100 Melhores Filmes do Século XXI

Para o lançamento do site da Tribuna do Cinema, a nossa equipa decidiu tomar como primeiro grande desafio de grupo a construção de uma lista daqueles que serão, nada mais nada menos, que os 100 melhores filmes do século XXI. O processo foi complexo e moroso, com 12 participantes/votantes elegendo, primeiro, a sua lista individual. 12 listas individuais nas quais surgiram 243 filmes que foram depois cruzadas num sistema de pontuação que nos permitiu chegar àquele que é o top dos 100 Melhores Filmes do Século XXI para a Tribuna do Cinema. Apenas foram elegíveis filmes a partir do ano de 2001 (desculpa In the Mood for Love), bem como longas metragens. Os eleitos vão do mainstream ao dito cinema de autor, passando pelos 4 cantos do Mundo e por todos os géneros, do documentário ao terror. Para os 50 primeiros preparámos um pequeno parágrafo individual assinado por um dos defensores do filme dentro da Tribuna. Esperamos que os vossos favoritos tenham entrado na lista e que também sirva de inspiração para a próxima noitada de cinema em casa!

 

100º Vitalina Varela de Pedro Costa

99º   2046 de Wong Kar-Wai

98º   La Vie d’Adéle de Abdellatif Kechiche

97º   The White Ribbon de Michael Haneke

96º   About Endlessness de Roy Andersson

95º   Dunkirk de Christopher Nolan

94º   Force Majeure de Ruben Östlund

93º   Profit Motive and the Whispering Wind de John Gianvito

92º   The Brown Bunny de Vincent Gallo

91º   Les Glaneurs et la glaneuse de Agnés Varda

90º   Inglorious Basterds de Quentin Tarantino

89º   Mistérios de Lisboa de Raúl Ruiz

88º   Operai, Contadini de Jean-Marie Straub & Danièle Huillet

87º   The Master de Paul Thomas Anderson

86º   The Square de Ruben Östlund

85º   We Own the Night de James Gray

84º   Blue Jasmine de Woody Allen

83º   Collective de Alexander Nanau

82º   Journey to Agartha de Makoto Shinkai

81º   On the Beach at Night Alone de Hong Sang-Soo

80º   Quei Loro Incontri de Jean-Marie Straub & Danièle Huillet

79º   The Village de M. Night Shyamalan

78º   Transit de Christian Petzold

77º   Le doux amour des hommes de Jean-Paul Cyveyrac

76º   Shame de Steve McQueen

75º   Black Swan de Darren Aronofsky

74º   Frágil como o Mundo de Rita Azevedo Gomes

73º   Parasite de Bong Joon-Ho

72º   Running on Karma de Johnnie To

71º   The Broken Circle Breakdown de Felix Van Groeningen

70º   The New World de Terrance Malick

69º   A History of Violence de David Cronenberg

68º   Death Proof de Quentin Tarantino

67º   Eternal Sunshine of the Spotless Mind de Michel Gondry

66º   Fire Will Come de Oliver Laxe

65º   The Lobster de Yorgos Lanthimos

64º   Blade Runner 2049 de Denis Villeneuve

63º   Hunger de Steve McQueen

62º   I, Daniel Blake de Ken Loach

61º   Mad Max Fury Road de George Miller

60º   Roma de Alfonso Cuarón

59º   Ruhr de James Benning

58º   A Metamorfose dos Pássaros de Catarina Vasconcelos

57º   Another Earth de Mike Cahill

56º   Caprice de Emmanuel Mouret

55º   Inside Llewyn Davis de Joel and Ethan Coen

54º   Right Now, Wrong Then de Hong Sang-Soo

53º   The Florida Project de Sean Baker

52º   Oldboy de Park Chan-wook

51º   The Social Network de David Fincher

 

50º The Worst Person in the World (2021) de Joachim Trier

“É o melhor filme do mundo”, assim declarou Paul Thomas Anderson. Ora, não há melhor forma de iniciar esta contagem decrescente, senão com a opinião daquele que é o detentor do lugar cimeiro desta lista. Na sua quinta longa-metragem, o norueguês Joachim Trier criou uma quimera. Um filme que é parte comédia romântica, parte drama dilacerante. Uma hora das divertidas aventuras de Julie, seguida de uma hora das desventuras da sua vida adulta. Um clássico imediato para os millennials de 20 e muitos, contado ao longo de doze capítulos, cada um mais sombrio que o anterior.

Pedro Barriga

 

49º Eastern Promises (2007) de David Cronenberg

Eastern Promises é o 18º filme na filmografia de David Cronenberg, numa carreira que já conta com mais de cinquenta anos. Ao contrário de outras obras do cineasta canadiano (The Brood (1979) e The Fly (1986), por exemplo) as fragilidades dos protagonistas não são expostas através das suas deformidades mas sim através de atos de violência e de redempção. Viggo Mortensen, num dos seus melhores papéis, tem neste filme um papel inverso aquele que tinha tido dois anos antes em A History of Violence (2005), o impiedoso motorista e guarda-costas de um dos líderes da máfia russa londrina que revela decência para com Anna (Naomi Watts). Tal como Cronenberg disse, este não é um filme interessado nas mecânicas da máfia mas sim no que leva a uma vida de criminalidade e nas pessoas que vivem num estado constante de transgressão. 

Francisco Sousa

 

48º A Separation (2011) de Asghar Farhadi

Pegando na premissa de que a Lei é geral e abstracta, falhando na sua essência em cobrir situações concretas e individuais e cruzando-a com um país cujo sistema judicial, profundamente marcado pela lei religiosa, peca pela fraca eficiência, chegamos à historia de Nader e Simin, uma família entre tantas outras no Irão atual. Pai, mãe e filha (filha que ambos desejam ver triunfar num futuro que se afigura particularmente limitativo para as mulheres) estão no centro de um dilema familiar que tende a intensificar-se quando confrontados com a precariedade de soluções do país de onde Simin deseja sair. Em contrapartida, Nader não consegue deixar o pai demente e vulnerável, consciente de que não terá uma velhice digna. O desenrolar desta crise familiar interliga-se com o de outra família, religiosos devotos no limiar da pobreza. O choque de culturas no seio do contexto social do filme, é apresentado por Farhadi, como se de um mero espectador se tratasse: sem censuras ou virtuosidades. Acompanhamos a linha de acontecimentos que marcam os vários personagens conscientes de que são tão vítimas do sistema, como da sua própria humanidade. 

