explicação, e da forma perturbadora como Kurosawa incorpora este sentimento na mise-en-scène do filme.
Bruno Victorino
16° Halloween (1978) de John Carpenter
John Carpenter é um dos grandes mestres de terror da história do cinema. Halloween (1978), o terceiro filme na sua longa carreira, altamente inspirado por Black Christmas (1974), de Bob Clark, é considerado um dos primeiros slashers e um dos principais catalisadores do género. A história segue o assassino Michael Myers durante a noite de Halloween depois deste escapar de um hospital psiquiátrico e a sua perseguição a Laurie Strode (Jamie Lee Curtis num dos seus papéis mais icónicos que a tornou numa das Scream Queens mais celebradas). Halloween foi um verdadeiro fenómeno que utiliza a aparente segurança dos subúrbios americanos para causar medo e insegurança nos que aí vivem. Onde cada plano na rua, ou no interior de uma casa, é um momento cinemático que avança a história e aumenta a tensão ao sugerir a presença vigilante de Michael Myers. A banda sonora do filme, também composta por John Carpenter, fornece ao filme a dose extra de claustrofobia, intensidade e sensação de perseguição constante que eleva o filme e tornou Michael Myers numa das personagens mais icónicas do universo de terror.
Francisco Sousa
15° Vampyr (1932) de Carl Theodor Dreyer
Duas histórias: Há pouco tempo atrás, li que Dreyer tinha filmado acidentalmente algumas cenas do Vampyr através de um véu. Vendo o resultado posterior, o realizador ficou tão entusiasmado com as imagens, que abriu-se a filmar o filme todo dessa forma. Verdadeiramente um filme experimental. // Vi Vampyr há uns 10 anos atrás na sala de estar da minha casa. Meu pai, ocupado com os seus afazeres, passava pela frente da televisão e, ocasionalmente, até parava pra ver um pouco mais do filme. Depois do filme ter acabado, ele entrou e disse: “esse filme é como um pesadelo acordado”. Mais tarde descobri que Dreyer havia falado sobre o seu filme de uma forma muito parecida: “a waking dream” (sonho acordado).
Bauti
14° The Witch (2015) de Robert Eggers
The Witch é trabalho de época credível e que raramente se vê no género, um horror/mistério sugestivo slow burn que alguns jovens realizadores recentes, como Ti West no seu House of the Devil, aprenderam a utilizar. Este é o primeiro filme de Robert Eggers, que desde logo captou a atenção dos amantes do género, embora ainda não o tenhamos visto regressar ao género de terror em sentido estrito que o lançou. The Witch assume uma personalidade própria, é hermético em espaço e ideias, e provoca o espectador desafiando-o a observar uma família fanaticamente religiosa. Dessa forma, Eggers coloca as regras da lógica do horror sob a lente da lógica crível das suas personagens, mudando as regras do terror enquanto género tantas vezes repetitivo e trazendo a lufada de ar fresco que caracteriza The Witch. Aliando uma refrescante mise-en-scène ao mistério do que aparentemente existirá nos bosques, uma bruxa servente do diabo, The Witch torna-se deliciosamente arrepiante e eficazmente gelado.
David Bernardino
13° Prince of Darkness (1987) de John Carpenter
Não é um dos filmes mais falados de John Carpenter, mas é sem dúvida um dos melhores. “Prince of Darkness” junta o melhor do horror num só filme, violência extrema misturada com efeitos especiais de topo, cenas de terror muito bem conseguidas, personagens carismáticos e uma narrativa quase sempre surpreendente, misturando o mundo do fantástico com o real de forma sublime. A banda sonora é, como em quase todos os filmes de Carpenter, excelente, assim como a fotografia, a cargo de Gary B. Kibbe, o mesmo que trabalhou com Carpenter em filmes como “They Live”, “In the Mouth of Madness” e “Ghosts of Mars”, entre outros. De destacar também a presença de Alice Cooper como um dos enviados do principe das trevas, como seria de esperar.