Inês Bom

 

47º Once Upon a Time In Hollywood (2019) de Quentin Tarantino

O filme mais pessoal de Tarantino. Talvez também a sua obra mais musical. Aquela em que a banda sonora, composta de rock n’roll hits e verdadeiros anúncios de 1969, mais faz parte integrante do filme. Os créditos iniciais, em que “Treat Her Right” passa na rádio do carro de DiCaprio e Pitt (as duas maiores movie stars dos últimos trinta anos); Sharon Tate (Margot Robbie) a dançar “Son of a Lovin’ Man” na Mansão da Playboy; e, claro, a aterragem em Los Angeles ao som de “Out of Time” dos Rolling Stones. Um filme sobre uma mulher que ficou sem tempo, mas a quem Tarantino decidiu dar uma nova vida.

Pedro Barriga

 

46º Fengming: A Chinese Memoir (2007) de Wang Bing

He Fengming é um filme de uma simplicidade e de uma concretude desconcertantes: Wang Bing, munido de uma pequena câmera digital, filma de forma frontal o relato de uma sobrevivente dos campos de reeducação, onde ela e sua família foram submetidas a trabalhos forçados. Sentada no sofá de sua sala, He Fengming narra os percalços de sua vida; ela, alguém que viveu as mudanças pela qual a China passou a partir da revolução comunista. Wang Bing foi um dos realizadores que, na virada para o século XXI, soube utilizar a liberdade que as câmeras digitais ofereciam: um plano poderia durar uma hora inteira sem que houvesse a necessidade de fazer interrupções para a troca de chassis de película. Desta forma, o relato de He Fengming é captado no ritmo contínuo de sua fala, havendo pouquíssimas interrupções; o tempo passa, o sol esmaece pouco a pouco até afundar em penumbra o espaço da sala, restando o reflexo de seus óculos como duas lamparinas. O momento em que a luz da sala é acesa tem uma potência ímpar, demonstrando todo o poder de sideração que a oralidade é capaz de submeter ao espectador. Longe das parafernálias dos blockbusters ou do perfume das produções comerciais “de arte”, Wang Bing demonstra como o cinema pode nascer das coisas mais simples, bastando que se acredite profundamente na força de uma presença humana e na riqueza de seu relato.

Yuri Lins

 

45º Moonlight (2016) de Barry Jenkins

Focado numa comunidade afro-americana em Miami, onde reinam as drogas, a desigualdade social e a falta de oportunidades, Moonlight acompanha Chiron, um miúdo que não se insere no seu contexto, ao longo de três fases da sua vida: criança, adolescente e jovem adulto. E é tudo isso que é preciso, uma vez que o contexto e a temática central (que na verdade é apenas a superfície de algo mais profundo) é só quadro para uma reflexão maior sobre a dificuldade de remar contra a corrente seja em que contexto for, sem facilidades dramáticas, com a frieza e o corte necessários para que tudo tenha o peso e medida adequados.

David Bernardino

 

44º The Hateful Eight (2015) de Quentin Tarantino

Em The Hateful Eight Tarantino reduz o cinema à pureza da trama, da interpretação, da personagem, em detrimento de explosões, perseguições e grandes cenários. Aqui existem dois: uma diligência e uma estalagem perdida algures no meio de um inóspito Inverno de meados de 1870 nas montanhas do Wyoming, aqui filmadas em película num glorioso formato 70 mm, coisa que já não se usa há 40 anos. Mais uma vez o realizador envia carta de amor ao lendário compositor Ennio Morricone e recicla a cunho próprio o western spaghetti, actualizando-o e dando-lhe uma rara profundidade que rivaliza sem medos com Sergio Leone, ainda que aqui escolha um minimalismo que irá ser reprovado por muitos, mas que, como se compreenderá, é vital para a sua missão.

David Bernardino

 

43º RR (2007) de James Benning

Um épico a ritmos variados, um grande fresco de uma terra traçado a partir do meio de transporte que lhe deu forma. Benning, no seu estilo tanto matemático quanto impressionista, realista quanto poético, parece em RR chegar à síntese das suas venturas precedentes. Através de 43 planos fixos, filmados em 16mm, Benning constrói, pelas grandes paisagens e por um elemento “perturbador” preciso – o comboio em trânsito -, um retrato profundo dos Estados Unidos da América, numa ponte directa entre a história do país e a própria história do cinema. A mecânica de uma arte expressa através da mecânica de um país. Tempo, movimento e História, a partir de um registo cinematográfico despido à sua essência. A voz de Woody Guthrie e um relato de basebol. Céus, rios, e campos. Versículos bíblicos e discursos militaristas. Indústria e Americana. Lentos ou velozes, coloridos, ruidosos, e rudes, mecânicos e portanto humanos, os comboios de Benning desenham aquela ampla paisagem, tanto unindo quanto dividindo a terra americana: This land is your land and this land is my land, from California to the New York island, from the redwood forest to the Gulf Stream waters, this land was made for you and me. Um belíssimo filme, tão simples, que não será sem as suas profundas contradições, como o país e identidade que evoca.

Miguel Allen

 

42º Two Lovers (2008) de James Gray

Two Lovers é uma adaptação de um conto do Dostoievsky. É uma história que já foi adaptada várias vezes ao cinema, por isso depreendemos que há alguns elementos genéricos que permitem, sucessivamente, a sua reprodução. Mas isso seria injusto tanto com o Dostoievsky – que escreveu um conto magistral e conseguiu o apreço universal – como sobretudo com o James Gray, que tornou um conto muito adaptável numa peça única de cinema, um filme de detalhes, de atores e de ideias. 

Bauti Godoy

 

41º The Girl Who Leapt Through Time (2006) de Mamoru Hosoda

A maioria dos filmes de animação japonesa são criados de forma a agradar a crianças e adultos, com uma complexa evolução sentimental dos seus personagens e componente dramática na sua narrativa, misturada com momentos de humor e elementos de fácil associação social. Mamoru Hosoda é um dos grandes nomes do cinema de animação japonesa, a par de Hayao Miyazaki, Isao Takahata, Makoto Shinkai, Mamoru Oshii  e Katsuhiro Otomo e o seu “The Girl Who Leapt Through Time” é uma história dramática, mascarada de filme escolar juvenil, onde os valores humanos de amizade e compaixão sobressaem uma vez mais.

João Fernandes

 

40º Carol (2015) de Todd Haynes

A história de duas mulheres: uma jovem a descobrir a sua identidade sexual (Rooney Mara, fantástica, a fazer lembrar Audrey Hepburn) e uma mãe a lutar pela custódia da filha (Cate Blanchett, nunca melhor). Haynes reproduz a Nova Iorque dos anos 50 com um cuidado e uma delicadeza ímpares. As cordas e o piano de Carter Burwell, o grão da fotografia de Edward Lachman, tudo converge para criar um filme perfeito. Um romance que começa com uma luva esquecida no balcão e terminará num restaurante, naquela inesquecível cena final.

Pedro Barriga

 

39º L’Intrus (2004) de Claire Denis

Provavelmente o filme que mais me fez pensar na diferença entre o cinema e as outras artes. Dizer que L’Intrus não é um filme narrativo não é totalmente verdadeiro. Claire Denis adaptou o roteiro de um romance autobiográfico do filósofo francês Jean-Louis Nancy que escreveu sobre o transplante de coração ao qual se submeteu. O intruso é o novo órgão no corpo. É sem dúvidas o mais desafiante dos filmes da Denis, com o seu habitual naturalismo de câmera, mas os seus cortes tergiversados, emaranhados, num mundo que existe só através de imagens e a sua descodificação só pode existir no limbo interpretativo da montagem. 

Bauti Godoy

 

38º Tale of Cinema (2005) de Hong Sang-Soo

Da proximidade entre o desejo e a morte, e o papel que o cinema pode desempenhar nessa dinâmica, sintetizando essa dialética como uma afirmação da vida. O filme é produto de um período da carreira de Hong Sang-Soo onde seu humor ridicularizador direcionado aos seus protagonistas masculinos está mais evidente que nunca. O seu estilo formal, mesmo que mais despido e objetivo nas suas propostas que em seus filmes mais recentes, ainda é absolutamente irresistível e talvez ainda mais livre e orgânico que a perfeição formal apresentada na sua fase madura. Lembra bastante Eustache e Rohmer, mas o jogo metalinguístico proposto por Hong pertence apenas a ele, e eu especialmente gosto dos detalhes deste filme: a nuvem caindo pela janela, os pés dos amantes suicidas enlaçados, as pequenas inseguranças dos personagens, um abraço, uma bebedeira de soju entre amigos…

Diogo Serafim

 

37º Los Angeles Plays Itself (2003) de Thom Andersen

Enciclopédico mas profundamente cinematográfico, em Los Angeles Plays Itself, Thom Anderson consegue, a partir dos filmes de tantos outros, traçar uma cartografia pessoal de uma metrópole tão grande e indecifrável, quanto atípica e variada. Anderson explana longamente as suas reservas quanto à abordagem que Hollywood historicamente dedicou à “sua” cidade, abordando também a fotogenia difícil daqueles que serão os espaços urbanos “mais fotografados do mundo”. Propondo desviar a atenção do espectador em direcção ao fundo de cena, Los Angeles Plays Itself explora a ambivalente dependência da cidade para com o mundo do cinema – motor da sua constante transformação e consequente destruição urbana, mas por outro lado, também o seu mais evidente, ainda que frágil, foco historicista. Um filme carregado de um forte ressentimento para com as obras que evoca, mas impregnado igualmente de uma franca nostalgia pela cidade neles gravada, Los Angeles Plays Itself será finalmente uma monumental ode a um retrato urbano que estará ainda para ser feito, e que encontrará talvez aqui a sua maior tentativa “falhada”. 

Miguel Allen

 

36º Linda Linda Linda (2005) de Nobuhiro Yamashita

É muito fácil julgar Linda Linda Linda como o filme comovedoramente tenro que é, mas focar-se nisso também seria ignorar a decisiva tenacidade que permeia pela banda formada com o intuito de se apresentar no Talent show. Na falta de uma vocalista, três meninas japonesas recrutam uma coreana que mal sabe falar japonês. Ela terá alguns dias para aprender as letras e se entregar ao período turbulento que é a adolescência. As bandas adolescentes sempre parecem instantes presos no tempo e Nobuhiro Yamashita concentra o seu filme também nos dramas adjacentes, nos desencontros juvenis e na doçura de viver um tempo de erros e de acertos, mas sobretudo de agitação. 

Bauti Godoy

 

35º Wolfram, a Saliva do Lobo (2010) de Joana Torgal & Rodolfo Pimenta

O aglutino de um processo milenar – em todas as suas etapas – capturado numa câmera omnipresente. As minas de Panasqueira trabalham incessantemente há mais de 120 anos através de gerações e gerações de trabalhadores que desempenham as suas funções metodicamente. Tudo é tão perfeitamente orquestrado que, levados pelo filme, conseguimos ver e ouvir a maquinaria da extração, o seu entorno natural e o seu labor humano.

Bauti Godoy

 

34º Adieu au Langage (2014) de Jean-Luc Godard

Uma longa-metragem que propõe uma despedida do grande ecrã do brilhante cineasta Jean-Luc Godard, um marco no cinema francês com a ‘Nouvelle Vague’ e um dos rostos do cinema europeu. O filme torna-se um ensaio visual de 70 minutos, desobediente e intenso, que nos faz transpor até às diferentes linguagens artísticas que atravessam a sua carreira. É de poesia que falamos, dos caminhos filosóficos do pensamento, da exuberância dos sentimentos, e por fim de todo um enredo palpitante e politizado. Uma provocação, uma experiência sonora, uma disrupção… Um filme instável e belo, que se apresenta por capítulos com uma especial atenção à imagem que se expõe colorida e flutuante. Propõe uma aceitação da vida e das suas temáticas deixando para trás os significados da interpretação, e da profundeza existencial e ocupando-a com o hoje, na entrega dos sentimentos e dos sentidos. 

Sara Camilo

 

33º The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring (2001) de Peter Jackson

The Fellowship of the Ring, de Peter Jackson, bem como os seguintes filmes na trilogia d’O Senhor dos Anéis, tiveram um profundo impacto na indústria norte-americana e no universo popular. Revolucionário na maneira como adaptou a obra de J.R.R.Tolkien ao grande ecrã (os três filmes foram gravados de seguida, ao longo de 16 meses), a trilogia acabou por ganhar 17 Óscares da Academia em 30 nomeações. The Fellowship of the Ring introduz a história do Anel e de Frodo Baggins (Elijah Wood), um Hobbit do Shire que juntamente com oito companheiros terá que levar o Anel até Mordor onde será destruído. Um filme de proporções épicas que utiliza as paisagens da Nova Zelândia de forma brilhante, com uma banda sonora icónica, mas que nunca esquece que no seu centro está uma história de amizade, de sacrifício, e de que na face do mal temos de pôr de lados as nossas diferenças em prol do bem comum. 