João Fernandes
12° The Testament of Dr. Mabuse (1933) de Fritz Lang
Filmado durante o colapso da República de Weimar, o filme foi definido por Kracauer como uma “tribuna de último momento contra o iminente desastre”. O paralelo entre Mabuse e o crescimento da influência nazista na sociedade alemã é articulado com uma perspicacia impressionante, mas o gênio de Lang está em retratar de forma mais expansiva como a sociedade se submete de forma irracional ao terror e se permite governar gradualmente a partir da simples sugestão da opressão. A imaterialidade de Mabuse, esse espectro de violência e corrupção moral que assombra a Alemanha, é um dos fantasmas mais assustadores que já confrontamos numa sala de cinema.
Diogo Serafim
11° Suspiria (1977) de Dario Argento
Fotografia, cor, luz e banda sonora. Estes são os elementos pelos quais “Suspiria” é, na época actual, ainda referido vezes sem conta. Há poucos filmes que combinem tão bem elementos de geometria com cor e luz desta forma. A história, baseada no livro de Thomas De Quincey, é também de excelência, embora a narrativa lenta inicial possa afastar alguns espectadores. “Suspiria” é um dos maiores marcos do cinema de Dario Argento, ao ponto de ter tido um remake feito em 2018 e que também figura nesta lista de melhores filmes de terror.
João Fernandes
10° The Birds (1963) de Alfred Hitchcock
The Birds (1963) é uma obra física, crua e apocalíptica. O início da narrativa introduz a temática dos pássaros engaiolados como metáfora e exórdio à temática do amor, do romance, da conexão física, mas também da inocência e ingenuidade. Aqui, a forma singela como o relacionamento entre homem e mulher que acreditam ver no matrimónio uma forma de criar um lugar seguro no qual se poderão defender de toda a crueldade física e destruição da condição humana, é o mote para um filme sanguinário e destruidor. Com efeito, é todo este ambiente bizarro e de perversão que compõe a obra, que também nos leva a crer que pouco ou nada sabemos sobre a força e os mistérios da natureza. Como poderemos, então, lutar contra aquilo que nos subjuga? O título do filme de Alfred Hitchcock poderá ser analisado de uma forma dúbia, dado que o termo birds será certamente atribuído aos pássaros como animais irracionais, mas também como um termo calão para categorizar as mulheres. Ela é símbolo de personalidade, altivez e determinação. Mas é também representante de um conjunto de complexos dilemas, aqui assumidamente relacionados com o desejo, a vaidade, o pecado, a luxúria, a transgressão e a perversão. A narrativa de The Birds é marcada por um argumento com forte incidência na dor, no medo, no abandono e na solidão, sendo os nossos sentidos postos à prova em diversas cenas. Finalizando, as relações humanas são, neste filme, confrontadas com a inferioridade do homem relativamente à força e ao poder da Natureza, tornando-nos seres redutíveis e fortemente desvalorizados, quase insignificantes.
Rita Oliveira
9° Nosferatu (1922) de F. W. Murnau
É inegável a influência de Murnau na história do cinema, com uma carreira repleta de obras-primas. Filmes revolucionários que ainda hoje são referência para qualquer cineasta. E quando falamos de terror poucos filmes foram feitos que tenham sido tão influentes no género como Nosferatu. Baseado na obra Dracula, de Bram Stoker, e claramente inserido no movimento expressionista alemão (apesar do traço menos vincado em comparação com outras obras), Murnau constrói o seu filme com os principais ingredientes ao dispor de um cineasta: luz e sombra. A personagem do vampiro e a forma como o cineasta alemão o enquadra nos seus planos, estão na origem de algumas das imagens mais icónicas e farão com certeza parte do imaginário de qualquer amante da sétima arte.