Francisco Sousa

 

32º Tangerines (2013) de Zaza Urushadze

Passado em 1992 no auge do conflito armado que deflagrou em Abkhazia (região separatista na Georgia), o filme tem como protagonista Ivo (Lembit Ulfsak), um agricultor que decide ficar para trás com o seu vizinho Margus, por forma a cuidarem da sua plantação de tangerinas, último marco de uma vida devastada pela guerra. Ao abrigar dois combatentes feridos de facções opostas, o georgiano Niko e o mercenário checheno Ahmed, a residência deste agricultor estónio torna-se numa zona neutra, palco de confronto de ideologias políticas, ressentimentos históricos e reconhecimentos, numa lição de humanidade realizada de forma memorável. Ivo, inicialmente apenas focado em proteger as suas plantações, vê-se impelido a ajudar a salvar a vida daqueles homens, numa união improvável entre personagens cujas motivações pessoais divergem entre si, mas alcançando a proeza de, em comum, encontrarem a empatia há muito perdida nas cinzas deste conflito. Uma carta aberta anti-conflito, a obra do realizador georgiano Zaza Urushhadze é clara nas suas intenções: desconstruir a crença na hostilidade armada e na divisão entre nações.

Inês Bom

 

31º Vai e Vem (2003) de João César Monteiro

O último suspiro de uma das mais fascinantes obras do cinema português, lançado na sequência do polémico Branca de Neve (2000), Vai e Vem acaba por se constituir como um capítulo adicional à trilogia de João de Deus – Recordações da Casa Amarela (1989), A Comédia de Deus (1995) e As Bodas de Deus (1999). Em qualquer um destes filmes, João César Monteiro, para além de realizador, é o protagonista, colocando em conflito o sagrado com o profano, à frente e atrás da câmara. Consciente de ter os dias contados, o derradeiro filme do cineasta português tem ecos de despedida, uma melancolia sempre equilibrada pelo habitual comentário mordaz, de quem sempre esteve pouco importado com o que o público português pensava. 

Bruno Victorino

 

30º Call Me By Your Name(2017) de Luca Guadagnino

Call Me By Your Name é o menino bonito de Luca Guadagnino. Elio e Oliver são os representantes mais recentes de um cinema de afirmação, erótico, explícito e sem receios ou medos de reproduzir e representar o amor, a curiosidade sexual e a aproximação ao desconhecido, por oposição a Été 85 (2020), de François Ozon, que é um filme que pretende alcançar o mesmo atrevimento que Guadagnino, mas que ainda possui algum conservadorismo e pudor na afirmação e exposição gay. No filme de Ozon é possível sentir o constrangimento e a opressão da sociedade dos anos 80 que aparentemente não era tão desinibida e descarada como nos fazia crer. Tendo Itália como pano de fundo e toda a sua paisagem e arte como motes do filme, onde uma família abastada de férias na riviera italiana se faz representar por um pai professor, um filho impertinente e um convidado que traz consigo mudança à rotina cansada deste núcleo familiar, Call Me By Your Name consegue ser uma experiência fílmica, tecnicamente imperfeita, mas onde a estética é sempre mais forte. A química inegável entre os actores Timothée Chalamet e Armie Hammer e a fotografia são pontos cruciais neste drama que retira ao amor e à atracção todas as leis possíveis.

Rita Oliveira

 

29º Film Socialisme (2010) de Jean-Luc Godard

E la nave va. Partindo de um gigantesco plano de mar “negro petróleo”, Godard evoca o Mediterrâneo enquanto berço da humanidade e como o campo de um conflito permanente. Grandes horizontes e incertezas profundas, uma história de ouro, de identidade e língua, uma história de guerra. Em Film Socialisme, Godard parece abrir enfim o (seu) campo a todas as imagens – de Potemkin ao YouTube – propondo, a partir de uma montagem arrebatadora, “mettre à l’abri toutes les images du langage et se servir d’elles, car elles sont dans le désert, où il faut aller les chercher” (Genet). Resgatando uma profusão de referências que recusam qualquer tipo de catalogação (onde mesmo um Manet saturado é referido como Renoir), Godard constrói o relato, a três tempos, de uma realidade humana tanto cíclica como permanente. Mas mesmo se confuso e críptico, muitíssimo frustrante, Film Socialisme não poderia ser mais fascinante. Profundamente anti-pedagógico, é também um filme construído de diálogo(s). A imagem será deformada e revolta, o som ruidoso e obtuso, mas este será finalmente um dos mais estimulantes filmes de um realizador cuja obra sempre nos soube surpreender – e seguramente um dos filmes definitivos do cinema na sua idade digital.

Miguel Allen

 

28º La Flor (2018) de Mariano Llinás

803 minutos de filme realizados pelo argentino Mariano Llinás, divididos em várias partes que vão oscilando entre o terror, o thriller policial e o documentário metalinguístico. Uma obra megalómana que justifica todos os seus minutos. Mas apesar do cariz épico e grandioso do filme, o que interessa a Llinás são as suas 4 atrizes, submetidas a uma panóplia de géneros cinematográficos e diversos papéis com o objetivo de, no final, sentirmos que as conhecemos melhor. Um complexo jogo narrativo que faz o espectador refletir sobre a própria natureza das imagens e o poder da ficção, satirizando a história do cinema e piscando-lhe o olho simultaneamente. 

Bruno Victorino

 

27º First Reformed (2017) de Paul Schrader

Inspirado pelos realizadores nórdicos Ingmar Bergman e Carl Theodor Dreyer, o mestre Paul Schrader cria uma obra sobre pecados, redenção e isolamento, temas tantas vezes explorados nas suas obras. Ethan Hawke sobressai com uma brilhante interpretação, mas é na força do seu argumento e genialidade artística dos seus planos e montagem que “First Reformed” realmente alcança um nível superior. 

João Fernandes

 

26º Gran Torino (2008) de Clint Eastwood

Já quando estreou, em 2008, Gran Torino era olhado como o último filme de Clint Eastwood enquanto actor. Quem diria que hoje ainda o veríamos no activo, aos 92 anos, à frente e por trás da lente. Eastwood gosta de filmar as idiossincrasias norte-americanas, os heróis do dia a dia, o lifestyle de um velho Oeste que já não é velho, e o velho Clint incorpora aqui essa presença, o velho que teima em mudar e aceitar novas visões de uma vida que, no seu entender, sempre havia sido estável. Interpretando um veterano da guerra da Coreia, nos anos 50, o protagonista depara-se com uma família coreana a viver no seu bairro, forçando-o a confrontar fantasmas e preconceitos pessoais. Com o toque leve mas emocional que descreve algum do seu cinema mais recente (Cry Macho tem aqui clara referência), Gran Torino ainda é provavelmente o filme que melhor corporiza as ideias da recta final de carreira de Clint Eastwood que teima em continuar a brilhar.

David Bernardino

 

25º La Demoiselle d’Honneur (2004) de Claude Chabrol

Chabrol fez parte da geração de críticos e realizadores de cinema que compuseram a Nouvelle Vague, um dos movimentos mais importantes da história do cinema. O idiossincrático traço do cineasta francês terá atingido o seu ápice em La Cérémonie (1995), mas o tom satírico da sociedade gaulesa e a perspicácia com que jogava com os signos dos géneros cinematográficos manteve-se presente, mesmo nos seus filmes tardios. Amor, estátuas, carros e a morte sempre como elemento de ruptura, um estilo que se poderá inicialmente estranhar, mas que rapidamente se entranha.  

Bruno Victorino

 

24º Phoenix (2014) de Christian Petzold

O final de Phoenix, onde a personagem de Nina Hoss canta Speak Low, de Kurt Weill, enquanto revela a sua identidade de sobrevivente dos campos de concentração nazis, é um dos grandes momentos cinematográficos do novo século. A obra do cineasta alemão Christian Petzold caracteriza-se pela audacidade com que consegue dotar os seus personagens do peso traumático da história germânica. E nunca como neste filme tal se evidenciou de forma tão direta. Um país em reconstrução, em clara negação das atrocidades cometidas, onde a luta pela sobrevivência convidou à cumplicidade com o regime, resultando num sentimento de culpa que corrompe qualquer identidade que pudesse subsistir. 

Bruno Victorino

 

23º The Tree of Life (2011) de Terrence Malick

Em The Tree of Life, Terrence Malick impõe uma escolha óbvia ao público. Fá-lo tomar partido entre a graciosidade e a sensibilidade humana e a natureza terrestre súbita e repentina. No entanto, exige-se apontar que este filme tem tanto de natureza emocional imputada ao ser humano racional como tem de natureza mutativa da fauna, da flora e das constelações. É através da vulnerabilidade, da fragilidade e da inocência em contraponto com a desilusão, a decepção e o desencanto que Terrence Malick se foca nas mudanças que o crescimento físico e pessoal confere ao homem como indivíduo social. Ser criança é todo um estado de aprendizagem e aquisição de conhecimento mas não necessariamente de preparação para o que é tornar-se adulto. Neste filme, as relações humanas entre pais e filhos, entre marido e mulher e entre irmãos são exploradas de uma forma magistralmente compassada, sendo diversas e abruptamente intercaladas por planos e imagens do planeta terra e respectivas transformações que este sofre à mão humana. Toda esta dicotomia serve como mote para o realizador discursar sobre o existencialismo, sobre as almas perdidas em mundos modernos, sobre o significado da vida e sobre a lógica da fé. Quem nos criou? Quem nos cria? Quem nos salva? As perguntas sem resposta estão neste filme que tem tanto de audível como de silencioso, que tem tanto de gráfico como de espiritual.

Rita Oliveira

 

22º Les Amants Réguliers (2005) de Philippe Garrel

França, maio de 1968. Os estudantes protestam e fazem barricadas contra a repressão policial; nos momentos de calma, entregam-se às drogas e às transgressões do corpo, sonhando com a revolução enquanto escrevem poemas e dançam ao ritmo da contracultura. Nesta efervescência de uma época de mudanças, o jovem poeta François (Louis Garrel) conhece a escultora Lili (Clotilde Hesme) e juntos eles vivem um romance com a mesma intensidade estética do período. A certa altura, François diz para Lili: “Vou apresentá-la à poesia. E você me apresenta a escultura. Assim apresentaremos um ao outro as coisas de que realmente sabemos. Ela, por sua vez, retribui com um olhar carregado com a presença do primeiro encantamento, com o nascimento do amor. É comum dizer que a obra de Philippe Garrel é como um constante expurgo de seus fantasmas, como se ele, o realizador que pinta retratos com a emulsão da película, caminhasse sempre assombrado pelos desatinos de amores perdidos e pela desilusão revolucionária.  Les Amants Réguliers, lançado em 2003, é prova de tal máxima e soa como um objeto anacrónico quando comparado com os filmes lançados no mesmo ano.  Garrel concentra-se em rememorar os acontecimentos do Maio de 68, recriando de forma quase etnográfica a atmosfera sentimental que pautou a geração que viveu a revolução e a sua posterior derrocada. Nos filmes de Garrel, mesmo nos tempos cínicos, ainda é possível amar e morrer pelo mesmo sentimento, o que faz dele um dos últimos poetas trágicos. 

Yuri Lins

 

21º Tie Xi Qu: West of the Tracks (2002) de Wang Bing

O que a priori poderia aparentar um retrato antropológico de áreas industriais abandonadas da China pelo governo após a abertura econômica, logo se apresenta como uma amálgama de histórias, vidas, relações sociais e políticas que poucas obras antes dessa sequer sonharam em evocar. Muito se comenta da imersão que Bing propõe em seus filmes, utilizando o dispositivo como um elemento integrante da narração, mas o que mais me surpreende é o seu humanismo contagiante e como ele é articulado através de uma potência quase mística, muitas vezes até de ordem estética: as imagens de Tie Xi Qu frequentemente se aproximam de um sci-fi de horror, por vezes quase abstratas apesar da sua fidelidade à realidade.

Diogo Serafim

 

20º Like Someone in Love (2012) de Abbas Kiarostami

O filme abre com uma alternância entre dois planos: o de uma menina no telefone e o do bar no qual ela se encontra, e se conclui com um plano geral desse ambiente através do vidro como a síntese dos dois primeiros planos apresentados a nós (com a adição do reflexo sobre esse vidro de um homem que nesse ponto já suspeitamos trabalhar como cafetão para a menina). Uma decupagem dialética que se dá à continuidade nos mostrando luzes, nuvens e estruturas arquitetônicas nos vidros de carros, rostos em espelhos e vidros, e cortinas na frente de janelas que as pessoas usam para ver o mundo, até que uma janela se quebra e o filme termina. A sequência em que Aki observa sua fiel avó, a esperando imóvel sob uma estátua inerte no meio do movimento caótico de Tóquio, leva lágrimas aos meus olhos toda vez que assisto a esse filme. A razão pela qual esta obra sobre o Japão e sua cultura patriarcal se trata de uma obra-prima apesar de ter sido realizada por um diretor iraniano é que Kiarostami aprendeu que para entender o mundo você deve olhar para ele com muita atenção sem esquecer que ele olha de volta para você através do vidro e do concreto. A história está na frente de nossos olhos, e a sociologia é quando se aprende a ver essa história no presente, nos rostos e gestos das pessoas, na arquitetura e na luz de uma cidade.