Bruno Victorino
8° I Walked With a Zombie (1943) de Jacques Tourneur
Segundo filme realizado por Jacques Tourneur para o produtor Val Lewton. Tal como seu antecessor, “Cat People” (1942), Tourneur trabalha com o mínimo, quase num regime de austeridade: aqui, seu trabalho é ainda mais direto, evidenciando com maior contundência toda a carga política que a sua ficção contém. Quando a enfermeira Bestsey chega à ilha caribense de São Sebastião para cuidar de Jessica Holland – a esposa catatônica do senhor de engenho Paul Holland –, ela se vê imersa em uma realidade movida pela religiosidade local, e pelo poder da dominação colonial. A Família Holland, administrando a necessidade de manter sua classe social, não se furta em utilizar a própria mítica dos habitantes da ilha, tal como os credos do vodu, para manter certo domínio sobre eles. Com pouco mais de 1 hora de duração, o filme oferece a metáfora mais fulcral sobre os processos coloniais que as nações imperialistas (e seu capitalismo) impõem ao terceiro mundo.
Yuri Lins
7° The Whip and The Body (1963) de Mario Bava
Onde desejo e morte, amor e violência se confundem continuamente. Um filme mergulhado nas mais profundas sombras, afogado sob um incessante vento que sufoca, e saturado de cores dementes. Um Kammerspiel que explode em vermelhos, verdes e azuis, sobre fundo negro. Mario Bava nunca se terá preocupado particularmente com a coerência das histórias que contava, e a narrativa de La Frusta e il Corpo será até bastante simples, mas particularmente difícil de retraçar após imagens tão delirantes. Louco e sedutor, um filme onde o amor arde como as “chamas do inferno”. Uma claustrofóbica fuga à realidade, muito para além da razão, e perdida para além da vida. Um filme preto, tingido com tonalidades de loucura. Memória e obsessão, desejo e repressão, o espectro do amor fere com a violência dum chicote. Um filme dum horror profundo.
Miguel Allen
6° Rosemary’s Baby (1968) de Roman Polanski
Uma das peças mais conhecidas da trilogia de Polanski, Rosemary’s Baby afigura-se como um género muito particular de terror, através de uma narrativa de crescente tensão que joga com a percepção do espectador sobre o real e o imaginário, a psicose e o sobrenatural. Rosemary (Mia Farrow), uma jovem dona de casa, muda-se com o seu marido para o apartamento dos seus sonhos, palco do começo de uma nova vida familiar. A personalidade sombria e misteriosa do apartamento vai lentamente ganhando espaço, assim como a presença inquietante dos outros inquilinos. Ao longo do filme, o espectador debate-se perante este terror atmosférico, que não é ostentado nem proferido, consolidando-se através da credibilidade da própria narrativa. A premissa base fica no ar, ao critério da apreciação de cada um. Incontestável é o carácter aterrorizador que reveste cada cena, em particular, as pequenas trivialidades da vida doméstica.
Inês Bom
5° Alien (1979) de Ridley Scott
Alien (1979) é o segundo filme de Ridley Scott, um slasher no espaço que segue a tripulação da nave Nostromos quando esta encontra uma forma de vida alienígena depois de investigar um sinal de transmissão desconhecido. Ao contrário de outros filmes de ficção científica que preferem focar-se em soldados e exploradores, Alien coloca no centro da história operários que discutem à refeição salários baixos, contratos injustos e que estão fartos do trabalho que fazem. Através do espaço fechado da Nostromos e do design brilhante de H. R. Giger, Alien é um filme claustrofóbico, no qual Ripley (Sigourney Weaver a interpretar uma das maiores heroínas da história do cinema americano) e a restante tripulação têm não só de combater o Xenomorfo, uma forma alienígena desenhada para matar e sobreviver em condições extremas, como também contrariar as ordens de uma empresa que coloca os seus operários em segundo plano. Alien é um filme paciente, que utiliza o silêncio do espaço para aumentar a tensão nos espectadores e que se tornou um dos filmes mais icónicos da história do cinema ao intersectar na perfeição a ficção científica com o cinema de terror.