Diogo Serafim

 

19º At Sea (2007) de Peter B. Hutton

Peter B. Hutton foi um realizador singular: quando jovem, trabalhou como marinheiro para pagar os estudos em uma escola de artes. Interessou-se pela pintura e pela escultura, mas foi o cinema que o capturou totalmente quando passou a ser espectador dos filmes experimentais de Kenneth Anger e Bruce Baillie. Sua experiência como marinheiro foi fundamental para a construção de seu olhar estético e para apresentação dos temas que lhe foram caros ao longo de sua carreira. Hutton filmou o mar em diários íntimos e criou retratos poéticos sobre as paisagens das cidades urbanas pelas quais passou. De certa forma, em At Sea temos a quintessência de seu cinema: pacientemente através dos anos, Hutton filma a vida de um navio cargueiro; acompanhando-o na sua construção e nas viagens que fez através dos oceanos para, ao fim, documentar a sua obsolescência.   Os planos dilatados absorvem a concretude do objeto, a montagem sintetiza os longos períodos de filmagem e o tempo de vida da embarcação; soma-se, também, a qualidade pictórica própria à película 16mm, que filtra a realidade, agregando-a uma fotogenia que se adequa à melancolia do tema. O processo capitaneado por Hutton extrai de um objeto inanimado uma qualidade épica e emocional.

Yuri Lins

 

18º Kill Bill Vol. I (2003) de Quentin Tarantino

A primeira das duas partes do bloody affair de Tarantino. Uma homenagem do realizador a todos os filmes de artes marciais que viu ao longo da vida – centenas, por certo. A protagonista é uma mulher que nada tem a perder, pois já tudo perdeu. Num voo de ida sem volta para o Japão, o seu desejo é apenas um: executar a sua lista negra. Death List Five. Um a um, a Noiva (Uma Thurman no papel da sua carreira) enfrentará os fantasmas do passado. Quer de calças de ganga, quer com o seu macacão amarelo, manuseando quer uma faca, quer uma espada Hattori Hanzo. A vingança é um prato que se come frio.

Pedro Barriga

 

17º Miami Vice (2006) de Michael Mann

Uma das produções mais infames do século XXI (um guião que foi re-escrito à medida que as filmagens iam decorrendo, uma época de furacões que pôs em risco os atores e a equipa, tiros nas imediações da produção durante as filmagens na República Dominicana), Miami Vice é o nono filme de Michael Mann, adaptado da série que produziu nos anos oitenta. Com uma fotografia digital fenomenal, Mann mostra a cidade de Miami maioritariamente à noite, como um elemento em constante mudança, uma ameaça permanente (como já tinha feito com Los Angeles em Colateral (2004) e com Chicago em Public Enemies (2009)). Miami Vice, ao contrário de outros filmes do género, não se foca nas cenas de ação e no mundo dos cartéis de droga. Ao colocar no centro do filme um romance proibido entre Sonny Crocket (Colin Farrell) e Isabella (Gong Li), Mann volta a focar-se na necessidade intrínseca que as suas personagens têm de fugir do mundo e de procurar abrigo algures no horizonte.

Francisco Sousa

 

16º Onde Jaz o teu Sorriso? (2001) de Pedro Costa

A montagem de um filme essencial dos anos 90. O retrato íntimo de um duo de cineastas, cujo trabalho rigoroso, cujo processo minucioso, se torna numa autêntica lição de cinema, aqui pelo cinema. E claro, uma belíssima história de resistência e de amor, de “dois seres”, no seu espaço de trabalho, cortados do mundo que se lhes abre pela pequena janela daquele ecrã de montagem. A concentração e justeza de Danielle Huillet contra a animação e retórica (“au sens positif du terme”) de Jean-Marie Straub, e uma obra riquíssima revista pelo seu interior. A voz de Straub que sussurra “contos da lua vaga” sobre um travelling mudo de mar, os silêncios e rebates de Huillet, ou as composições de sombras de Costa, intercaladas pelos planos daquele filme imenso.

(…) havia uma pessoa em França, uma pessoa de quem eu gosto muito, chamava-se Charles Péguy, que disse: “fazer a revolução seria… também é repor no seu lugar coisas antigas…”

“Muito antigas…”

“…muito antigas, mas esquecidas.”

E Onde jaz o teu sorriso? parece tentar justamente isso. Um dos grandes filmes de amor ao cinema.

Miguel Allen

 

15º The Other Side of Hope (2017) de Aki Kaurismaki

The Other Side of Hope é uma tragicomédia que poderia perfeitamente encaixar-se nos tempos hostis que vivemos. Algo que poderemos repetir daqui a 20 anos. Neste filme, a esperança é o refúgio de um homem que foge da Síria à procura de asilo na Finlândia. Fugindo ao cliché do drama pesado que geralmente termina em choro compulsivo, Aki Kaurismaki, de uma forma subtil, leva o público a colocar-se no peso do que é ser refugiado, na dor que é representada pelo abandonar do país onde nascemos em busca de uma paz muitas vezes incerta. Toda a esperança que é depositada na viagem e no sonho de viver num país evoluído, obrigam Khaled a experienciar situações de humilhação a nível pessoal, social e laboral. É aqui que o realizador joga os seus trunfos e que Kaurismaki nos permite questionar qual a maior humilhação de todas: a dos desígnios da guerra ou a dos desígnios do racismo, segregação e exploração humana. Todo o sarcasmo e humor verificados na peculiaridade do cinema Finlândes e, consequentemente, dos seus personagens, vão revelando através de um caso particular, o falhanço que os países europeus têm demonstrado na resolução da crise de refugiados para a Europa. Refúgio este que tem tudo menos esperança.

Rita Oliveira

 

14º O Estranho Caso de Angélica (2010) de Manoel de Oliveira

A fisionomia da matéria e da ideia. Um filme assombrado pela ideia de existir em um mundo onde o peso do tempo é um elemento de constante anacronismo (o digital e a película, o tradicional e o moderno, a lembrança e o instante), realizado por Manoel de Oliveira já nos seus 102 anos de idade. A matéria da fotografia é tempo e espaço congelados, uma imagem aprisionada em um instante – a lembrança em estado de inércia, matéria morta e embalsamada. E se o cinema é a fotografia em movimento, ele está entre a vida e a morte – é a morte movendo através do tempo e espaço, eternizada como vida, cor, sentimento, memória, fenômeno, tautologia.