Francisco Sousa
4° Psycho (1960) de Alfred Hitchcock
Em 1960, Hitchcock estava em alta. Os seus últimos filmes foram os estrondosos Vertigo e North by Northwest. Para Psycho, porém, o Mestre do Suspense optou por um orçamento mais reduzido e por regressar ao preto-e-branco. O resultado: um filme transgressivo, um que quebrou com todos os pressupostos, fossem eles narrativos ou morais. Ainda a procissão – leia-se, o filme – vai no adro e Hitchcock já matou a sua protagonista, naquela perpetuamente dissecada cena do chuveiro. Quanto a assuntos tabu, não os há. O realizador inglês veio para chocar os americanos com violência, morte, sexo, e soutiens! Sem esquecer que Psycho foi o primeiro filme de Hollywood a mostrar o autoclismo de uma sanita. Memorável, em todos os aspetos.
Pedro Barriga
3° The Shining (1980) de Stanley Kubrick
O triciclo de Danny, o quarto 237, as irmãs gémeas, o sangue a jorrar do elevador, o machado, o labirinto. Toda uma iconografia que Kubrick gravou na nossa memória coletiva. Um filme de terror repleto de referências ao número 42 (ano da Solução Final) e que contém uma diabólica máquina de escrever de marca alemã. Uma leitura que não se esgota no nazismo, pois pode também ser aplicada ao massacre dos povos nativos dos Estados Unidos. Não será por acaso que Kubrick situa a história num hotel construído em cima de um cemitério de indígenas. Já Jack escreve num salão com gravuras de índios nas paredes e na despensa abundam índios nas latas de comida. Efetivamente, um filme que permite uma miríade de interpretações, o que só o torna mais interessante e mais aterrador.
Pedro Barriga
2° The Texas Chainsaw Massacre (1974) de Tobe Hooper
Mal sabia Tobe Hooper que, em 1974, quatro anos antes de Halloween, estaria a forjar aquele que é provavelmente o primeiro slasher norte americano. The Texas Chainsaw Massacre é pioneiro no slasher, aqui ainda derivativo do terror exploitation de filmes como The Last House on the Left (1972) de Wes Craven, que coloca um grupo de jovens de visita ao Texas rural nas mãos de uma sádica família canibal. Formalmente criativo e curiosamente com uma preocupação estética acima da média, o filme apresenta uma fotografia desoladora em amarelo torrado, filmando campos de trigo e planícies áridas. Este massacre no Texas é claustrofóbico, intenso, perturbador e violento, com um toque low budget que, ao invés de lhe retirar credibilidade, acrescenta-lhe realismo. A forma crua como Hooper filma a casa onde vítimas e psicopatas se movem é fria e desconcertante e desengane-se quem acredita que The Texas Chainsaw Massacre se esgota com Leatherface e a sua motosserra. Leatherface pode não ser o pesadelo que é Freddy Krueger ou ter a psicologia de Michael Myers, mas a brutalidade da sua figura, de serra eléctrica descomprometida na mão, fruto de uma família louca perdida no Texas, é produto de horror impotente, imediato, irresistível. E é essa família insana que faz o quadro completo do pavor que acompanha Sally e os seus amigos: o primeiro teen group da história dos slashers americanos.
David Bernardino
1° The Thing (1982) de John Carpenter
Não é fácil transformar um filme que já existe numa obra muito maior. “The Thing from Another World” foi criado em 1951, baseado no livro de John W. Campbell Jr. Contudo, as diferenças para “The Thing” de John Carpenter são demasiadas para existir sequer uma comparação significativa. O que Carpenter fez com “The Thing” não foi inicialmente bem visto, pelo contrário, tanto este como “Blade Runner”, dois filmes estreados em 1982, foram mal recebidos aquando da sua estreia. Porém, o tempo dá razão ao talento e anos mais tarde, “The Thing” começou a receber os louvores que o tornam digno de melhor filme de terror de sempre. Numa premissa fechada, centrada numa localização inóspita e rodeada por uma gigantesca tempestade de neve, vários investigadores começam a ser caçados por uma criatura que é bem mais aterradora do que qualquer possível explicação. Com Kurt Russell como protagonista, além de outros habituais de alguns filmes de Carpenter, “The Thing” explora o medo do isolamento em combinação com a sensação de sermos caçados constantemente por algo que não conseguimos compreender de forma tão assustadora que damos por nós a duvidar da nossa própria realidade.
João Fernandes