Diogo Serafim

 

13º Lost In Translation (2003) de Sofia Coppola

A solidão de duas pessoas na vastidão de Tokyo, num percurso de auto descoberta realizado por Sofia Coppola. O filme retrata a relação acidental entre duas pessoas destinadas a encontrarem-se entre si para se poderem redescobrir a si próprias. Bob (Bill Murray) um actor de meia idade, aceita, num golpe de desespero, um trabalho publicitário em Tokyo, na esperança de refrescar a apatia profissional e pessoal em que se vê estagnado. Charlotte (Scarlett Johansson) uma jovem recém casada e licenciada, acompanha o marido numa viagem de trabalho, convicta de que a mudança de cenário possibilitará resgatar o interesse na relação e redefinir um rumo para si própria. O desencantamento gradual que ambos os personagens experienciam proporciona o timing perfeito. A solidão converte-se numa química natural entre ambos, ganhando forma em cada momento. Relações nas suas diferentes fases de vida, fidelidade, ajuste de expectativas sobre nós próprios e sobre as nossas ambições, choque de culturas ou mesmo o comercialismo, são algumas das temáticas abordadas ao longo do encontro entre estes dois perfeitos estranhos. O toque humorístico apesar de subtil é notório, perfazendo as delícias de quem assiste a esta exploração de lugares e sensações. Correr por entre o lusco fusco de Tokyo subitamente parece menos solitário.

Inês Bom

 

12º Portrait de la jeune fille en feu (2019) de Céline Sciamma

Uma tempestade de emoções cruas e intemporais fala-nos de amores impossíveis. Acima de tudo uma expressão máxima de beleza e contemplação, é um filme que não se apressa, que respira, respira as vezes que quiser, ofegante, e nunca se apressa em criar elementos românticos. Chega de forma paciente, com uma dinâmica incrível e gradual entre as personagens e as suas significâncias. É mais como um retrato que se quer libertar, que quer sair da tela, íntimo e caloroso. Utiliza elementos da natureza para aprofundar a noção de poesia, de pintura visual: a praia vazia, o mar azul, os vestidos no vento. Um filme que faz um tributo sentido às personagens femininas, propõe a presença e a delicadeza feminina em frente e atrás das câmaras. Os planos e os movimentos de câmara expressam tudo aquilo que as palavras já não podem dizer… É a escolha de um poeta com uma linguagem própria. Ficamos numa chama acesa, que sugere crescimento e expansão das conexões entre as nossas emoções.  

Sara Camilo

 

11º The Life Aquatic with Steve Zissou (2004) de Wes Anderson

The Life Aquatic with Steve Zissou é o quarto filme escrito (em parceria com Noah Baumbach) e realizado por Wes Anderson. A obra do cineasta norte-americano é pautada por personagens que tentam equilibrar a absurdez e mundanidade da realidade com o luto e sofrimento que sucedem um acontecimento trágico. Este filme idiossincrático, onde o estilo característico de Anderson é bem evidente, conta a história de Steve Zissou (Bill Murray, numa das suas melhores performances), um biólogo marinho e documentarista, obcecado com o controlo, e com o legado que irá deixar, parte numa missão que mostra que na verdade temos muito pouco controlo sobre aquilo que nos rodeia e não temos outra opção senão aceitar as nossas falhas e aquelas de quem nos rodeia. 

Francisco Sousa

 

10º Like Father, Like Son (2013) de Hirokazu Kore-eda

Como fazer de um chavão e de um lugar-comum, uma peça de arte visual? Hirokazu Kore-eda faz de Like Father, Like Son uma ode ao erro, à culpa e à vulnerabilidade. Um filme que aborda um tema tantas vezes representado, sobre duas crianças que são equivocadamente entregues à família errada no dia do nascimento. A velha história da família rica e da família pobre que indesejavelmente se vêem confrontadas com uma convivência forçada de forma a decidir o destino de Keita e Ryusei. Quão mais fortes serão os laços de sangue? Poderá o amor incondicional de um pai e uma mãe ser destruído quando lhes é contado que a criança que cuidaram e educaram não partilha quaisquer genes com eles? O abalo físico e emocional a par do desgaste humano das personagens é-nos transmitido de uma forma bastante severa e crua, conseguindo Kore-eda realçar a formalidade inabalável que os Japoneses demonstram mesmo nos momentos mais árduos e obscuros da vida. Neste filme, e em tantos outros de Kore-eda, são sublinhados valores éticos e morais assim como princípios familiares que inegavelmente colocam a família e o trabalho no centro da ideologia social japonesa. No entanto, neste filme, as sensações provocadas pelo amor convicto e firme conferem uma outra visão ao homem japonês: um indivíduo frágil e emotivo que ultrapassa ousadamente o preconceito e a intolerância de forma a ouvir, por momentos, as expressões do seu coração.

Rita Oliveira

 

Memories of a Murder de Bong Joon-ho

Um mistério policial insólito. Crimes chocantes contra mulheres. Dois detectives imperfeitos. Cinematografia  de extrema qualidade. Um argumento inovador num estilo bastante explorado. “Memories of a Murder” é um marco no cinema de crime/thriller moderno, redefinindo o cinema coreano do século XXI e abrindo portas aquela que é provavelmente a sua melhor fase (ou pelo menos a mais famosa), saindo da sombra do cinema Japonês.

João Fernandes

 

Juventude em Marcha (2006) de Pedro Costa

Juventude em Marcha dá continuidade ao trabalho que Pedro Costa faz junto aos moradores do bairro das Fontainhas, em Lisboa. Se em No Quarto da Vanda (2000), havia a demolição do bairro, desta vez há a realocação dos moradores para os novos edifícios de habitação social construídos pelo governo português. Tal mudança separa pessoas que sempre viveram juntas, impõe novos costumes e padrões de consumo. Todo este processo é visto através do protagonista Ventura, um pedreiro reformado e um dos pioneiros construtores do bairro, que resiste à mudança enquanto perambula entre o passado e o presente. Ventura é como um símbolo de todos os homens e mulheres que deixaram a terra natal para ir trabalhar na colônia, servindo como mão de obra barata na construção civil ou em outros serviços. Costa filma-o como um rei deposto ou um griot que detém as histórias de fundação de sua comunidade. Enquanto Ventura visita os seus filhos e tenta passar suas memórias, vemo-lo a habitar um tempo passado, quando compartilhava um barraco e construía uma carta de amor junto a Lento, um velho companheiro operário. Pedro Costa permanece com o seu processo de filmar com pequenas equipes e equipamentos módicos, filma durante longos períodos e constrói a narrativa pouco a pouco a partir das memórias das pessoas que registra. Sua mise-en-scène privilegia o plano de conjunto fixo ou os close-ups que enquadram as pessoas como verdadeiros monumentos. A rigidez e a longa duração dos planos permitem que a montagem coloque o passado ao mesmo nível do presente, sem delimitações. Tudo coexistindo.

Yuri Lins

 

Nobody Knows (2004) de Hirokazu Kore-eda

Nobody Knows pode, quiçá, ser a expressão mais comovente das dinâmicas familiares habitualmente retratadas por Koreeda. O drama inicia-se em paralelo com que o aparenta ser um novo e revigorante começo para esta família: Akira o irmão mais velho, mas ainda na pré adolescência, os seus três irmãos e a mãe: uma figura caricata e imatura que poderia posar como um dos irmãos deste círculo. Os mais novos estão clandestinamente no apartamento, nenhuma das crianças frequenta a escola e apenas Akira pode sair de casa, pois deve figurar como único filho. Contudo são felizes. Felizes porque estão juntos, felizes porque amam incondicionalmente a mãe e felizes na simplicidade da vida que teceram dentro daquelas quatro paredes. Porém, quando a mãe desaparece deixando como único rasto a promessa vaga de uma vida melhor, esta pequena família vê-se obrigada a encarar as exigências da vida adulta. As adversidades oscilam entre a falta de sustento, o isolamento, a ostracização por parte de outras crianças e as tentativas desenfreadas para evitarem ser separados pelas autoridades. O objectivo é um: sobreviverem mantendo-se juntos. O abandono e as dificuldades que enfrentam corrompem com a inocência própria da idade, sem nunca abalar o elo de ternura que preservam entre si.

Inês Bom

 

Mulholland Drive (2001) de David Lynch

É um delírio fílmico muito misterioso e desconcertante. Parte de um mote bastante simples: conta-nos uma história de uma mulher que sofre um acidente e fica com amnésia. Parece de fácil resolução, mas é exatamente nestas múltiplas interpretações que Lynch triunfa, com o poder da mente, da ilusão, dos sonhos prolongados e do subconsciente. De conteúdo profundo com um espectro onírico e complexo, onde a narrativa traça o seu próprio caminho e ganha vida própria, tornando-se também ela uma personagem. Uma atmosfera desinquietante, alucinada com dimensões entre os sonhos e a realidade, onde cabe tudo o que a mente conseguir pensar

Sara Camilo

 

Phantom Thread (2017) de Paul Thomas Anderson

Apesar das influências dos seus mestres clássicos, Anderson liberta-se na criação e constrói uma identidade própria para Phantom Thread: uma identidade fantasmática visceral, obscura, exacta, fechada, sempre perfeitamente equilibrada, na qual se acompanha o movimento de câmera ao longo das divisões do seu hermético “castelo”, das interações das suas personagens, dos seus ruídos, dos seus objectos. Há em cada plano de Phantom Thread uma delicadeza de composição imagética perfeita, proporcional, como se não pudesse ser de outra forma, como se uma gota a menos arruinasse a perfeição, como se tudo tivesse nascido assim na natureza, com uma lógica que até se poderia apelidar de fibonacciana.

David Bernardino

 

Pulse (2001) de Kiyoshi Kurosawa

A inteligência formal de Pulse está na maneira como Kurosawa estabelece a própria câmera como um elemento assombrado do filme. A decupagem faz uso da profundidade de campo, de glitches, de diferentes texturas, ângulos e composições, de variados valores de plano, sempre numa lógica de isolar os personagens dos espaços que eles ocupam. O dispositivo aprisiona esses personagens em um universo em ruínas do qual eles não podem nunca efetivamente fazer parte. Se muitos diretores fazem uso de exposições fugazes e esporádicas de elementos de horror para não os desgastar ou perder sua dimensão misteriosa, Kurosawa parte de uma abordagem oposta, apresentando essa iconografia como subordinada a uma temporalidade que não nos assusta num estado de euforia, mas sim nos aprisiona em um estado constante de agonia e ansiedade. Ele confronta o horror como um verdadeiro elemento a ser internalizado, não apenas um artifício de estimulação sensível. Tudo vale: a suspensão do som, a manipulação do obturador da câmera, o uso do foco e da profundidade de campo, a espacialização, a expectativa, a sugestão – nesse sentido, não seria exagero dizer que Pulse está entre os filmes mais inventivos da história.

Diogo Serafim

 

Cavalo Dinheiro (2014) de Pedro Costa

Aquilo que aparentava ser documental na Trilogia das Fontainhas (Ossos (1997), No Quarto da Vanda (2000) e Juventude em Marcha (2006)) é subvertido em Cavalo Dinheiro. O personagem de Ventura mantém a aparência no decorrer do filme, mas tanto estamos em 1975 como em 2014, na fábrica abandonada onde trabalhava outrora, no Hospital de Santa Maria ou no Jardim da Estrela. As personagens que invadem a tela tanto podem ser reais quanto fantasmas, miragens ou ilusões. É a incerteza geográfica e temporal que as imagens transmitem que criam um impacto tão profundo no espectador, onde o passado é presente e o presente é passado. Depois de muitas portas, janelas e túneis com destino incerto aparece agora o elevador, na mais colossal e tenebrosa cena filmada por Pedro Costa, condensando naquele claustrofóbico espaço todo o cinema do realizador português. 

Bruno Victorino

 

Spirited Away (2001) de Hayao Miyazaki

Finalmente mergulhamos no mundo da animação com o talentoso realizador japonês Miyazaki, e o seu querido Studio Ghibli. Um filme que nos transporta para o mundo da fantasia, com uma atmosférica encantada que só pode ser criada através do brilhante trabalho de animação. Torna-se uma passagem pela perda de inocência, enquanto Chihiro caminha numa narrativa que questiona dualidades entre a vida/morte, entre a fantasia/realidade e imaginação/insanidade e as confronta. Um filme muito rico visualmente, com cores idílicas. Uma obra de arte que nos transpõe para outra realidade, a realidade dos sonhos e dos medos. Leva uma narrativa sentimental próxima com o espectador, com a partilha da moralidade e do mundo da solidão. É inexplicável: toda a sua beleza surreal, profunda e misteriosa, trata o espectador como um ser bem capaz de imaginar e sentir.

Sara Camilo

 

There Will Be Blood (2007) de Paul Thomas Anderson

Há diversas formas de se olhar para uma obra de cinema. Podemos atentar na parte técnica, interpretações, argumento ou simplesmente o que um filme nos transmite. Seja qual for a nossa perspectiva, “There Will Be Blood” será sempre fácil de justificar como sendo um dos melhores filmes do século XXI. Paul Thomas Anderson é um dos grandes mestres do cinema moderno, porque consegue dominar todos os aspectos de um filme, além de criar o seu cunho pessoal em cada imagem, fruto da sua mestria com a câmera e também com o argumento (escrito por PTA para cinema, baseado na obra de Upton Sinclair). Embora a influência de John Ford seja evidente, “There Will Be Blood” tem algo que o irá sempre tornar único, a interpretação de Daniel Day-Lewis. Este drama sobre ódio, ganância e loucura é um exemplo raro de um tipo de cinema americano que se perdeu algures nos anos 60. E é em boa parte graças a Day-Lewis que todos os outros aspectos do filme conseguem brilhar. Um épico trágico filmado de forma negra com toda a qualidade que PTA apresenta no seu cinema.

João Fernandes